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Os leitores com mais de 40 anos seguramente reconhecerão os personagens da foto: o sr. Roarke e seu pequeno assistente, Tatoo, protagonistas da série “Ilha da Fantasia”, exibida no na televisão brasileira nos anos 80. Como o nome indica, o cenário da série era uma ilha paradisíaca, onde os visitantes poderiam realizar todos os seus sonhos. Na Ilha da Fantasia, desejos se tornavam direitos, que cabia a outros realizar e garantir.
Correndo o risco de enveredar por uma psicologia de botequim, acho que a Ilha da Fantasia diz muito sobre a persistente popularidade do ideário da esquerda (hoje mais conhecida como “campo progressista”), sobretudo nas novas gerações. Hoje os jovens recebem de forma sistemática a mensagem de que existirá um lugar, ou melhor, um tempo, no qual bastará desejar uma coisa para que ela aconteça.
E nem precisa pagar ingresso para garantir uma vaga nessa ilha: basta postar exaustivamente textões lacradores e frases feitas nas redes sociais e apontar o dedo para os fascistas imaginários para ter direito a uma suíte. E o melhor é que, enquanto esse futuro não chega, você não precisa fazer mais nada: pode até posar de vítima e capitalizar seus erros, já que a culpa dos seus fracassos sempre será dos outros.
A narrativa progressista está associada ao reino da fantasia, que é muito mais fácil, excitante e sedutor que o mundo real, que prevalece na narrativa da direita – mundo que se mostra frequentemente chato, exigente, sem graça e mesmo difícil de suportar. A narrativa racional e realista da direita está sempre nos lembrando de coisas desagradáveis, como o fato de que não existe almoço grátis, ou de que dinheiro não dá em árvore.
Na Ilha da Realidade da direita, os indivíduos são desigualmente dotados em competências, predisposições e talentos, independentemente do contexto em que nasceram. Pior, nessa ilha se exige o reconhecimento de uma série de deveres, começando pelo dever de pagar as próprias contas, em vez de esperar que os pais ou o Estado-babá as pague no meu lugar.
A realidade impõe aos adultos responsabilidades, renúncias, sacrifícios e decisões difíceis, mas hoje muita gente padece da “síndrome de Peter Pan”, isto é, da recusa (deliberada ou inconsciente, ingênua ou oportunista) a crescer e amadurecer, a lidar com os ônus e os bônus da vida adulta.
O mundo se divide assim entre o princípio do prazer e o princípio da realidade, com a esquerda se associando ao primeiro, e a direita ao segundo. Nessa divisão simbólica de papéis, correspondem à direita a gestão da realidade e a busca da eficiência, cabendo à esquerda o monopólio do sonho e da fantasia – e dos valores “do bem” a ele associados. Sem uma formação sólida em termos de valores morais e sem uma educação de qualidade, é até compreensível que os jovens optem pelo caminho mais fácil.
É por isso que se tornou comum na nossa sociedade a adolescência ser esticada até os 40 anos ou mais: as pessoas estão cada vez menos dispostas a enfrentar e assumir deveres: elas preferem viver no universo paralelo do seu grupo nas redes sociais, ou no cercadinho ideológico dentro do qual basta repetir o discurso politicamente correto que se espera para um jovem ser socialmente aceito e acreditar que está fazendo algo relevante ou cumprindo seu papel no mundo.
Ora, é muito fácil aderir a uma narrativa que garante uma consciência limpinha, a aprovação social no gueto em que se escolheu viver e, principalmente, a convicção de estar do lado certo – já que o mundo, como esses jovens aprendem nas salas de aula da escola com partido, se divide sem nuances entre o bem e o mal, entre virtuosos e fascistas que merecem ser cancelados e esfolados em praça pública.
