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Vivemos em uma época na qual uma mulher que superou uma história terrível de abusos, recém-eleita senadora, denuncia crimes de pedofilia e, ato contínuo, é perseguida e esfolada por intelectuais e artistas que pedem a sua cassação e até prisão, nas redes sociais.
O escândalo dessas “pessoas do bem” não é com a exploração sexual abjeta de crianças no norte do país, uma tragédia de partir o coração, já fartamente documentada em inquéritos policiais e reportagens nos grandes meios de comunicação: elas ficaram revoltadas com a denúncia feita pela senadora.
É como se dissessem: “As crianças que se danem. Como ela ousa denunciar isso? Damares tem que ser presa!”
No mesmo dia – aliás, no Dia das Crianças – um ator acusado de armazenamento de pornografia infantil foi solto. Normal.
No Brasil de hoje, dependendo de que lado estão o denunciante e o denunciado – nós ou eles? – denunciar pedofilia pode colar no seu peito um alvo. Formadores de opinião que nunca se manifestaram sobre o tema virão babando pra cima de você, loucos para colocar em prática o ódio e a censura do bem disfarçados de virtude. É um vício pior que crack.
Isso está acontecendo com uma senadora eleita. Imagine o que pode acontecer com um cidadão comum, quando essa mentalidade e essa atitude se espalham pela sociedade.
Em tempos assim, é preciso dizer coisas óbvias, e a coisa óbvia que vou dizer aqui é a seguinte: a criminalidade e a violência afetam diretamente a vida cotidiana de todos os brasileiros.
Todos têm medo de serem assaltados no carro ou no transporte público depois de um dia de trabalho, todos se preocupam quando suas filhas demoram para chegar em casa, todos adaptam em alguma medida o seu cotidiano à percepção de insegurança nas ruas e até dentro de casa.
Todos, enfim, vivem preocupados em não entrar para a estatística de mortes violentas no país – que ainda é altíssima. Mas já foi muito pior, como mostram os dois gráficos abaixo, publicados na página “O Economista Visual”, no Instagram.
Eles consolidam dados oficiais sobre as séries históricas de “Taxa de assassinatos no Brasil (Mortes violentas intencionais para cada 100.000 habitantes)” e “Apreensão de cocaína no Brasil (Toneladas apreendidas por ano)” nos últimos governos. Os números falam por si.
A correlação entre os dois gráficos parece evidente: maior eficácia no combate ao tráfico, menos mortes violentas. Convém lembrar que cada um dos assassinatos que deixaram de acontecer poderia ter vitimado um amigo, parente ou conhecido do leitor, ou ele próprio.
Em qualquer país do mundo, os números acima seriam festejados como motivo de orgulho. No Brasil, a grande mídia finge que eles não existem, e os formadores de opinião se calam sobre os crimes praticados pelo tráfico (mas partem para cima de quem deniuncia pedofilia).
Porque o que importa não é a realidade, é a narrativa que estabelece por decreto que o governo genocida está matando pobres e minorias. Bom mesmo era o tempo em que o Brasil quebrava um novo recorde de mortes violentas a cada ano. O amor reinava, e todo mundo era feliz.
Na vida real, fora das redes sociais e do cercadinho ideológico da lacração, o medo da violência afeta especialmente os mais pobres. Gente honesta, decente e trabalhadora que acorda cedo para ir trabalhar ou estudar, resistindo diariamente à pressão para seguir o caminho errado.
Esse medo afeta mais ainda as pessoas que vivem em comunidades dominadas por facções criminosas associadas ao tráfico de drogas, verdadeiros Estados paralelos com leis particulares, que incluem a pena de morte. São regiões às quais nem a polícia tem acesso, e onde o cidadão comum não tem a quem recorrer – diferentemente dos consumidores de cocaína protegidos em seus condomínios nos bairros ricos da Zona Sul da cidade.
Bom mesmo era o tempo em que o Brasil quebrava um novo recorde de mortes violentas a cada ano. O amor reinava, e todo mundo era feliz.
No Rio de Janeiro, dominado pela facção Comando Vermelho, o Complexo do Alemão é um conjunto de comunidades com população semelhante àquela de um pequeno município. É uma das áreas mais violentas da cidade. Até ontem, a reportagem da Gazeta do Povo mais recente sobre o Alemão era de julho passado. Ela mostra bem o que acontece lá:
Durante a operação policial desta quinta-feira no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro, lideranças do narcotráfico ligadas ao Comando Vermelho convocaram moradores para fazer uma mobilização com centenas de motocicletas na área em que estavam ocorrendo os confrontos armados a fim de desmobilizar as ações policiais e facilitar a fuga dos criminosos.
