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Sim, a mais recente vítima da cultura da lacração e do cancelamento é Anne Frank, a adolescente judia que passou anos escondida em um porão para tentar escapar da perseguição nazista, durante a Segunda Guerra.
Nesse período, ela escreveu o diário que, além de sua incalculável importância como documento histórico, se tornou referência moral para várias gerações, como exemplo de resiliência diante do mal e como símbolo de resistência ao horror do antissemitismo.
Em 4 de agosto de 1944, o esconderijo onde Anne Frank vivia foi invadido por soldados da SS: ela foi presa, interrogada e, finalmente, enviada para o campo de concentração e extermínio de Auschwitz-Birkenau. Em Auschwitz, metade dos que chegavam ia diretamente para as câmaras de gás, e a outra metade era forçada ao trabalho escravo.
Três meses depois, já extenuada e com a saúde debilitada, Anne Frank foi transferida para outro campo, em Bergen-Belsen, também abarrotado de prisioneiros judeus vivendo em condições sub-humanas, sem comida nem higiene. Lá ela contraiu febre tifoide e morreu. Seu corpo foi enterrado em uma vala comum.
Anne Frank tinha 15 anos.
Pois bem, na semana que passou o Holocausto foi um dos trending topics do Twitter. O motivo: ativistas da chamada Teoria Crítica da Raça, que interpreta o mundo e todas as relações sociais exclusivamente pelo prisma da cor da pele, defenderam a tese de que Anne Frank e os judeus desfrutaram de “privilégio branco”.
A julgar pelo conteúdo das postagens, parece que o genocídio de 6 milhões de judeus no Holocausto incomoda não pelo sofrimento das vítimas, mas por derrubar uma premissa valiosa para os militantes que são capazes de cancelar Anne Frank: a de que pessoas brancas, sendo necessariamente opressoras, não podem ser vítimas de discriminação e intolerância.
Algumas das postagens foram: “Anne Frank teve privilégio branco”; “Se fosse negra ninguém ligaria para essa menina”; “Ninguém está dizendo que os nazistas não perseguiram pessoas brancas, mas pessoas brancas podem se esconder atrás de sua branquitude, enquanto nos Estados Unidos nazistas os negros não podem se esconder”. Houve outras, mais grosseiras.
Sim, a loucura identitária chegou nesse ponto. Nada de bom pode vir daí.
Preconceito contra fósseis humanos?
Também no Twitter, uma arqueóloga canadense, Emma Paladino, provocou polêmica na semana passada, ao sugerir que os pesquisadores de sua área parem de identificar o sexo biológico de fósseis humanos. Seu argumento: a anatomia dos ossos, que pode informar se um indivíduo nasceu com o órgão genital feminino ou masculino, não define o seu gênero.
Por isso mesmo, argumenta Palladino, não é possível saber se o fóssil humano se identificava como homem ou como mulher, quando era vivo. E atribuir a um fóssil um gênero, com base em suas características físicas, sem saber como ele se identificava, é uma prática opressora, incompatível com os valores woke do nosso tempo.
O debate, aliás, já chegou à medicina forense, onde ativistas afirmam que “os padrões atuais de identificação humana forense prestam um desserviço a pessoas que não se encaixam claramente na binaridade de gênero”.
Então tá.
Josef Stálin preso no Sri Lanka
Josef Stálin foi preso no Sri Lanka. Trata-se de um líder sindical que organizou violentos protestos contra o governo da pequena ilha ao sul da Índia. os protestos acabaram levando à invasão e prolongada ocupação do palácio presidencial, no início de julho, e à renúncia do presidente Gotabaya Rajapaksa, que quase foi linchado.
Após a renúncia de Rajapaksa, Ranil Wickremesinghe assumiu a presidência do país. Suas primeiras medidas foram enviar tropas de soldados e policiais para retirar à força os manifestantes do palácio e... mandar prender Stálin. Por conta disso, nas redes sociais do Sri Lanka, viralizou nos últimos dias a hashtag “Stálin Livre!”
Mas o que interessa aqui é outra coisa: não muito tempo atrás, o Sri Lanka, uma antiga colônia britânica, apresentava uma economia vibrante, com indicadores sociais positivos e uma classe média sólida. A grave crise que o país atravessa, com dívida descontrolada, corrupção, desabastecimento e carestia generalizada, revela como a má gestão leva rapidamente um país à tragédia.
Como isso aconteceu?
Há quem diga que o Sri Lanka foi um país-laboratório dos conselheiros do Fórum Econômico de Davos, o mesmo que afirma que em 2030 você não possuirá nada, mas será feliz.
Em 2019, o então recém-empossado Rajapaksa convidou vários assessores do Fórum para compor sua equipe econômica e seguiu à risca as suas recomendações – incluindo a proibição do uso de agroquímicos e uma forte campanha apara a população da ilha adotar uma dieta vegana (“Não comerás carne” é outro mandamento da Agenda 2030).
O resultado: começaram a faltar alimentos, e aumentaram os índices de fome e desnutrição.
Pensando bem, talvez a proposta seja essa mesmo. Transformar o planeta em uma imensa Venezuela, onde ninguém terá nada, mas todos serão felizes. Porque, ao olharem para o lado, verão que o outro não tem nada também.