Já se passaram 40 dias desde que escrevi o artigo “A eleição do fim do mundo: uma análise da nova pesquisa eleitoral”, baseado em uma pesquisa do Paraná Pesquisas, no qual escrevi: “A hipótese da volta de Lula ao poder é tão insuportável para a direita quanto a hipótese da reeleição de Bolsonaro é insuportável para a esquerda. Isso sinaliza que em 2022 a atmosfera ficará irrespirável, nas ruas e nas redes sociais. Nada de bom pode vir daí”.
Duas novas pesquisas do mesmo instituto divulgadas nos dias 04/06 (RJ) e 14/06 (SP) sinalizam que a situação não mudou. Ao contrário: a impressão é que tanto o presidente Jair Bolsonaro quanto o ex-presidente Lula contam com bases de apoio incondicionais, caracterizando um empate técnico que ameaça se prolongar até o dia da eleição. (As duas pesquisas foram realizadas antes da retirada da candidatura de Luciano Huck, o que não faz muita diferença).
As pesquisas mostram as intenções de voto nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Em São Paulo, a novidade é a inclusão de Datena como candidato. Os cenários mais relevantes de primeiro e segundo turno são os seguintes (fonte: Paraná Pesquisas*):
No estado do Rio de Janeiro, a situação não muda muito (fonte: Paraná Pesquisas **). Como a pesquisa não incluiu cenário de segundo turno, seguem os dois cenários de primeiro turno mais relevantes:
Até nos índices de rejeição – altíssimos – os dois candidatos, em tudo opostos e inconciliáveis, se assemelham: sempre segundo o Paraná Pesquisas, quase 50% da população não votariam em Lula de jeito nenhum, o mesmo ocorrendo com Bolsonaro. O grau de frustração da metade perdedora será imenso.
Bolsonaro e Lula contam, hoje, com votos suficientes para colocá-los confortavelmente no segundo turno. A não ser que a terceira via se una desde já em torno de uma candidatura, seja ela qual for, e desenvolva uma estratégia eficaz para atrair o terço do eleitorado que não se compromete nem com Lula nem com Bolsonaro, o Brasil parece condenado a eleger em 2022 um presidente fortemente rejeitado por uma parcela enorme da população.
Mas a união da terceira via parece cada vez menos provável. Ciro Gomes, João Dória, João Amoedo, Sergio Moro e Mandetta não conseguem decolar, mas não dialogam. Destes, Ciro Gomes me parece o mais consistente eleitoralmente, aquele que apresenta mais condições de crescer – roubando votos de Lula, o que seria bom para Bolsonaro. (Por outro lado, em um segundo turno é fácil visualizar Ciro apoiando Lula, ainda que “a contragosto”, mas não é nada fácil visualizar qualquer dos outros candidatos apoiando Bolsonaro: a tendência é se omitirem, ficando em cima do muro.)
Mas, além da incompetência e da incapacidade de união da terceira via, falta talvez a todos esses candidatos o elemento de irracionalidade e carisma indispensável a um candidato vencedor. O laço que une Lula e Bolsonaro a muitos de seus eleitores é mais emocional e psicológico que racional – mal comparando, como acontece com a torcida por um time de futebol; daí a resiliência das duas candidaturas, que mantém o Brasil refém da polarização maldita, que divide e envenena os brasileiros.
É claro que muita coisa ainda pode acontecer, mas, 40 dias depois, continuam valendo as conclusões do meu artigo de 08/05:
“1) Neste momento, a não ser que aconteça algo de muito inesperado, um segundo turno entre Bolsonaro é Lula parece quase inevitável; não haverá terceira via;
2) O chamado “centro” vem se mostrando incompetente para criar uma narrativa atraente para o eleitor – e mais incompetente ainda para buscar a união em torno de um nome eleitoralmente viável;
3) Levará vantagem no segundo turno o candidato mais hábil em atrair os votos dos demais candidatos.”
Cabe, contudo, acrescentar mais quatro:
4) O ritmo de recuperação da economia: números positivos consistentes nos próximos meses jogarão, evidentemente, a favor de Bolsonaro; por outro lado, se inflação e desemprego continuarem com viés de alta, suas dificuldades serão maiores;
5) Outra variável de peso é a continuidade do auxílio emergencial, aliás já anunciada pelo governo. O voto do eleitor pobre e miserável é pragmático, não é ideológico: ele vota com a barriga;
6) A evolução da pandemia: apesar da torcida contra e da exploração política da tragédia, agora parece questão de poucos meses para a maioria da população brasileira estar vacinada. Se isso fetivamente se refletir em uma queda significativa de casos e mortes (o que ainda não é certo: vejam o caso do Chile), permitindo uma relativa volta à normalidade, o impacto desse tema sobre o voto tende a diminuir.
7) Crise hídrica: quem já era adulto em 2001/2002 deve se lembrar do impacto que teve a crise do apagão na popularidade de Fernando Henrique Cardoso, em seu segundo mandato, às vésperas de uma eleição. Se a situação se repetir, com a necessidade de racionamento de energia elétrica, os efeitos na popularidade do governo podem ser grandes.
* Pesquisa Estado de São Paulo – Situação Eleitoral para o Executivo Federal e Estadual e Legislativo Federal em 2022 e Avaliação das Administrações Federal e Estadual/ Junho 2021
** Pesquisa Estado do Rio de Janeiro – Situação Eleitoral para o Executivo Federal em 2022 e Avaliação da Administração Federal/ Junho 2021
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