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Fosse a CPI da Covid-19 conduzida de forma séria, honesta e responsável, ela poderia tirar votos de Bolsonaro em 2022. Afinal de contas, pode-se argumentar de boa-fé que o comportamento do governo durante a pandemia foi errático, marcado por más decisões e apostas que não deram certo. Isso sem falar nas frequentes declarações desastradas do presidente e no desnecessário mau exemplo dado em momentos inoportunos.
Por outro lado, qualquer pessoa de boa-fé também deve reconhecer que poucos governos do mundo gastaram tanto no combate à pandemia: como demonstrei neste artigo,
só de auxílio emergencial foram gastos mais de R$ 300 bilhões; e mais de R$ 9 bilhões já foram aplicados na aquisição de vacinas.
Diversas falhas poderiam ter sido evitadas, é claro. Mas atribuir ao presidente a intenção deliberada de matar brasileiros chega a ser ridículo. É o que defende um membro da CPI, que ontem anunciou que pretende denunciar Bolsonaro por... "homicídio qualificado" (???). Até como estratégia política, insistir nessa narrativa alucinada chega a ser uma burrice.
O fato é que todos os governantes do planeta tiveram que tomar decisões, nem sempre acertadas, e fazer apostas, nem sempre felizes, pelo simples fato de que se estava – e ainda se está – enfrentando uma situação inédita, na qual mesmo a ciência avança sob pressão, na base da tentativa e erro.
O Brasil é o país dos engenheiros de obra pronta. É fácil julgar decisões de um ano e meio atrás com o conhecimento de hoje: fácil e inútil. Basta lembrar o que declarava diariamente na televisão o então ministro Mandetta, nos primeiros meses da pandemia: ele falhou miseravelmente em todas as suas análises e previsões. Mas deve ser apedrejado por isso? Não, porque, com o conhecimento de que se dispunha na época, suas opiniões faziam sentido.
Do jeito que está sendo tocada, a CPI se tornou um vexame. Só está servindo para reforçar a convicção dos eleitores bolsonaristas de repetir seu voto em 2022. Da escolha do relator, que dispensa comentários (mas, vejam só, virou herói da esquerda passapanista), à histeria histriônica de alguns parlamentares – isso sem falar na forma autoritária, machista e agressiva com que depoentes mulheres foram tratadas – para o brasileiro comum a CPI é percebida apenas como um teatro, o palco no qual se encena uma tentativa de sabotagem explícita ao governo.
Em relação à vacinação, por exemplo, os dados atualizados do ranking de vacinação no planeta mostram o seguinte:
Ou seja, apesar de algum atraso inicial, que foi justamente criticado, o Brasil está hoje na frente do Japão, da Coreia do Sul, do México, da Rússia e da Índia, e não está muito atrás dos Estados Unidos, a maior potência do planeta. Mas não se tem notícia de que os presidentes desses países estejam sendo chamados de genocidas, nem denunciados por “homicídio qualificado”. Muito menos os presidentes de Cuba e Venezuela, desnecessário dizer, porque o Brasil é também o país da indignação seletiva.
Mas, a julgar pelo furor uterino demonstrado na CPI, fica parecendo que o governo não apenas não comprou uma vacina sequer como também não gastou um centavo em ações de resposta à pandemia. Mais que isso: tentam convencer a sociedade de que o presidente torce para que os brasileiros pobres morram de Covid-19, especialmente se pertencerem a alguma minoria. É o triunfo deliberado da narrativa sobre a realidade. Alguém, por favor, avise à CPI que ela está passando vergonha.
No artigo de ontem,
comentei a notícia da proposta de indiciamento por “charlatanismo” e “curandeirismo”, que apenas revela a má-fé e o desespero de quem não aceita (nem suporta conviver com) a alternância no poder. Pois bem, qual seria a base desse indiciamento? A defesa que o presidente fez, no passado, da Ivermectina como parte do tratamento precoce da Covid-19.
Ora, ainda hoje estão sendo realizadas pesquisas sobre a eficácia da Ivermectina no combate ao coronavírus; diga-se de passagem, a substância fez parte do protocolo receitado por milhares de médicos a dezenas de milhares de pacientes, na fase mais aguda da pandemia. Continua sendo receitada diariamente, aliás – por médicos, não pelo presidente; por médicos, não por jornalistas e deputados que se acham donos da verdade.
Estudos conclusivos sobre qualquer medicamento podem demorar 10, 20 anos. Mesmo as vacinas que todos estamos tomando são, em alguma medida, experimentais: só o tempo vai dizer qual é sua eficácia real, por quanto tempo elas nos imunizam etc – tanto é assim que as bulas das vacinas vêm sendo periodicamente atualizadas em relação a advertências e efeitos colaterais. Nem por isso vamos deixar de tomá-las, porque, nas circunstâncias, é a melhor coisa a fazer. Ou devemos esperar 10 anos?
Se há sinais, ainda que inconclusivos, da eficácia da Ivermectina em mitigar a gravidade dos efeitos da Covid-19, e se este é um medicamento sem maiores efeitos colaterais, é normal que ela seja defendida e receitada por médicos. A CPI está dizendo que todos os médicos que receitaram Ivermectina são charlatães? A CPI vai pedir a cassação dos seus diplomas e registros profissionais? A CPI está dizendo que todos os pacientes que tomaram Ivermectina foram vítimas de curandeirismo? Faça-me o favor.
O que esses parlamentares tão ciosos da saúde da população têm a dizer sobre a adoção da cloroquina – um medicamento muito mais controverso que a Ivermectina – por Cuba, Venezuela e China? Eles defendem que os presidentes desses países (onde se praticam ditaduras de verdade) sejam indiciados por curandeirismo e charlatanismo? Um pouco de honestidade intelectual cairia bem.
Para citar apenas um exemplo recente de pesquisa favorável á Ivermectina, há pouco mais de um mês cientistas publicaram no Open Forum of Infectious Disease da Universidade de Oxford um estudo que que afirma que a Ivermectina reduz em 56% as mortes por covid-19 – e que o uso do medicamento promove a recuperação clínica favorável do paciente e reduz substancialmente as hospitalizações. Assinaram o estudo dez cientistas das seguintes instituições acadêmicas: Universidade de Liverpool, University Hospital of Wales, University College London Hospital, Chelsea and Westminster Hospital, Imperial College e University of Oxford. Outros estudos favoráveis à Ivermectina podem ser encontrados aqui, aqui e aqui.
Mas, se é para derrubar Bolsonaro, vamos decretar que a Ivermectina é um veneno que provocou milhares, milhões de mortes, e que todos tomaram Ivermectina porque o presidente mandou. Porque, como assumiu involuntariamente a piada do Sensacionalista citada no artigo de ontem, a CPI já partiu da conclusão – Bolsonaro é culpado. Qualquer denúncia, por mais absurda que seja, será apenas um pretexto para referendar essa conclusão. Já que o objetivo da CPI é atrapalhar o governo, mais honesto seria mesmo assumir o ridículo da coisa e indiciar Bolsonaro por bolsonarismo. Pelo menos seria mais engraçado.