Na Ilha da Realidade da direita, os indivíduos são desigualmente dotados em predisposições e talentos. Pior, exige-se de todos o reconhecimento de uma série de deveres, começando pelo dever de pagar as próprias contas, em vez de esperar que os pais ou o Estado-babá as pague no meu lugar
É muito cômodo ter uma estrutura socioeconômica perversa e uma elite opressora a quem responsabilizar e diante das quais se colocar na posição de vítima ressentida, que tem o direito de capitalizar as próprias fraquezas, transformando-as em méritos e pretextos para obter privilégios. Porque a verdade é que hoje se capitaliza o papel de vítima da mesma forma que certos idealistas lucram com seu ideal, como disse Millôr Fernandes.
É muito agradável acreditar que a minha felicidade é uma obrigação do Estado, que os “outros” têm sempre uma dívida a saldar comigo e que, por isso, estou autorizado a passar o resto da vida esfregando na cara das pessoas minha carteirinha de vítima para cobrar delas a fatura da minha infelicidade. Porque hoje basta ter essa carteirinha para se sentir moralmente superior a quem rala para pagar seus boletos e ter uma vida digna, mas não se enquadra em nenhuma figurino progressista.
Em suma, a narrativa da esquerda oferece uma compensação emocional acessível e muito barata para todos aqueles com pouca disposição para lutar para conquistar as coisas pelo caminho do esforço e do mérito – que, aliás, virou uma palavra politicamente incorreta. Essa narrativa oferece um sentido e uma justificativa para muitas vidas desperdiçadas e inúteis: meus problemas são sempre culpa do outro, do contexto social, do governo, do Estado.
É a revolução das vítimas – aliás, título de um livro de Bruce Bawer recomendado anos atrás pelo Rodrigo Constantino. Nunca o vitimismo rendeu tanto, nunca as vítimas tiveram tanto poder: hoje são elas que oprimem, perseguem e excluem seus supostos opressores. O culto à vitimização transforma indivíduos frustrados e fracassados em heróis da resistência coletiva. Não é pouco.
A consequência é a consolidação de uma verdadeira ditadura das minorias sobre a maioria – que, por oportunismo ou consciência pesada, estão se ajoelhando no milho e pagando pedágio para os ditadores. Mas não se iludam: no momento oportuno, mesmo quem cede, se cala ou se omite também será perseguido e cancelado.
Em uma perversão das regras da democracia, reivindicações de grupos específicos prevalecem sobre a igualdade de direitos garantida pela Constituição: direitos que deveriam ser de todos sem distinção estão sendo frequentemente sacrificados no altar do politicamente correto, com dreitos diferentes para grupos diferentes.
Todos os 136 episódios da série “Ilha da Fantasia” repetiam o mesmo padrão: no final os visitantes descobriam que no fundo estavam desejando as coisas erradas. Se isso gerava alguma frustração, ao menos lhes ensinava uma lição. Na vida real, infelizmente, a ilha da fantasia progressista só existe no discurso e na cabeça das pessoas: elas jamais chegarão lá e, portanto, jamais reconhecerão que estavam erradas e não aprenderão lição alguma: passarão a vida inteira iludidas e movidas pelas mentiras que lhes ensinaram.
PS: Na eleição de domingo passado, a cidade de Bauru elegeu sua primeira prefeita mulher, a jovem jornalista Suéllem Rosim, aliás afrodescendente – o que justificaria uma dupla comemoração por parte de todos aqueles que afirmam defender a bandeira legítima da maior participação de mulheres e negros na política.
Mas dificilmente você terá ouvido falar de Suéllem: pouco ou nenhum destaque foi dado pela grande mídia à candidata vitoriosa. Por quê? Porque Suéllem é evangélica e conservadora e integra um partido de direita, o Patriotas. Ou seja, sua vitória não pode ser capitalizada pela militância dita progressista que domina as redações.
Se Suéllem fosse do PT, do PSOL ou do PCdoB, certamente o tratamento da mídia teria sido bem diferente. Ao que parece, o engajamento de jornalistas e comentaristas na luta por maior participação das minorias na política só vale para quem apresentar atestado de fidelidade ideológica à esquerda.