Reza a lenda que, após derrotar o exército romano na Batalha do Ásculo, em 279 a.C., Pirro, rei do Épiro e da Macedônia e primo de Alexandre, o Grande, disse a um soldado que outra vitória como aquela o deixaria completamente arruinado – tamanhos foram os custos, materiais e em vidas humanas, para o lado vencedor.
Plutarco nos apresenta o seguinte relato:
“Pirro respondeu a um militar que demonstrou alegria que 'outra vitória como aquela o arruinaria completamente'. Pois ele havia perdido uma parte enorme das forças que trouxera consigo, e quase todos os seus amigos íntimos e principais comandantes, (...) e não havia outros homens para formar novos recrutas. (...) Por sua vez, (...) o acampamento romano era ocupado rapidamente por novos soldados, sem deixar sua coragem ser abatida pela perda que sofreram, mas extraindo da sua própria ira nova força e determinação para seguir adiante com a guerra.”
De fato, longe de se deixarem abater, os romanos rejeitaram prontamente o tratado de paz proposto por Pirro logo após a batalha. Eles absorveram a derrota com tranquilidade, pois dispunham em abundância de homens para recrutar. Os romanos também sabiam que as baixas sofridas por Pirro tinham sido enormes, e que ele estava longe demais de casa para tentar repor suas tropas.
Em suma, a vitória comprometeu de maneira irremediável a continuidade da guerra de Pirro contra Roma. A conclusão é que os danos causados por uma vitória podem superar os benefícios – e é mais importante vencer a guerra do que uma batalha.
Desde então, a expressão “vitória de Pirro” é usada para se referir a uma vitória obtida a um preço alto demais, ou que resulta em custos irreparáveis. Uma vitória com ares de derrota.
Naturalmente, a expressão não se aplica somente ao contexto militar, mas também, por analogia, ao terreno da política – onde, frequentemente, os danos causados a médio e longo prazo acabam sobrepujando os benefícios aparentes e imediatos de uma vitória.
A propósito, há duas versões sobre a morte de Pirro. Em uma delas, ele morreu após levar uma pedrada na cabeça, na cidade de Argos, em 272 a.C. Na outra versão, foi envenenado por um servo.
O tempo não anda para trás
No artigo “O risco de um terceiro turno”, publicado logo após a divulgação do resultado da eleição, escrevi que o clima de polarização da campanha eleitoral se estenderia muito além do fechamento das urnas – em função da pequena diferença de votos entre os dois candidatos e, principalmente, da percepção generalizada, entre os derrotados, de que o processo eleitoral não foi conduzido da forma correta.
O que ninguém esperava, naquele momento, era que o presidente mergulharia em um silêncio quase absoluto após a derrota, silêncio que se prolonga até hoje.
Muitos analistas já tiveram a pretensão de interpretar a enigmática mudez de Bolsonaro levantando variadas hipóteses, o que não farei aqui. O que me parece interessante no caso é a evidente frustração da chamada esquerda com esse silêncio.
Já nos primeiros dias após a eleição ficou claro que o discurso da pacificação da sociedade, por parte dos vencedores, não passava de balela. Pelo menos nas redes sociais, a militância virtual continuou em clima de campanha, atacando o presidente, seus parentes e seu eleitorado com sofreguidão. Não foi algo casual.
Fizesse Bolsonaro o que muitos esperavam dele, isto é, que partisse para o bate-boca e o confronto, eventualmente dando pretextos para a acusação de golpismo, a situação do presidente eleito seria muito mais confortável.
O prolongamento da baixaria da campanha, se tivesse provocado a reação desejada, seria a cortina de fumaça adequada para que, nos bastidores (e com apoio da grande mídia, sempre preocupadíssima com as ameaças à democracia), se fizessem os acordos necessários para facilitar a vida do novo governo.
Estratégica ou não, fato é que a retirada do presidente inviabilizou essa estratégia: a baixaria nas redes sociais continua, é claro, mas já sem repercutir ou reverberar além do que merece – até porque ela não terá mais qualquer efeito sobre os votos.
Com isso, passou para o primeiro plano o que realmente interessa ao país: a demora na montagem do novo Ministério, a claudicante articulação no Congresso para aprovar a PEC da Transição (aka PEC do Rombo), as sinalizações (até aqui mal recebidas pelo mercado) sobre a condução futura da economia, a regeneração do orçamento secreto – descrito durante a campanha, vale lembrar, como o maior escândalo de corrupção da História da humanidade.
Isso sugere que o novo presidente precisará, em algum momento, descer do palanque e responder aos desafios do seu terceiro mandato, que será exercido em um contexto completamente diferente dos outros dois.
Os desafios não são pequenos. Sobretudo em um contexto de instabilidade econômica, apostar na narrativa da herança maldita e da demonização de metade do eleitorado pode representar um rápido atalho para o fracasso.
O tempo não anda para trás: fantasiosa ou não, a mera memória afetiva de uma época em que pobre andava de avião e comia picanha não bastará para o presidente eleito preservar o apoio da apertada maioria que o elegeu, nem para construir uma base consistente em um Congresso mais conservador, atento às ruas e pouco disposto a dar um cheque em branco.
A percepção de muita gente hoje é que os desgastes já acumulados pelo presidente eleito nesta atribulada transição foram muito maiores do que se imaginava. Seguramente o silêncio de Bolsonaro contribuiu para tornar mais visíveis estes desgastes.
Clima e super-ricos: vitória de Trump seria revés para pautas internacionais de Lula
Nos EUA, parlamentares de direita tentam estreitar laços com Trump
Governo Lula acompanha com atenção a eleição nos EUA; ouça o podcast
Pressionado a cortar gastos, Lula se vê entre desagradar aliados e acalmar mercado