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Luciano Trigo

Luciano Trigo

Crise da mídia

A irresponsabilidade do jornalismo

(Foto: Reprodução Instagram)

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“A crise de confiança por que passa o jornalismo profissional é global.” Assim começa o editorial “A responsabilidade do jornalismo”, publicado ontem no Estadão.

O texto cita uma pesquisa recente, realizada pelo Pew Research Center, que teria revelado “dados alarmantes” e “chocantes” – como a perda de credibilidade dos meios de comunicação ditos tradicionais: “Apenas 15% dos americanos adultos disseram acreditar ‘muito’ que os veículos jornalísticos nacionais publicam notícias de forma justa e precisa”. Um índice sofrível – e inédito na História.

Quem poderia imaginar?

“Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito”, escreveu Georges Ripert, jurista francês. O mesmo se aplica ao jornalismo: quando a grande mídia ignora a realidade, a sociedade se vinga, ignorando a grande mídia.

Na verdade, os dados da pesquisa citada no editorial do Estadão não são alarmantes nem chocantes. É preciso ser muito bobinho para ficar surpreso. O colapso da credibilidade da grande mídia, nos Estados Unidos como no Brasil, é tão evidente que dispensa pesquisas.

É isso que acontece quando meios de comunicação abrem mão de seu papel e jogam na lata de lixo seu principal patrimônio – a credibilidade – para aderir abertamente, sem qualquer constrangimento ou disfarce, a uma agenda ideológica, política e partidária que desagrada metade da população. A curto prazo pode compensar. No longo prazo, é um suicídio. É muita irresponsabilidade.

É importante ressaltar que a outra metade tampouco confia na mídia, ao contrário: por enxergar os jornalistas como serviçais invertebrados e subservientes, cuja função não é apurar e relatar fatos, mas produzir narrativas a favor de um projeto de poder, a metade supostamente beneficiada está pronta a esculachar os meios de comunicação e profissionais da imprensa sempre que eles ousarem não se comportar como mera assessoria de comunicação, órgão oficial ou agência de marketing político.

(É o que está acontecendo, por exemplo, na cobertura da guerra provocada pelo selvagem atentado terrorista perpetrado pelo Hamas contra Israel. Quem não adere, aberta ou veladamente, à causa palestina é imediatamente desqualificado como agente do imperialismo genocida. É preciso, no mínimo, estabelecer uma falsa equivalência moral entre uma ditadura teocrática que estupra e corta cabeças e uma democracia que reage e se defende da ameaça de extermínio – objetivo explícito de seus inimigos. Mas é claro que, no fundo, todo mundo sabe de que lado está quem adere à narrativa da equivalência.)

A popularidade persistente de Trump é um sinal evidente de que pelo menos metade da população americana não acredita na mídia. A outra metade também não acredita

Voltando ao editorial do Estadão, ele acerta em parte quando diz que, no caso americano, “é um erro atribuir o declínio da confiança nos meios de comunicação aos ataques desferidos por Trump contra os jornalistas e contra os fatos. Antes, a ascensão política de uma liderança disruptiva como o ex-presidente americano é um sintoma, não causa, desse processo de erosão do reconhecimento da verdade factual sobre a qual o jornalismo profissional, para defender sua própria razão de ser, não pode se eximir de responsabilidade”.

Ora, desde que perdeu uma eleição que, no íntimo, muita gente considera suspeitíssima, Donald Trump vem sendo objeto de uma campanha sistemática de desmoralização por parte da grande mídia americana (a exemplo, aliás, do que acontece no Brasil, onde um ex-presidente é alvo de uma campanha sistemática de desmoralização na mídia e onde muita gente, no íntimo... Deixa pra lá).

A consequência: a popularidade de Trump não para de aumentar. Sinal evidente de que pelo menos metade da população americana já deixou de acreditar na grande mídia (de novo, a outra metade também não acredita, mas nem precisa: o papel de um chefe não é acreditar em um subordinado, basta que o subordinado trabalhe a seu favor; nos tempos do comunismo soviético, o papel do jornalista do Pravda não era relatar a verdade, mas agradar aos dirigentes do partido – ironicamente, “Pravda” é “verdade” em russo.)

