Há dois tipos de atividade cujo principal patrimônio é a credibilidade: o jornalismo e as pesquisas de opinião. Um jornal que perde a credibilidade não tem valor algum. Uma pesquisa na qual ninguém acredita, tampouco. Grandes jornais e importantes institutos de pesquisa que, sabe-se lá com que motivação, jogaram na lata de lixo seu principal patrimônio já estão condenados, mesmo que ainda não tenham se dado conta disso. São mortos sem sepultura.
Quando são sérios, institutos de pesquisa e grandes jornais prestam importantes serviços à sociedade, podendo até influenciar o voto do eleitor. Quando se transformam em instrumentos de uma agenda política, eles se tornam, em um primeiro momento, nocivos. Em seguida, tornam-se irrelevantes, já não influenciam o voto de mais ninguém. É claro que há muito de subjetivo nessa percepção, mas acredito que ela não seja só minha.
Como alguns grandes jornais, as pesquisas já passaram da fase de causar irritação. Hoje elas simplesmente não fazem a menor diferença: ninguém liga. Digo isso com tristeza, porque eu gostava muito de acompanhar as pesquisas em ano eleitoral – quando elas faziam algum sentido. Mas os erros em série, eleição após eleição, que chegaram ao ápice nas eleições para presidente em 2018 e para prefeito de 2020, me tornaram totalmente cético.
No artigo “O Ibope deve uma satisfação aos eleitores”, aliás, apontei uma quantidade absurda de previsões bizarras e vergonhosas do famoso instituto, muito além da margem de erro, que foram desmentidas de forma humilhante pelas urnas em 2020. Escrevi, na ocasião:
“Eleição após eleição, os principais institutos de pesquisa vêm passando vergonha no Brasil, e em 2020 não foi diferente. Na melhor das hipóteses, a metodologia que estão usando é frágil – e já deveria ter sido corrigida. Não vou especular sobre hipóteses piores, mas cabe a pergunta: será apenas uma coincidência que os erros favoreçam sempre os candidatos de esquerda? Torço para que seja coincidência, mas, convenhamos, para muita gente será difícil acreditar nisso.”
Você viu o Ibope pedir desculpas aos eleitores pela vergonha que passou? Nem eu.
Voltemos a 2018. Um gráfico reproduzido pela Wikipédia mostra a evolução das médias das cinco principais pesquisas para o segundo turno entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro. Em maio/junho de 2018, essas pesquisas chegaram a afirmar que Haddad teria 45% dos votos, contra 20% de Bolsonaro. Só em agosto/setembro o quadro começou a mudar.
Mesmo assim, ainda em 28 de setembro daquele ano o Datafolha apostava (“apostar” é o verbo adequado) na vitória de Haddad (45% x 39%). Segundo o Datafolha, Bolsonaro perderia até para Alckmin e Ciro Gomes. Só ganharia de Marina Silva, e ainda assim por muito pouco:
Ora, dá para acreditar que entre 28 de setembro de 2018 e o dia do segundo turno, exatamente um mês depois, milhões de eleitores mudaram de ideia e deixaram de votar em Haddad para votar em Bolsonaro? Isso é fazer pouco da inteligência do leitor/eleitor. Já em maio/junho o antipetismo que levaria Bolsonaro à presidência era um fator consolidado no humor do eleitorado.
O resultado final da eleição: Bolsonaro recebeu 55,13% dos votos, Haddad 44,87% – uma diferença de mais de 10 milhões de votos.
Muitos eleitores detestam Bolsonaro e gostariam de não votar nele, mas votarão assim mesmo, simplesmente porque consideram que a alternativa é pior
Também é muito difícil acreditar que um volume significativo (na casa dos milhões) de eleitores que votaram em Bolsonaro em 2018 passe a votar em Lula em 2022. Pode até acontecer de forma residual, mas mesmo os eleitores de Bolsonaro mais decepcionados tendem a não votar no PT de jeito nenhum, mesmo que não votem em Bolsonaro novamente. Vou além: muitos eleitores detestam Bolsonaro e gostariam de não votar nele, mas votarão assim mesmo, simplesmente porque consideram que a alternativa é pior.
Em 2022, o comportamento das pesquisas está se mostrando semelhante ao de 2018. Em maio/junho passados os principais institutos cravavam uma vantagem gigantesca para o candidato do PT, chegando a afirmar que ele venceria no primeiro turno. Alguém realmente acreditou nisso? Parece mais se tratar de um caso de wishful thinking, ou da tentativa de se criar um fato consumado. Se foi isso, não colou.
Estou longe de achar que a eleição está decidida, acredito que será apertada, até porque os dois principais candidatos contam com uma base enorme de eleitores incondicionais. Mas, neste momento, parece claro que o vento sopra a favor da reeleição de Bolsonaro.
Há dois fatores a considerar: a recuperação veloz da economia, com o aumento da projeção de crescimento do PIB e queda dos índices de inflação e desemprego; e o fraco desempenho de Lula no debate, quando a imagem de fragilidade que o candidato passou foi talvez mais impactante para o eleitor indeciso que sua dificuldade objetiva de responder às perguntas sobre corrupção.
Ciro Gomes, por sua vez, parece estar crescendo – e tirando votos do PT. Muitos eleitores simpáticos à esquerda podem estar pensando também na "maldição do vice", tema que abordei neste artigo, e talvez estejam cogitando dar uma oportunidade ao político do Ceará.
É claro que muita coisa ainda pode – e vai acontecer. O Sete de Setembro, inclusive.
Já ia dar o ponto final neste artigo quando li que foi divulgada mais uma pesquisa, contratada pelo Banco Modal e realizada pelo Instituto Futura Inteligência. Pela primeira vez esse instituto mostra Bolsonaro à frente de Lula: 40,1% x 36,9%. Os eleitores de Bolsonaro vão festejar, os eleitores de Lula vão desqualificar a pesquisa.
O mesmo instituto dava Lula na frente em julho, o que sugere alguma isenção, mas isso apenas reforça a tese deste artigo. A minha conclusão é a seguinte: daqui para frente cada pesquisa vai dizer uma coisa, e haverá pesquisas para todos os gostos. Ou seja: elas não servem mesmo mais para nada.
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