• Carregando...
Aprendendo a escutar o outro com Albert Ellis
| Foto: Wikipedia

É chover no molhado afirmar que o brasileiro desaprendeu a dialogar. Isso fica mais evidente com a polarização que divide e envenena a sociedade já há muitos anos, mas o fenômeno ultrapassa a política. Preste atenção em qualquer conversa: mesmo quando o tema é ideologicamente neutro, as pessoas parecem mais empenhadas em marcar posições e impor suas próprias opiniões, que em ouvir (muito menos entender) o que o outro tem a dizer. As conversas perdem, assim, o seu potencial transformador e se reduzem a uma sobreposição de monólogos, que funcionam mais como “marcadores” de grupos sociais do que como reais ferramentas de comunicação.

Não é à toa que a expressão “lugar de fala” ganhou tanto espaço entre os ativistas de bandeiras identitárias. Uma vez que eles agem como se só tivessem direitos e nenhum dever, por extensão também se comportam como se só eles tivessem o direito de falar, sendo o dever de ouvir exclusividade dos outros. Estamos caminhando para um mundo de pequenos ditadores, cada qual se julgando com o poder de apontar o dedo, de constranger, de censurar, de mandar calar a boca e de proibir o outro de ter opiniões diferentes das suas.

Ontem mesmo li que “Grease”, clássico do cinema adolescente doas anos 70, com John Travolta e Olivia Newton-John, foi “cancelado” na Inglaterra por espectadores da geração mimimi: eles estão exigindo que o filme nunca mais seja exibido na TV, por ser “sexista e excessivamente branco”. Um internauta manifestou assim sua indignação: "Assisti ‘Grease’ na BBC, surpreso que eles deixaram passar, cheio de brancos". Não ocorreu aos pequenos ditadores mudar de canal: eles exigem que “Grease” seja banido e apagado da História, já que não atende (nem poderia, já que foi produzido em 1978) aos ditames de dos talibãs do politicamente correto de 2021.

Está sobrando lugar de fala e está faltando lugar de escuta.

Eu estava pensando sobre essas coisas quando me deparei com um artigo sobre Albert Ellis (1913-2007), psicólogo americano que criou, nos anos 50 do século passado, uma terapia chamada REBT (“Rational Emotive Behavior Therapy”, ou “Terapia Racional Emotiva Comportamental").

Basicamente, a REBT é um ramo da psicologia cognitiva que procura tratar transtornos como ansiedade e depressão ajudando o paciente a estabelecer novas conexões entre A) os “acontecimentos de ativação” (hoje conhecidos como “gatilhos”); B) a percepção e a interpretação de (A) pelo indivíduo; e C) as consequências negativas de (B) nas emoções e no comportamento. Como, geralmente, não é possível mudar (A), a forma de mudar (C) é modificar (B), isto é, alterar a maneira como o indivíduo reage, muitas vezes de forma automática, aos gatilhos. Isso porque, em muitos casos, o transtorno emocional se deve à interpretação (crenças e pensamentos irracionais), e não aos acontecimentos ativadores. Vale a pena pesquisar mais a respeito.

Mas o que me interessou particularmente no artigo foi uma referência à sistematização feita por Ellis dos maus hábitos que prejudicam o processo de comunicação interpessoal. Sei que, apresentada de forma grosseiramente resumida, a lista das barreiras que atrapalham nossa escuta fica com cara de autoajuda barata, mas ainda assim pode ser útil para aqueles leitores que também estão cansados de se envolver em diálogos de surdos.

Em primeiro lugar é preciso se disciplinar para focar na fala do outro, o que é mais difícil do que parece. Frequentemente, a nossa voz interior se sobrepõe ao que o interlocutor está dizendo, o que é uma forma de dispersão. Isso sem falar nas distrações externas: ler mensagens no celular durante a conversa, prestar atenção na televisão ou em outras pessoas que estão passando etc.

Segundo Ellis, estamos quase que o tempo inteiro ouvindo a nossa própria voz interior, isto é, preparando uma resposta ao que o outro está dizendo, em vez de tentar realmente entender o que ele está dizendo. Ouvimos na expectativa de que apareça uma brecha para respondermos algo que estamos elaborando enquanto ele fala – em vez de prestarmos atenção e tentarmos extrair algo de valor da sua fala.

Também acontece de prestarmos mais atenção no julgamento que a nossa mente está fazendo do interlocutor do que naquilo que ele está dizendo. Mais uma vez, a voz dentro da sua cabeça se sobrepõe à fala do outro, impedindo a comunicação efetiva. Mas igualmente negativo pode ser estabelecer uma conexão exagerada com o interlocutor, por achá-lo atraente, interessante ou carismático: esse processo pode ser disparado por uma frase que ele diz e com a qual nos identificamos totalmente.

Segundo Ellis, estamos quase que o tempo inteiro ouvindo a nossa própria voz interior, isto é, preparando uma resposta ao que o outro está dizendo, em vez de tentar realmente entender o que ele diz

Ouvir e entender alguém não pode depender de simpatizarmos ou antipatizarmos com a pessoa. Estabelecer um sentimento prévio de antipatia ou repulsa instintiva pelo outro também não ajuda em nada. É preciso ficar atento para que detalhes insignificantes na aparência ou no jeito do interlocutor nos impeçam de realmente escutar o que ele tem a dizer. A dica aqui é aprender a aceitar as imperfeições dos outros, assumindo que também somos imperfeitos e não despertamos a simpatia de todos.

Mais um péssimo hábito em uma conversa é ser movido pela necessidade de estar com a razão, o que impede de ouvir e de aprender coisas novas ou visões diferentes e alternativas sobre um determinado assunto. Se não conseguimos deixar de focar nas nossas convicções arraigadas, criamos uma parede impermeável a tudo que o outro diz. E uma conversa que poderia ser enriquecedora se transforma apenas em mais uma ocasião de tentar impor ao outro as nossas crenças.

Sempre segundo Ellis, a rigidez do pensamento nos impede de estabelecer conexões reais. É claro que você não precisa concordar com tudo que o outro fala, mas, até para entender o que ele realmente está dizendo, é preciso tentar adotar a sua perspectiva e o seu ponto de vista. A necessidade de ter sempre razão, além de impedir o diálogo, revela insegurança.

Aquilo que você acha que sabe também pode se tornar uma barreira que o impede de saber mais. A dica é não se aferrar demais a ideias fixas e abrir mão das convicções absolutas, ainda que provisoriamente: colocar em questão suas convicções de forma sincera e aceitar o contraditório. Buscar naquilo que o outro diz não o que sua fala contém de falso e errado, mas o que ela contém de verdadeiro e certo. Extrair de uma ideia somente aquilo que ela tem de adequado e útil, em vez de se submeter inteiramente a ela. Não se tornar um escravo das próprias crenças e opiniões.

São exercícios que envolvem humildade, artigo em falta nos dias que correm. Mas envolvem também a consciência de que, para alguém ser feliz e conseguir desenvolver conexões e relações saudáveis, o relacional é tão importante quanto o racional. Em outras palavras, não adianta você ter razão se não consegue se relacionar com as pessoas nem ouvir o que elas têm a dizer. Ninguém é obrigado a corresponder às expectativas que criamos a seu respeito. Nesse sentido, a comunicação mais efetiva passa também pela comunicação mais afetiva, com simpatia, educação e gentileza, evitando que preferências e convicções pessoais sejam barreiras para o processo de comunicação.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]