O efusivo abraço de Sergio Moro no novo ministro do STF repercutiu mais que o resultado da votação no Senado que aprovou a nomeação de Flavio Dino, resultado aliás previsível. E repercutiu muito mal. Foi, provavelmente, a pá de cal na relação do atual senador e ex-juiz com a imensa parcela da sociedade que um dia o considerou um herói.
Nada apagará o trabalho realizado à frente da Operação Lava-Jato, é verdade. Mas também é verdade que, desde que trocou a magistratura pela política, Moro passou a ter um comportamento errático e tomou uma série de decisões equivocadas. O abraço foi apenas a última.
O resultado prático é que hoje Moro se encontra na desconfortável situação de ser rejeitado tanto pela esquerda quanto pela direita. E ainda corre o risco de ser cassado. A leitura mais sagaz do episódio foi feita pelo cartunista André Guedes, no Twitter:
“[O voto de Moro em Dino] claramente faz parte de um arranjo político para tentar salvar o próprio mandato, mas desaponta os eleitores. Pode acabar ficando sem mandato e sem eleitores”.
Chega a ser impressionante a dupla ingenuidade: primeiro, no abraço em si, desnecessário; segundo na falta de cuidado ao conversar no celular. Nos dois casos, fica patente certa dificuldade de entender como funciona a política na vida real.
Um gesto e uma conversa percebidos como “trairagem” não costumam ser perdoados pelos aliados, nem pelos eleitores. Já os adversários apenas se comprazem com a queda do herói que vira traidor. Continuarão sendo adversários.
Depois do abraço, haverá menos gente disposta a defender Sergio Moro da cassação, dentro e fora do Congresso
Estou falando de percepções. No íntimo, Moro pode ter a convicção de que não fez nada errado, mas na percepção de muita gente fez sim. E ele sabe que percepções podem bastar para enterrar uma carreira na política – tanto que se apressou a tentar justificar o abraço e reparar o erro, depois de alertado pelo “mestrão”.
Mas este foi apenas o episódio final da novela. Talvez abandonar uma carreira de 22 anos na magistratura para assumir o Ministério da Justiça, em 2018, tenha sido o primeiro equívoco. Enquanto era juiz da Lava-Jato, Moro negou reiteradamente ter pretensões políticas. Ao aceitar o convite de Jair Bolsonaro para o Ministério da Justiça, deu munição para os adversários de Bolsonaro e dele próprio, alimentando a tese do uso político da Lava-Jato. Os dois devem ter se arrependido.
Os números da Segurança Pública mostram que Moro fez um bom trabalho à frente do Ministério, tanto que ele estava cotado para ser indicado a uma vaga no STF. (Se isso acontecesse, seguramente, a grande mídia – a mesma que hoje não vê problemas na indicação de Dino – cairia de pau). Mas alguma coisa desandou.
Em plena pandemia, quando o governo já tinha problemas de sobra para resolver, Moro abandonou o barco. Poderia ter saído de forma discreta, poderia ter aguardado um momento mais oportuno, mas preferiu os holofotes: apareceu no “Jornal Nacional”, deu coletivas e fez denúncias que investigações posteriores não comprovaram. Ficou parecendo que ele queria derrubar o presidente. Pegou muito mal.
Coincidentemente, foi a partir daquele episódio que teve início o processo de engessamento do Governo Bolsonaro pelo STF, começando pela veto ao nome de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal, em abril de 2020.
Talvez a ingenuidade seja tripla: uma terceira forma de ser ingênuo é acreditar na compaixão (ou na palavra) do inimigo. Não costuma ser assim. É sugestivo que, já na manhã seguinte ao episódio, a Procuradoria Eleitoral do Paraná tenha pedido a cassação de Moro e sua inelegibilidade por oito anos. Depois do abraço, haverá menos gente disposta a defendê-lo, dentro e fora do Congresso.
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