Talvez os americanos tenham simplesmente entendido que o “processo de erosão do reconhecimento da verdade factual” é apenas uma forma pomposa de descrever a prática, recorrente na grande mídia, de relativizar a verdade – no popular, contar mentiras – com propósitos políticos.

Isso também se dá, é claro, pela manipulação da linguagem, que às vezes beira o ridículo: no governo passado, vale lembrar, a economia não melhorava, ela “despiorava”, e qualquer boa notícia era seguida por um “mas”, ou mesmo antecedida por um “infelizmente”. Hoje, em contrapartida, são as notícias ruins que vêm seguidas por um "mas".

O editorial continua:

“Cada vez mais pessoas têm procurado consumir apenas as ‘notícias’ que vêm de fontes que confirmam suas crenças e vieses político-ideológicos, proporcionando-lhes o conforto emocional que só informações tendenciosas podem dar.”

Será mesmo? Ou será que os leitores perceberam que hoje são justamente as fontes tradicionais as mais tendenciosas, as mais enviesadas política e ideologicamente?

Basta pensar na quantidade de temas que a grande mídia deliberadamente ignora – como as revelações, estas sim chocantes e alarmantes, da CPI das ONGs, para citar só um exemplo – para entender por que as pessoas, cada vez mais, vão buscar informações em outros lugares, em fontes alternativas.  

O jornalismo profissional ainda está vivo, sim, mas respira por aparelhos e prova disso é a deterioração acelerada da sua credibilidade, registrada em diversas pesquisas

“Os veículos de imprensa, por sua vez, não raro têm cometido o erro de confundir aumento da presença no universo digital com a genuflexão à lógica das redes sociais, espaço em que as emoções e as percepções pessoais da realidade valem muito mais do que os fatos.”

Este é um ponto importante, sobre o qual alertei já há vários anos: em algum momento, o jornalismo se viu diante de uma encruzilhada: apostar na qualidade, se diferenciando cada vez mais das redes sociais, ou, ao contrário, emular as redes sociais no que elas têm de pior. Escolheram ficar a reboque da selvageria das redes. Tomaram a decisão errada.

“Os desafios são imensos, é claro, sobretudo a partir da massificação das redes sociais digitais, graças às quais os meios de comunicação ditos tradicionais deixaram de ser os únicos mediadores do debate público. Seja por desconhecimento dos rigores da profissão, seja por má-fé, não faltaram vozes nos últimos anos a pontificar que, da noite para o dia, qualquer indivíduo com um smartphone na mão virou jornalista.

Ao contrário! Foram os meios de comunicação que, sem qualquer rigor e da noite para o dia, expeliram profissionais sérios e transformaram em jornalistas “influenciadores” com um smartphone na mão – ou, pior ainda, reconheceram como intelectuais relevantes e formadores de opinião cantoras de funk e youtubers que até outro dia eram mais conhecidos por imitar focas.

O jornalismo profissional ainda está vivo, sim, como diz o editorial. Mas respira por aparelhos, e prova disso é a deterioração acelerada da sua credibilidade, registrada em diversas pesquisas. A do Pew Research Center é apenas a mais recente.

O editorial do Estadão conclui reconhecendo que “o jornalismo profissional tem o dever de olhar para dentro, refletir sobre seus erros e tratar de corrigi-los o mais rápido possível. Disso depende a solidez da democracia nas sociedades livres, como a brasileira. Nada menos”.

Bravo! Mas convém ter pressa na correção desses erros. Até porque a sociedade brasileira já não é tão livre: em democracias relativas, as liberdades também são relativas – começando pela liberdade de expressão, sem a qual não existe verdadeiro jornalismo, responsável ou não.

Que o digam jornalistas que, ainda hoje, estão respondendo a processos, exilados e/ou impedidos de exercer seu ofício, pelo crime de dar opiniões – fato inédito com o qual a grande mídia convive sem manifestar qualquer incômodo.

Talvez porque, como disse, na campanha de 2022, uma ministra do STF, “não se pode permitir a volta da censura sob qualquer argumento no Brasil”. De jeito nenhum! Exceto naqueles casos, excepcionalíssimos, em que aparentemente se pode sim.

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