Um dos efeitos inesperados da guerra na Ucrânia foi mostrar a diferença radical entre a esquerda tradicional e a nova esquerda – aquela que trocou as bandeiras da luta de classes e da expropriação dos meios de produção pela agenda progressista associada às pautas identitárias e à lacração.
É verdade que uma e outra continuam dividindo a política entre o bem e o mal – com a esquerda, naturalmente, representando o bem e todo o resto da humanidade encarnando o mal. E o mal, é claro, deve ser exterminado sem piedade.
Também é verdade que as duas esquerdas compartilham uma enraizada convicção de superioridade moral, um senso de virtude que lhes dá autoridade e carta branca para censurar, constranger, intimidar, perseguir e esfolar qualquer um que ouse pensar de forma diferente da sua.
E agem sempre em grupo, de forma coletiva, subterrânea, covarde e rasteira, como uma alcateia de hienas esfomeadas, ou um cardume de piranhas sedentas de sangue.
Tudo isso com a consciência limpinha: se o “ódio do bem” se disseminou com tanta força entre nós, é porque ele dá um sentido, uma razão de viver e uma mesquinha sensação de poder para gente medíocre, frustrada e ressentida que não estuda, não trabalha e não produz, e cujo único prazer na vida é apontar o dedo para os outros – basta passear pelo Twitter para constatar que gente assim é que o que não falta, sobretudo na nova geração (fico imaginando o que vai ser desses jovens quando tiverem que começar a pagar boletos...).
Pois bem, as reações dessas duas esquerdas à guerra entre a Rússia e a Ucrânia são radicalmente diferentes. A nova esquerda aderiu à condenação de Putin, não porque ele merece mesmo ser condenado mas porque, para essa esquerda, o que importa é olhar para onde o vento sopra e ficar bem na fita. A guerra só interessa na medida em que pode ser instrumentalizada de maneira se encaixar na sua agenda.
Os progressistas do bem e os virtuosos das redes sociais não estão preocupados em entender as nuances ou as raízes históricas da hostilidade entre os dois países, porque já sabem tudo que interessa: Putin é o vilão malvadão, e Zelensky é o mocinho boa-praça (se disserem para um progressista que Zelensky é de direita e que o seu governo baniu os partidos comunistas e abriga milícias neonazistas, vão entrar em estado de negação.)
Já a reação dos esquerdistas old school é radicalmente diferente: saudosos de Stálin (eles acham que o bigodudo da Geórgia matou foi pouco!) e da falecida União Soviética (“Ah, naquele tempo que era bom!”), eles ainda associam a Rússia ao antigo ideal comunista - e veem Putin como a nova encarnação do grande líder infalível, o macho-alfa treinado pela KGB que lhes inspira sonhos molhados de submissão. Para essa velha esquerda, para defender a Rússia vale qualquer coisa.
Vejam, por exemplo, a narrativa compartilhada nas redes sociais por três dinossauros da antiga esquerda marxista: o teólogo da libertação Leonardo Boff, o ativista argentino Adolfo Perez Esquivel e o jornalista galego Ignacio Ramonet – este autor de uma hagiografia, digo, biografia de mais de 600 páginas de Fidel Castro, que demonstra por A mais B que a ditadura cubana é uma maravilha, o verdadeiro paraíso na Terra:
É isso mesmo que você leu: os Estados Unidos, aka Império do Mal, se associaram à Ucrânia em um projeto secreto de disseminar doenças no planeta usando aves migratórias inoculadas com vírus mortais! São as aves de destruição em massa! E ainda são numeradas!
A expressão “aves de destruição em massa” não é minha: foi usada pelo próprio Adolfo Perez Esquivel, no artigo que Boff usou como fonte. Escreve Esquivel (citando, por sua vez, Ignacio Ramonet):
“Ignacio Ramonet, diretor do ‘Le Monde Diplomatique’ da Espanha, envia uma nota urgente, fazendo referência a uma recente reunião do Conselho de Segurança da ONU, convocado a pedido da Rússia, que denuncia e apresenta documentação dos laboratórios biológicos e químicos encontrados em Kiev, financiados pelo Pentágono e pelo Departamento de Estado dos EUA, sobre o programa de armas biológicas na Ucrânia. ‘As Aves de Destruição em Massa’, documentação que mostra que o mundo está enfrentando mentes sinistras que põem em perigo a humanidade.”
A tal documentação incluiria a comprovação do “financiamento oficial do Pentágono para um ‘aparente’ programa de armas biológicas na Ucrânia”. O plano maligno envolveria não apenas contaminar as pobres das aves com uma pilha de germes letais, mas também introduzir nelas um chip que permitira controlá-las à distância, de forma a desviá-las de sua rota migratória habitual e enviá-las para os países que se pretende atacar. Haja imaginação.
Ramonet, Esquivel e Boff não estão sendo cínicos. Eles realmente acreditam no que estão dizendo e divulgando, porque o mundo em que eles vivem ainda é rondado por um fantasma que assombra os ricos e patrões: o fantasma do comunismo.
Ninguém contou para eles que os ricos e patrões de hoje são os melhores amigos forever da esquerda. O inimigo agora é outro: são aquelas pessoas, de qualquer classe, que valorizam a liberdade, não se curvam à lacração politicamente correta nem defendem a censura do bem.
Braga Netto repassou dinheiro em sacola de vinho para operação que mataria Moraes, diz PF
Defesa de Braga Netto diz que provará que não houve obstrução das investigações
Parlamentares de direita e integrantes do governo repercutem prisão de Braga Netto
Da revolução à ruína: a fraqueza original que selou o destino do comunismo soviético