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Na semana passada, Donald Trump se apresentou à Justiça no condado de Fulton, na Geórgia, onde foi fichado e precisou pagar uma vultosa fiança para não ficar preso. Isso por conta de um inquérito que tenta implicá-lo em uma suposta organização criminosa que contestou o resultado das eleições de 2020. Contestar o resultado de uma eleição, como se sabe, não é permitido na nova democracia.
Ao todo, Trump é acusado de 91 crimes, em quatro processos – dois na esfera federal e dois na esfera estadual, um deles na Geórgia. Mas, mesmo com o assumido empenho do consórcio que une a grande mídia e a Justiça dos Estados Unidos em destruí-lo e impedir o seu retorno à Casa Branca (pois, no fundo, é disso que se trata), sua popularidade não cai.
Ao contrário: Trump continua favorito absoluto à indicação, pelo Partido Republicano, como candidato à eleição presidencial do ano que vem, em novembro de 2024, bem à frente de seus colegas Ron DeSantis, governador da Flórida, e do empresário Vivek Ramaswamy – este um filho de imigrantes indianos. Trump também continua na frente de Joe Biden na preferência do eleitorado, segundo a maioria das pesquisas de intenção de voto.
Não é preciso ser um especialista em ciência política para entender que, na percepção de boa parte da sociedade americana, Trump está sendo vítima de uma perseguição – e que isto está se voltando a seu favor. Esta é a primeira lição a tirar, pelo paralelo evidente com a situação brasileira. Mesmo aqueles que estão do lado de quem persegue deveriam parar e refletir sobre o que estão fazendo, porque as consequências podem não ser as planejadas.
Sinal desse fenômeno é que o próprio Trump postou orgulhosamente no Twitter a sua mug shot – a foto que tiraram na delegacia em Fulton – como uma ferramenta de campanha, com o slogan “Never surrender” (“Nunca se renda”). No momento em que escrevo, a postagem já tem mais de 1,6 milhão de curtidas e mais de 100 milhões de visualizações no Twitter. A imagem virou até estampa de camiseta, e depois do episódio da prisão a campanha do ex-presidente arrecadou 7,1 milhões de dólares nos últimos dias.
Trump escreveu, em um comunicado no seu site: “O povo americano sabe o que está acontecendo. O que aconteceu é uma caricatura de justiça e INTERFERÊNCIA ELEITORAL. A esquerda quer intimidar VOCÊ para que não vote em um político outsider que coloca o povo americano em PRIMEIRO LUGAR. Mas hoje entrei na cova dos leões com uma mensagem simples em nome de todo o nosso movimento: NUNCA ME RENDEREI NA NOSSA MISSÃO DE SALVAR A AMÉRICA”.
O comunicado termina com um apelo aos eleitores americanos para darem um fim, na próxima eleição, ao governo Joe Biden, encerrando “este capítulo sombrio da História da nossa nação”.
Fato é que, na percepção de muitos desses eleitores, a eleição presidencial de 2020 foi fraudada, e não há consórcio que mude esta percepção. Ora, é isso que acontece quando o cidadão comum deixa de acreditar na imparcialidade de instituições que deveriam ser neutras.
Muito se fala em defesa da democracia, mas em qualquer democracia digna do nome a isenção deveria ser o principal dever da Justiça e o maior capital da mídia. Aliás, em um e outro caso, não basta ser: é preciso também parecer, como no ditado sobre a mulher de César.
Acreditava-se que, depois do episódio da invasão do Capitólio, a carreira política de Trump estava encerrada, e que o Partido Republicano seguiria uma via mais moderada. Está acontecendo exatamente o contrário. Não é difícil entender por quê.
A perseguição é politicamente positiva não somente para Donald Trump, mas também para qualquer político que, aos olhos da sociedade, seja um alvo do sistema
Se, na percepção do cidadão americano comum, tanto a Justiça quanto a grande mídia abriram mão da isenção e aderiram abertamente a um lado em detrimento de outro, por que este cidadão deveria acreditar no que afirmam a grande mídia e a Justiça?
Este cidadão pode até não manifestar sua opinião, por medo de represálias legais ou sociais, por receio de perseguição judicial ou cancelamento. Porque, como todo mundo sabe, na nova democracia é crime votar no candidato errado.
Mas o pensamento e o voto ainda são livres. Muitos eleitores ficam calados mas, no íntimo, continuam acreditando que a eleição de 2020 foi fraudada, que Biden não é um presidente legítimo, e que Trump defende e representa melhor os interesses da América. Qualquer sinal de perseguição só fará reforçar essas convicções.
A conclusão necessária é que a perseguição é politicamente positiva não somente para Trump, mas também para qualquer político que, aos olhos da sociedade, seja um alvo do sistema. Por paradoxal que pareça, cada denúncia, cada indiciamento, cada artigo, cada reportagem publicada contra ele apenas reforça a narrativa e a crença de que Trump é um homem inocente perseguido pelo sistema.
O problema não termina aí. Por declarada que seja a intenção de acelerar o julgamento dos processos que correm contra Trump, com o objetivo de condená-lo antes da eleição de 2024, não é certo que isso vá acontecer. Além disso, pela legislação americana, mesmo que seja condenado Trump poderá concorrer. Ou seja, não será uma eventual condenação que o tirará da disputa – a não ser, é claro, que ele caia muito nas pesquisas, o que neste momento não parece provável.
Outro fator preocupante para o Partido Democrata é que Biden, o atual presidente e candidato à reeleição, está com 80 anos. Se na campanha de 2020 ele já dava sinais de senilidade, na campanha de 2024 isso só tende a piorar, e preocupações com sua saúde física e mental podem afugentar muitos eleitores.
Ocorre que a vice-presidente Kamala Harris – e isto, para mim, foi realmente uma surpresa – definhou politicamente desde a eleição de 2020, é hoje extremamente impopular e não teria a menor chance de vencer se fosse a candidata Democrata em 2024 – o que se imaginava que aconteceria, em 2020. Outra lição a tirar daí é que não se pode prever tudo, já que o tempo mostra, invariavelmente, que muitas previsões que pareciam óbvias falham de forma miserável.
Não há alternativas viáveis no Partido Democrata para 2024, portanto. Diferentemente do que aconteceu no Partido Republicano – no qual DeSantis e Ramaswamy despontam como lideranças com grande potencial eleitoral – entre os democratas não surgiram líderes jovens e populares em nível nacional. É claro que o antitrumpismo de uma grande parcela da sociedade americana também é forte, mas ele é hoje o único trunfo do atual presidente.