| Foto: Reprodução Instagram
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O mercado de carbono vem sendo vendido como a panaceia que vai salvar o planeta, mas aos poucos as pessoas vão entendendo que não é bem assim – inclusive na esquerda. No Brasil a desinformação ainda é grande, mas em outros países está caindo a ficha de que a narrativa do bom-mocismo ambiental camufla práticas e interesses nada bonitos.

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Até mesmo movimentos ligados ao verdadeiro ambientalismo estão se mobilizando para denunciar o que está por trás dessa agenda. O caso mais recente foi uma investigação sobre o “Projeto de Carbono das Pastagens do Norte do Quênia” (NKRCP, na sigla em inglês), apresentado pelo conglomerado Northern Rangelands Trust (NRT) como “o maior projeto mundial de eliminação de carbono até aqui”.

Segundo a empresa de certificação de créditos Verra – mas quem certifica as empresas de certificação? – o NKRCP "vai eliminar 600 mil toneladas de gases com efeito estufa por ano" em uma área de 2 milhões de hectares do país da África Oriental. Ocorre que o projeto elimina práticas tradicionais de pastoreio das comunidades locais, supostamente por degradarem a terra – e pode deslocar, na marra, milhares de pessoas que ocupavam ancestralmente a região.

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O projeto envolve 4,5 milhões de créditos de carbono, que correspondem a 21 milhões de dólares. Como funciona: ao comprarem esses créditos, o que empresas e governos de países ricos estão efetivamente comprando é o direito de continuar poluindo – à custa da estagnação do desenvolvimento e, na prática, da abdicação o controle territorial dos países pobres.

Em vez de reduzir suas próprias emissões, os países ricos usam o mercado de carbono como “greenwashing” - sempre à custa dos outros. Não é difícil entender onde o Brasil se encaixa nesse modelo.

No projeto em questão, segundo o relatório da agência não-governamental Survival International intitulado “Blood Carbon - Blood Carbon: how a carbon offset scheme makes millions from Indigenous land in Northern Kenya” (“Carbono de sangue: Como um esquema de compensação de carbono gera milhões com terras indígenas no norte do Quênia"), compraram créditos empresas como a holding britânica NatWest Group (120 mil créditos); a Meta Plataforms, proprietária do Facebook, do Instagram e do WhatsApp (90 mil); a Kering, grupo francês de artigos de luxo (75 mil); e até mesmo a Netflix (180 mil).

Na propaganda, o projeto é excelente: seu único objetivo é proteger a biodiversidade e a saúde do planeta. Segundo a Survival, não é bem assim. Além de questionar a veracidade dos números apresentados, sugerindo uma fraude climática, o relatório aponta o impacto do NKRCP nos direitos e nos meios de subsistência dos povos que habitam a região.

Se na aparência é tudo uma maravilha, na vida real o governo do Quênia praticamente entregou ao NRT a gestão e a posse de reservas naturais que ocupam 11% do território do país. O nível de controle do NRT sobre essa área – inclusive na comercialização do gado – é superior ao do governo queniano.

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Ainda segundo o relatório da Survival, o NRT e o projeto NKRCP foram fundados por Ian Craig, "cuja família era de colonos a quem a Coroa Britânica entregou grandes extensões de terras quenianas em 1922”.

Já em 2021 o grupo foi acusado de fraude ambiental e violação dos direitos humanos, por desapropriar de suas terras comunidades pastoris locais, empregando violência por parte de “unidades de segurança armadas envolvidas em graves violações dos direitos humanos”.

Mulher Samburu, no norte do Quênia, área controlada pelo conglomerado NRT

Segundo a Survival, “todo o projeto se baseia em uma premissa falsa, já que “não há nenhuma documentação que comprove que os pastores nômades arruínam o solo”. O que o NRT está fazendo é “substituir os sistemas tradicionais de pastoreio dos povos Borana e Samburu por um sistema centralizado semelhante à pecuária comercial” - algo que “coloca em risco os meios de subsistência e a segurança alimentar de milhares de pessoas”.

Nas palavras do relatório, o mercado de carbono está sendo usado “por governos ocidentais, empresas de consultoria e organizações filantrópicas empenhadas em promover uma agenda e interesses pró-Ocidente à custa de África”.

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A Survival assegura, ainda, que “não existe qualquer evidência empírica de que o suposto pastoreio rotativo planeado seja mais benéfico para a acumulação de carbono no solo do que o padrão tradicional de gestão da terra pelos povos pastoris”.

“Os pastores nômades já eram afetados pela crise climática e, agora, também são afetados pelas supostas soluções para a crise climática”, afirma Fiore Longo, da Survival. “Esses créditos de carbono não servem para nada, mas permitem que a Meta, a Netflix ou a Kering continuem a emitir e a colocar nas suas páginas de internet o selo 'Seremos net zero” em 2030. (...) Esta abordagem encoraja as nações ricas e as grandes empresas a continuarem a poluir o planeta, em detrimento de África”.

Resumindo: em vez de reduzir suas próprias emissões, os países ricos usam o mercado de créditos de carbono como uma forma de “greenwashing”, que permite que continuem poluindo (e “compensando” a poluição com a compra de créditos), enquanto vendem uma imagem de bom-mocismo ambiental – sempre à custa dos outros. Não é difícil entender onde o Brasil se encaixa nesse modelo.