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Foi em meados da década de 1970 que a cientista política alemã Elisabeth Noelle-Neumann (1916-2010) formulou a Teoria da Espiral do Silêncio, sobre a manipulação da opinião pública como uma forma de controle político.
A teoria foi exposta no já clássico ensaio "A espiral do silêncio – Opinião pública, nosso tecido social", publicado originalmente em 1977 e só recentemente traduzido no Brasil.
Em síntese, a autora afirma que, quando uma opinião é percebida (ou imposta) como majoritária, as pessoas que compartilham dessa opinião têm maior predisposição a se manifestar publicamente, enquanto aquelas que têm uma opinião percebida (ou imposta) como minoritária tendem, cada vez mais, a ficar caladas.
Essas pessoas fazem isso para se proteger e evitar conflitos de consequências potencialmente desagradáveis – mesmo que, na real, elas sejam maioria e, supostamente, tenham direito à liberdade de expressão.
Noelle-Neuman chegou a essas conclusões depois de fazer uma análise rigorosa das pesquisas eleitorais na Alemanha na década de 1970. Evidências mostravam, à época, que o medo do isolamento social era um fator que determinava fortemente as manifestações de opiniões políticas – e a eventual opção pelo silêncio.
Quanto menor o grupo que defende abertamente a opinião estigmatizada (por exemplo, sobre temas que viram tabus, como a eficácia absoluta da vacina, ou a segurança absoluta das urnas), maiores o risco e o ônus social de expressá-la.
O fato é que hoje o medo da exclusão – o medo do cancelamento nas redes sociais e fora delas, mas não apenas isso – também afeta concretamente o comportamento dos indivíduos. O silêncio resultante leva, por sua vez, ao enfraquecimento da opinião supostamente minoritária, realimentando o processo.
Os meios de comunicação continuam desempenhando um papel fundamental na consolidação dessa “espiral do silêncio”, uma vez que ainda modelam, em alguma medida, a opinião pública – embora em um grau muito menor que antes, em função das novas tecnologias e das redes sociais.
Juntamente com o medo, aumenta a aversão ao confronto, e se alimentam falsos consensos por meio da intimidação e do constrangimento. Assim se formam as maiorias silenciosas.
Pois bem, diante dos últimos acontecimentos, e considerando o peso crescente das redes sociais no debate político, é forçoso reconhecer que as questões investigadas no livro de Noelle-Neumann parecem mais atuais do que nunca.
Só que hoje, no Brasil, é ainda pior, já que as consequências de não se render às opiniões impostas pelo establishment podem ser muito mais graves do que eram na Alemanha de 40 anos atrás.
Em defesa da democracia se censuram jornalistas, parlamentares e até humoristas, cujas opiniões e piadas são apresentadas como ameaças ao Estado de Direito
Uma das consequências desse processo é que o objetivo dos políticos e da política se desloca das realizações concretas e do livre embate de ideias para a luta pelo controle da narrativa, controle que pode se dar pelo convencimento, pela cooptação e, em último caso, pela coerção policialesca.
Tudo indica que já estamos neste último estágio, no qual, em defesa da democracia, se censuram jornalistas, parlamentares e até humoristas, cujas opiniões e piadas são apresentadas como ameaças ao Estado de Direito.
Mas cabe a reflexão: criminalizar opiniões e piadas é sinal de força ou de fraqueza? E até quando vai funcionar o truque de invocar a defesa da democracia para destruir a liberdade de expressão - e de invocar o amor e a tolerância para disseminar o ódio e o ressentimento?
Porque hoje o medo não é só do isolamento social: é também de ter o passaporte cancelado, as contas bloqueadas (não somente as contas nas redes sociais, mas também as contas bancárias) e, eventualmente, acordar com policiais batendo na porta para cumprir uma ordem de busca e apreensão por causa de um “joinha” no grupo de amigos do WhatsApp.
Em um ambiente no qual dizer aquilo que se pensa se tornou um comportamento de risco – e no qual a liberdade de expressão é diariamente relativizada por quem deveria garanti-la – mais e mais pessoas, compreensivelmente, preferem se recolher e ficar caladas, simulando uma adequação ao seu entorno social (ou mesmo adotando uma conduta imitativa).
Como em uma ditadura, esmagado pela espiral do silêncio o cidadão comum percebe que já não pode mais expressar suas opiniões livremente, pois a diferença de pensamento é cada vez menos tolerada pela classe falante, detentora da verdade e do poder de vigiar e punir.
Desnecessário dizer, no Brasil essa classe falante domina já há muitas décadas o ambiente acadêmico e as redações de jornais: recuperado o poder político, tudo indica que ela se empenhará cada vez mais em impor seu o ponto de vista e calar a voz de seus adversários.
Optar pelo silêncio nem sempre é uma escolha consciente, uma vez que elementos irracionais e emocionais também desempenham seu papel. Ainda mais em um cenário no qual as garantias individuais não estão assim tão garantidas...
Mas revolta silenciosa é diferente de sujeição deliberada, e medo é diferente de resignação e consentimento. Quanto mais a narrativa se descolar da realidade, mais abusos serão necessários para mantê-la. É um caminho ruim. O que acontecerá se a revolta aumentar e sair do controle, a depender do desenrolar dos acontecimentos?
Entender esse processo é fundamental para lidar de forma consciente e responsável com as pressões a que todos os brasileiros serão submetidos nos próximos anos – especialmente se as coisas começarem a dar errado, e talvez antes do que se imagina.