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Em países normais, as eleições acabam com o final da apuração e a divulgação do resultado. O candidato vitorioso desce do palanque, assume o governo, monta sua equipe e começa a trabalhar – de preferência para toda a sociedade, e não apenas para a parcela que o elegeu.

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Fazer campanha é muito diferente de governar. Na campanha, o foco está no futuro. O candidato não precisa entregar nada. Seu desafio é de curto prazo: apenas convencer, persuadir, criar expectativas, fazer o eleitor acreditar nas suas promessas, mesmo que não sejam viáveis.

O trabalho do marketing de campanha acaba no dia da votação. Esse trabalho se baseia, por assim dizer, na obtenção da concessão de um crédito pela sociedade.

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Já de um governante se espera o pagamento da fatura: ele precisa apresentar soluções concretas, porque a realidade se impõe. Um presidente não pode se comportar, ao longo de sua gestão, como se não tivesse nenhuma responsabilidade sobre os problemas que afligem o país. Ele não está mais em um palanque, onde basta prometer.

Até porque o crédito concedido pela sociedade é condicional e tem prazo de validade. Propaganda sem entrega real de resultados só gera frustração e desgaste. Além disso, a retórica belicosa ajuda a criar um ambiente de instabilidade política e social, aumentando a polarização e envenenando a sociedade.

Tratar canais oficiais como extensão do palanque eleitoral para atacar opositores costuma levar à perda de apoio popular e a dificuldades em aprovar projetos no Legislativo.

Marketing de campanha e comunicação de governo têm propósitos e públicos distintos. Confundir as exigências das duas atividades costuma causar problemas graves na administração e na imagem do governo. Sempre que a retórica eleitoral prevalece sobre a comunicação institucional, há desgaste, crises e dificuldades na governabilidade.

Isso tudo, como eu disse, em países normais. Mas no Brasil não é assim. Aqui vivemos um clima de campanha perpétua, na qual o presidente se recusa a descer do palanque. Sua atenção se divide entre a eleição passada, da qual não consegue virar a página, e a eleição futura, que parece pautar todas as suas palavras e ações.

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Marketing ajuda, mas não faz milagre: se a realidade for ruim, não há publicidade que consiga sustentar a imagem positiva de um governo

A estratégia pode funcionar para a militância de seu partido, mas não satisfaz o brasileiro comum, cada vez mais aflito com a inflação real (aquela que pesa no seu bolso quando ele vai ao supermercado, não a oficial) e com o aumento da insegurança nas ruas (que já saiu do controle nos grandes centros). O fato é que a vida está cada vez mais difícil, e muitas pessoas que votaram em Lula estão se sentindo enganadas.

A teimosia na retórica eleitoral agrava esse sentimento, porque gera a percepção de que o governo está mais preocupado em perseguir adversários do que em apresentar soluções para os problemas reais do país.

O mesmo vale para os agentes de mercado. Quando a comunicação não se adapta à realidade da gestão, aumentam a frustração e desconfiança entre os investidores, consumidores e setores produtivos.

O mercado precisa de previsibilidade e estabilidade. Uma comunicação de palanque passa a impressão de falta de compromisso com políticas econômicas responsáveis. A volatilidade gerada por declarações inflamadas e discursos que criam incerteza sobre regras fiscais, políticas regulatórias e investimentos estratégicos afasta investidores e prejudica a economia do país.

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Nesse contexto, a recente indicação de um marqueteiro de campanha para cuidar da comunicação institucional pode até ser coerente com o estilo do atual governo, mas dificilmente será eficaz.

Como se sabe, há pouco mais de um mês, Sidônio Palmeira assumiu a Secretaria de Comunicação (SECOM) da presidência. Responsável pelo marketing da campanha eleitoral do candidato petista na campanha de 2022, Sidônio já vinha atuando como conselheiro do presidente desde o início do seu terceiro mandato.

Parece que foi dele a ideia de fazer o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciar as medidas de corte de gastos simultaneamente à isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, no final de novembro.

Em uma campanha, a ideia até poderia funcionar. Como comunicação institucional, foi um desastre. O anúncio irritou a todos, da esquerda à direita, dos mais ricos aos mais pobres. E a anunciada isenção, para surpresa de ninguém, ainda não aconteceu.

Desde então, a situação do governo só se complicou, e as últimas pesquisas mostram que a popularidade de Lula está em queda livre.

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A crise é grave e tende a se aprofundar nos próximos meses. A ficha parece estar caindo até para os jornais do consórcio, que contribuíram fortemente para o resultado da eleição de 2022. Estão mudando de tom: já não faltam alertas sobre a semelhança entre o atual governo e o segundo mandato de Dilma, que terminou daquele jeito.

A apreensão maior é com a economia, mas aqui e ali já aparecem até mesmo críticas aos abusos do Judiciário e aos ataques à liberdade de expressão. Antes tarde do que nunca.

Marketing ajuda, mas não faz milagre. Se a realidade for ruim, não há publicidade que consiga sustentar a imagem positiva de um governo. O marqueteiro pode até tentar "dourar a pílula", mas a opinião pública se baseia na vida real, não na propaganda.

Mas, se as coisas continuarem a dar errado e o barco naufragar de vez, a culpa não será do marqueteiro. Ele só fez o que sabe fazer, e foi isso que lhe encomendaram.