O título é engraçado, provocador e chamativo, mas o conteúdo de “Por que as mulheres têm melhor sexo sob o socialismo”, de Kristen Ghodsee, está longe de entregar o que promete. Recém-lançado no Brasil, o livro serve, em todo caso, como exemplo da decadência, da superficialidade e do viés abertamente esquerdista do ambiente acadêmico americano, uma vez que a autora é apresentada como “aclamada” professora universitária, além de etnógrafa premiada.
Tudo começou com um artigo espirituoso de mesmo nome, publicado no “The New York Times” em 2017, que, compreensivelmente, viralizou na lacrosfera. Animada com a repercussão alcançada e o engajamento nas redes, Ghodsee esticou os argumentos ralos e aleatórios do artigo até alcançar as dimensões de um livro. O efeito foi evidenciar a fragilidade de suas teses.
Na verdade, é uma tese só. A autora afirma que, por não precisarem depender dos maridos nem se submeter a relacionamentos tóxicos, as mulheres que viviam em regimes comunistas tinham mais liberdade para escolher seus parceiros - e, consequentemente, sentir mais prazer.
Pode até fazer algum sentido, à primeira vista, mas a premissa é inteiramente falsa. Ghodsee escreve como se a emancipação feminina e a incorporação das mulheres ao mercado de trabalho – com a consequente independência financeira – fosse obra do comunismo, e não do capitalismo.
Ora, enquanto nas ditaduras comunistas mulheres e homens eram escravizados por um regime que cerceava as liberdades individuais mais básicas, censurava o pensamento e a livre expressão, perseguia minorias, encarcerava adversários políticos, criava campos de tabalho forçado, assassinava milhões pessoas pela fome e fazia do aborto uma política pública (a este propósito, a autora deveria assistir ao documentário “One Child Nation”, que comentei neste artigo), no ambiente de liberdade das democracias capitalistas as mulheres conquistavam uma vitória após a outra – começando pelo direito ao voto e o acesso à educação e à realização profissional. Mas, segundo a autora do livro, era sob o tacão do Estado comunista onipotente que as mulheres sentiam mais prazer.
E é só isso. Citando pesquisas e fontes obscuras, a autora passa 200 páginas reiterando o argumento de que, sob o capitalismo malvadão, as mulheres são obrigadas a transformar seu corpo em mercadoria e, por isso, são sexualmente infelizes - enquanto, nos paraísos comunistas, elas transavam muito mais, transavam muito melhor e tinham muito mais orgasmos.
A mensagem dos depoimentos altamente suspeitos utilizados para demonstrar a tese é mais ou menos a seguinte: “Ah, a gente passava horas na fila do pão e não tinha liberdade para nada, mas o sexo era muito mais prazeroso!”
Quando menciona os horrores do socialismo, como os campos de trabalho forçado, a fome e os expurgos, Ghodsee tenta minimizá-los, como se fossem uma nota de pé-de-página da História. Horrível mesmo, para a autora, foi a ascensão da “extrema-direita” (porque está decretado que todos aqueles que estão à direita de Stálin são da extrema-direita) em países como a França, a Polônia, o Brasil (tinha que sobrar para o Brasil...) e os Estados Unidos.
No parágrafo seguinte, Ghodsee afirma que a escravidão foi um elemento constitutivo do sistema capitalista, e neste momento cabe a pergunta: a autora sabe o que é capitalismo? Sabe o que é socialismo? Parece que não. Mas do alto da sua superioridade moral ela rebate de antemão qualquer questionamento, desqualificando o leitor que ousar discordar como sendo, adivinhem, “de extrema-direita”: “Guarde seu dinheiro, este livro não é para você!”, escreve.
Kristen Ghodsee deveria ler as e memórias de mulheres dissidentes como Eugenia Ginzburg e Nadezhda Mandelstam, que comeram o pão que o diabo amassou. Ou a biografia de Lavrenti Beria, número 2 de Stalin, cujo passatempo era estuprar adolescentes que escolhia na rua, de dentro de seu luxuoso carro oficial. Ou ainda, o livro “Sussurros – A vida privada na Rússia de Stálin”, de Orlando Figes, que mostra como era o cotidiano de homens e mulheres comuns durante a ditadura stalinista, vivendo em apartamentos comunais abarrotados de gente, onde todo mundo era vigiado e sentia medo – mas onde o sexo, segundo a autora, devia ser muito bom para as mulheres.
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