| Foto: Reprodução Instagram
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Um livro importante acaba de chegar às livrarias: “O corredor estreito – Estados, sociedades e o destino da liberdade”, dos economistas Daron Acemoglu e James A.Robinson – os mesmos autores de “Por que as nações fracassam”.  Trata-se de uma leitura obrigatória em um momento no qual as liberdades individuais se encontram sob ataque cerrado – inclusive por parte daqueles atores sociais que mais deveriam defendê-las, como magistrados e jornalistas.

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De forma original e bem fundamentada, o livro investiga as diferentes relações que se podem estabelecer entre a sociedade e o Estado a partir de um critério elementar: a liberdade (ou sua ausência). Em outras palavras, os autores resgatam a necessária centralidade da liberdade no debate político – que hoje estaria desproporcionalmente focado na ideia da igualdade, também fundamental, mas sujeita a variadas distorções e manipulações, que costumam mascarar a luta por um poder autoritário e hegemônico.

“A liberdade é rara: no jogo de poder que a estabelece, a vontade individual encontra seu limite no outro, e os dois lados precisam ter forças equivalentes para que floresça”, escrevem os autores. “Há, porém, exemplos na História em que a tensão dá espaço ao diálogo, e o que antes era um campo de batalha se torna um corredor estreito que tanto a sociedade quanto o Estado podem trilhar em sua cooperação para pavimentá-lo”. Mas, quando se abre mão da liberdade, esse corredor estreito se transforma rapidamente em um atalho para a ruína.

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O ponto de partida da investigação elaborada em “O corredor estreito” é o “Leviatã” de Thomas Hobbes, um dos alicerces do moderno pensamento político. Escrita em um período conturbado – a primeira metade do século 17, quando a Inglaterra foi assolada por sangrentas batalhas políticas, culturais e religiosas – a obra afirma a necessidade de um pacto social que conceda proteções e garantias ao indivíduo, em troca do reconhecimento consensual da autoridade e da legitimidade do Estado.

Inspirado em um monstro bíblico, o Leviatã seria esse Estado forte, ao qual o indivíduo se submete voluntariamente para evitar as agruras do estado de natureza, anterior ao Estado, sem autoridade nem ordem, no qual a vida costumava ser solitária, miserável, infeliz, sórdida, embrutecida e curta. O estado de natureza é a quando guerra de todos contra todos, marcada pelo mais intenso sentimento humano: o medo constante de uma morte violenta.

“O poder sem freios do Estado, que pode controlar o comportamento dos indivíduos no intuito de conter a disseminação de um vírus, também é capaz de controlá-los em casos de dissidência, aprisioná-los, oprimi-los e até mesmo matá-los”

Desde que limitado à missão de conter a violência, garantir o cumprimento de contratos, impor a ordem, fomentar a prosperidade econômica e a igualdade de direitos, o Estado tem um papel fundamental. Mas, da mesma forma que precisa existir um equilíbrio entre a busca da liberdade e a busca da igualdade, precisa existir também um equilíbrio entre o Estado e a vontade individual: se a sociedade, composta pelo conjunto dessas vontades individuais, não tiver o direito de discordar e contestar, se não tiver os meios para controlar e limitar os excessos do poder estatal, a democracia irá para as cucuias.

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“O poder sem freios do Estado, que pode controlar o comportamento dos indivíduos no intuito de conter a disseminação de um vírus, também é capaz de controlá-los em casos de dissidência, aprisioná-los, oprimi-los e até mesmo matá-los”, escrevem Acemoglu e Robinson, citando a China como exemplo de um Leviatã despótico (a primeira frase de “O corredor estreito” é “Se você estiver lendo este livro na China, provavelmente há um drone pairando em frente à sua janela”).

Mas, guardadas as proporções, processo semelhante já está acontecendo no Brasil, onde o Judiciário tem partido – e intimida, persegue e prende adversários por crimes de opinião. Pior ainda: em vez de se contrapor a esses excessos perigosos, a própria sociedade, por meio da ação de guerrilhas de militância virtual nas redes sociais, apoia o Leviatã autoritário, constrangendo qualquer forma de dissidência e praticando a censura e o constrangimento – sempre em nome da defesa da democracia.

Tudo isso mostra que o equilíbrio entre indivíduo e Estado é necessariamente dinâmico e bastante precário – e precisa ser perseguido cotidianamente. Sem pesos e contrapesos que limitem a ação do Estado, o Leviatã tende a esmagar e devorar o indivíduo.

Tanto quanto a constatação prática de que Estados fortes e autoritários, com economias planejadas e centralizadas, simplesmente não funcionam, resultando inevitavelmente em miséria e sofrimento em escala industrial (basta olhar para a situação dos países da América Latina que teimam em seguir essa via), a consciência desse risco de supressão das liberdades individuais é um dos motores do pensamento liberal.

Essa consciência precisa ser disseminada. Como concluem os autores de “O corredor estreito”, “sem uma sociedade vigilante, Constituições e garantias não valem muito mais do que o papel no qual estão escritas”. Não é só no estado de natureza, como acreditava Hobbes: a vida sob o jugo de um Estado forte também pode ser sórdida, solitária, miserável, embrutecida e curta.

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