No início achei que só estava acontecendo comigo, mas com o tempo percebi que vários amigos e conhecidos estão fazendo a mesma coisa: deixar de acompanhar o noticiário pela TV. E tenho a impressão de que cresce entre pessoas comuns, sobretudo na classe média e nas camadas populares, uma tendência a se alienar voluntariamente do turbilhão de informações e opiniões que nos assaltam o tempo inteiro. Ainda que mais não seja, por mera preocupação com a saúde mental e emocional.
Há várias explicações para esse fenômeno. Muita gente está parando de acompanhar o noticiário simplesmente por achar que não serve para nada ficar se atualizando diariamente sobre assuntos que só podem estragar o seu humor. Isso se aplica, naturalmente, à cobertura da pandemia de Covid 19: as pessoas estão esgotadas e, ao mesmo tempo, anestesiadas: elas não conseguem mais estabelecer uma conexão emocional com o assunto. É natural que prefiram gastar seu tempo e energia com atividades mais prazerosas que a de espectadores e consumidores passivos de tragédias.
Também é preciso levar em conta que hoje é muito mais fácil se informar sobre qualquer acontecimento relevante pela Internet, que em geral apresenta os dados que interessam de forma mais objetiva e clara que a televisão. Se um avião cai, por exemplo, não é mais preciso aguardar a próxima edição do noticiário na TV para saber os detalhes do desastre. E eu posso decidir se só quero me informar superficialmente ou saber todos os detalhes, se vou dedicar 10 segundos ou cinco minutos ao tema – o que não posso fazer sentado na frente da TV.
Mas não é só isso.
Não existe mais informação objetiva: hoje tudo é editorializado e formatado de maneira a se encaixar em uma agenda
Desconfio que uma explicação relevante para esse fenômeno de alienação voluntária está na crescente confusão entre jornalismo e ativismo praticada nos principais veículos de comunicação. Não existe mais informação objetiva: hoje tudo, rigorosamente tudo, é editorializado e formatado de maneira a se encaixar em uma agenda. Até a previsão do tempo.
Antigamente se ensinava nos cursos de Jornalismo que, ainda que a neutralidade absoluta seja impossível, é necessário tê-la como horizonte a perseguir, na prática da profissão. Ora, a não ser quando explicitamente informado de que se trata de uma análise de opinião, o leitor ou espectador tem o direito de esperar receber informações objetivas, que lhe permitam formar seu próprio julgamento sobre as coisas.
Não é isso que vem acontecendo. Parece que atualmente se ensina que não existe realidade objetiva, que qualquer notícia é passível de ser moldada de forma a atender a alguma agenda, para beneficiar uns e prejudicar outros. É o jornalismo a serviço do Brasil do "nós contra eles",
Hoje os apresentadores dos telejornais não se satisfazem em informar o espectador: eles se colocam na posição de determinar o que o espectador deve sentir e como ele deve reagir a cada notícia ou reportagem. É o jornalismo de cabresto, que quer mandar na cabeça de quem assiste. Por exemplo, em um tom de permanente bom-mocismo e superioridade moral, sempre dão um jeito de insinuar nas entrelinhas (quando não afirmam nas linhas) que tudo de ruim que acontece no país é responsabilidade do Governo federal.
É visível a felicidade com que narram qualquer notícia ruim que possa prejudicar o presidente, a ponto de uma apresentadora ter cometido, pouco tempo atrás, o ato falho de declarar que “infelizmente”, tinha que dar notícias boas. Mas, mesmo quando a notícia é boa, ela vem embalada com o objetivo de solapar, sabotar e, se possível, abreviar o governo.
No jornalismo impresso, o exemplo caricato foi a manchete recente da “Folha de S.Paulo”: “Economia dá sinais de despiora”. Porque é inaceitável reconhecer que qualquer coisa está melhorando sob o governo de um genocida, não é mesmo? Nada melhora, tudo só “despiora”. (Já em governos recentes, nada piorava, as coisas só “desmelhoravam”...).
Associa-se com um prazer doentio cada morte por Covid ao presidente genocida, como se na Venezuela não morresse ninguém
Somente nesse contexto de má-vontade doentia, de torcida explícita para que tudo piore, de celebração do “quanto pior melhor”, é possível assistir à comemoração mal disfarçada a cada novo recorde de mortes de Covid. Associa-se com um prazer quase sexual cada morte ao presidente genocida, como se na Argentina, na Venezuela, ou em Cuba todos já estivessem vacinados e não morresse mais ninguém.
É evidente que o governo – qualquer governo – deve ser cobrado e permanentemente vigiado pela imprensa. Mas quando se substituem o rigor na apuração, o bom senso no julgamento e a responsabilidade no tratamento dos fatos pelo massacre deliberado e pela sabotagem explícita, o espectador comum – aquele que não está ideologicamente comprometido com nenhum lado e só queria mesmo se informar – percebe. E muda de canal. Ou desliga a TV e vai para o computador. Ninguém é obrigado.
Jornalismo se tornou sinônimo de militância, e o leitor-espectador não é burro. Ele percebe que o ativismo jornalístico está “espanando a rosca” já há algum tempo. “Espanar” é aquilo que ocorre com a rosca (de um parafuso ou uma porca) quando, ao apertá-la em excesso, se ultrapassa sua capacidade de resistência. A rosca, estragada, não serve mais para nada.
É o que está acontecendo com o jornalismo. A boa vontade e a paciência das pessoas vêm sendo diariamente desafiadas por um tipo de cobertura que serve cada vez menos aos interesses do cidadão comum. A consequência óbvia desse processo é a perda de credibilidade dos veículos de comunicação, diagnosticada em sucessivas pesquisas sobre o tema. A etapa seguinte à perda de credibilidade é a perda de relevância. Será possível que não estejam percebendo isso?
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