A convocação ocorreu principalmente por meio de grupos em aplicativos de mensagens e pelas redes sociais, mas conforme apuração da reportagem, alguns moradores foram abordados pessoalmente sob ameaças para participarem dos atos.
Para resistir à ação policial, criminosos chegaram a usar metralhadora ponto 50 (armamento com capacidade para perfurar blindagens, frequentemente utilizado para neutralizar aviões), lançaram granadas contra os policiais, jogaram óleo nas vias e usaram dezenas de barricadas para impedir o avanço dos blindados. Os traficantes também lançaram mão de rajadas de metralhadoras a esmo em meio a conjuntos residenciais, colocando em risco moradores dentro de suas casas.
À Gazeta do Povo, o delegado Fabrício Pereira, coordenador da Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (Core/PCERJ), afirmou que os motociclistas se deslocaram de outras favelas por ordem do tráfico. Segundo o delegado, a convocação de moradores para tais atos é comum em operações policiais nas comunidades dominadas pelo crime organizado.
“É uma parcela da população que mora na favela que é utilizada como massa de manobra pra fazer esses protestos. Quando está havendo confronto e a polícia está numa extremidade de uma rua e os criminosos na outra, por exemplo, essas pessoas entram de moto em meio ao confronto. Eles se colocam em risco, mas sabem que a polícia não vai atirar. E nessa confusão o criminoso se mistura com o motociclista, esconde a arma e foge”, diz o coordenador da Core.
O delegado explica que, no ato desta quinta-feira, parte do grupo era composto por mototaxistas que trabalham em áreas dominadas pelo crime organizado e precisam ter autorização das facções para trabalhar. “Uma parte é compelida porque se ele não se colocar em posição de ajudar ele pode perder o emprego ou pode até ser morto”, afirma.
Sobre as mobilizações, a PM carioca informou que “lançar jovens armados em confronto com a Polícia e utilizar públicos não armados para desviar a atenção das operações são estratégias dos líderes do tráfico desta facção para garantirem sua fuga”. A corporação informou que o chamamento ocorreu no momento em que duas lideranças influentes do crime no Complexo do Alemão estavam feridas e/ou encurraladas.
É razoável acreditar que, nessas comunidades dominadas pelo tráfico, as pessoas são livres para manifestar sua preferência e votar em quem quiserem? Ou terão que obedecer a ordem do dono da boca?
Importante ressaltar que, em sua imensa maioria, os moradores do Complexo do Alemão não têm culpa nenhuma disso tudo: eles são vítimas do jugo dos traficantes e da omissão do Estado no cumprimento da lei, uma tragédia que se perpetua governo após governo.
Mas os números indicam que a situação já foi bem pior, tanto no eficácia do combate ao tráfico quanto no numero de assassinatos por ano. Esses números podem voltar a piorar muito rapidamente.
É óbvio, também, que a desigualdade social extrema cria ambientes favoráveis ao aumento da criminalidade. Mas, diferentemente do que sugere um preconceito muito disseminado pela esquerda, o crime não é um destino: ele será sempre uma escolha, tanto que nem toda pessoa pobre ou miserável vira uma criminosa: a imensa maioria não vira.
Criminalidade se combate com políticas públicas eficazes, com inteligência e planejamento, com o trabalho coordenado das forças de segurança, com o respeito à lei e sem abusos nem excessos. Mas não apenas dessa maneira.
Importantíssima também é a mensagem que o governo passa à sociedade, nos exemplos e nas palavras. A sinalização precisa ser clara, porque uma mensagem dúbia ou complacente pode fazer a diferença entre um jovem de comunidade resistir ou não ao apelo do tráfico, ou entre uma família de classe média ser ou não destruída pelo vício do filho adolescente.
Em meio à campanha eleitoral mais suja e desigual de todos os tempos, hoje circulam duas mensagens, e o eleitor terá que escolher com qual ele mais se identifica: a primeira é a de que os bandidos são vítimas da sociedade, e o trabalhador deve achar normal ter seu celular roubado. A segunda mensagem diz que a vítima do roubo não é o bandido, é o trabalhador assaltado, e que o bandido é responsável por suas escolhas e pelos seus atos.
As consequências de qual mensagem irá triunfar só virão depois.
Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima