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Luciano Trigo

Luciano Trigo

Brics

O clube das democracias relativas

10º Fórum Parlamentar do BRICS
O presidente russo, Vladimir Putin, discursa na sessão plenária do 10º Fórum Parlamentar do BRICS em São Petersburgo, Rússia, 11 de julho de 2024. (Foto: Valeriy Sharifulin/EFE/EPA/SPUTNIK/KREMLIN POOL)

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Teve pouquíssima repercussão na mídia brasileira o X Fórum Parlamentar dos Brics, realizado na última semana, 11 e 12 de julho, em São Petersburgo: uma nota aqui, outra ali. Silêncio bastante estranho, já que foi um evento importante, no qual, pela primeira vez, se reuniram todos os 10 membros da nova composição do grupo.

Eram para ser 11, mas a Argentina saltou do barco. Em dezembro de 2023, o presidente eleito Javier Milei, cumprindo uma promessa de campanha, anunciou que seu país não ingressaria mais nos Brics.

As informações disponíveis são bastante exíguas, mas parece que a pauta principal do Fórum foi a proposta de criação de um “Parlamento dos Brics”. A ideia, de Vladimir Putin, dificilmente será levada adiante. Ainda bem.

Sete dos dez países que hoje integram o Brics são ditaduras ou regimes autoritários: Arábia Saudita, China, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Rússia. Os outros três – África do Sul, Brasil e Índia – são reconhecidos como democracias. Mas, enfrentam críticas recorrentes relacionadas à falta de separação entre os Poderes e à violação da liberdade de expressão e outros direitos civis - fundamentos das democracias plenas.

Ora, a função de um parlamento é representar, legislar e fiscalizar.

Imagine, leitor, o Brasil ter que se curvar a decisões aprovadas por uma maioria de ditadores. Logo o Brasil, onde se fala tanto em defesa da democracia e do Estado de direito

Melhor que a proposta de Putin não prospere mesmo.

O leitor desatento pode ter levado um choque. Sete de dez países dos Brics não são democracias? Tem certeza, Luciano? Quer dizer que o Brics se transformou em um clube de democracias relativas? A melhor resposta é descrever brevemente a situação da democracia em cada um desses sete países, em ordem alfabética.

Arábia Saudita

Trata-se de uma monarquia absoluta, na qual o rei detém amplos poderes sobre todos os aspectos do governo e da sociedade.

No poder desde 2015, o rei Salman bin Abdulaziz Al Saud controla o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Membros da família real ocupam vários dos principais cargos ministeriais.

Existe um Conselho Consultivo de 150 membros, mas todos são escolhidos e nomeados pelo rei. Esse Conselho não tem poder legislativo independente. Não existem eleições para cargos legislativos ou executivos, apenas para algumas funções municipais limitadas, com impacto bastante limitado no poder real.

O governo é famoso por suas severas restrições às liberdades civis, incluindo a liberdade de expressão, reunião e associação.

A imprensa e a mídia são fortemente controladas, e os dissidentes políticos são reprimidos. Leis baseadas na interpretação rigorosa da Sharia (a lei islâmica) restringem fortemente os direitos das mulheres e de minorias.

O sistema judicial é baseado na Sharia, mas o rei tem a palavra final sobre todas as decisões judiciais e tem a prerrogativa de conceder perdões ou anular sentenças. Deve ser horrível viver em um país assim.

China

O Partido Comunista Chinês controla sobre todos os aspectos do governo e da sociedade. Na prática, é um sistema político de partido único (existem outros partidos, mas são todos aliados do PCC). Nas eleições, fortemente controladas, não existe competição real, muito menos transparência.

A Assembleia Popular Nacional, principal órgão legislativo do país, é dominada pelo PCC e se limita a aprovar leis e políticas públicas já decididas pela cúpula do partido. O PCC também controla o sistema judiciário, exercendo forte influência sobre os tribunais que, na prática, trabalham para defender os interesses do governo, não do cidadão.

O PCC impõe severas restrições à liberdade de expressão, imprensa, reunião e religião. A internet e os meios de comunicação são censurados. Além do controle dos meios de comunicação, dissidentes políticos são perseguidos, e não existe garantias eficazes de proteção dos direitos individuais. Deve ser horrível viver em um país assim.

Egito

Apesar de apresentar características de um sistema democrático – existência de um parlamento e realização de eleições – na prática, vigora no Egito um regime autoritário. Desde que chegou ao poder (após um golpe militar em 2013), o presidente Abdel Fattah el-Sisi vem sendo acusado de perseguir opositores e manipular resultados eleitorais.

Existem fortes restrições à liberdade de expressão, reunião e associação. Jornalistas, ativistas e opositores políticos são frequentemente perseguidos e presos. O sistema judicial no Egito é acusado de ser usado para perseguir críticos do governo, julgados por tribunais militares.

O parlamento é amplamente dominado por apoiadores do presidente, com poderes amplos para restringir direitos e liberdades civis em nome da segurança nacional. Deve ser horrível viver em um país assim.

Emirados Árabes Unidos

Os Emirados Árabes Unidos são uma federação de sete emirados, governados por monarcas absolutos e suas famílias reais, com poderes altamente centralizados. Não existem eleições livres e justas. Democracia passou longe ali.

Por tradição, o presidente dos Emirados é o emir de Abu Dhabi, e o primeiro-ministro é o emir de Dubai. Não existe separação clara entre os Poderes. O Conselho Supremo Federal e o Conselho Nacional Federal são compostos por membros não-eleitos e não têm poderes legislativos plenos: seu papel é limitado e basicamente consultivo.

Partidos políticos de oposição são reprimidos ou abertamente proibidos. Há fortes restrições à liberdade de imprensa e aos direitos básicos dos indivíduos. Deve ser horrível viver em um país assim.

Etiópia

O país até que vem se esforçando para promover reformas políticas e econômicas, mas ainda está longe de ser uma democracia. O atual primeiro-ministro, Abiy Ahmed, libertou vários presos políticos e flexibilizou as restrições à mídia.

Em 2021, Ahmed promoveu eleições parlamentares, mas estas foram marcadas por boicotes, irregularidades e problemas de segurança. O Judiciário ainda carece de instituições fortes e confiáveis.

Ainda são frequentes as denúncias de desrespeito às liberdades civis e violação dos direitos humanos – agravadas pela guerra civil na região de Tigré. Também são recorrentes os relatos de repressão a jornalistas, opositores políticos e ativistas. Deve ser horrível viver em um país assim.

Irã

O sistema político do Irã, uma república islâmica teocrática, combina elementos formais de uma democracia limitada com uma liderança religiosa com amplos poderes. O líder supremo, atualmente Ali Khamenei, é a autoridade máxima, que controla todas as principais instituições do Estado, incluindo as forças armadas, a mídia, e o Judiciário.

O líder supremo é escolhido pela Assembleia de Peritos, um órgão composto por clérigos islâmicos. Nas eleições para a presidência e o parlamento, todos os candidatos são pré-selecionados pelo Conselho dos Guardiães, um corpo de 12 membros (seis clérigos nomeados pelo líder supremo e seis juristas nomeados pelo judiciário). Esse conselho pode vetar candidatos e projetos de lei que considerem incompatíveis com a constituição islâmica.

Há restrições significativas à liberdade de expressão, reunião e associação. A imprensa e a mídia são fortemente controladas. Críticos do governo e ativistas de direitos humanos frequentemente enfrentam prisões e perseguições.

O parlamento iraniano é composto por representantes eleitos, mas opera nos limites definidos pelas autoridades religiosas. Suas decisões podem ser anuladas pelo Conselho dos Guardiães e pelo líder supremo.

Integram o sistema judicial tribunais revolucionários especiais que lidam com casos considerados ameaças à segurança nacional e à ordem islâmica. Isso muitas vezes resulta em julgamentos sumários e penas severas, sem pleno direito à defesa e sem o devido processo legal, tal como ele é entendido nas democracias. Deve ser horrível viver em um país assim.

Rússia

Formalmente uma república semipresidencialista, com um presidente e um primeiro-ministro, desde 1999 a Rússia é governada, na prática, pela vontade de um único homem, Vladimir Putin. Aliás, ele acaba de ser reeleito, com quase 90% dos votos, devendo permanecer no Kremlin até 2030 – reinado mais longo que o de Stálin.

Trata-se de uma autocracia. Além da falta de transparência e denúncias recorrentes de fraudes nas eleições, o governo russo controla os meios de comunicação, restringe a liberdade de imprensa, persegue e prende regularmente membros da oposição. O sistema judiciário é acusado de não ser independente e de ser usado para perseguir adversários políticos – que cultivam o estranho hábito de morrer de forma misteriosa.

O sistema judiciário na Rússia é frequentemente acusado de não ser independente e de ser utilizado para perseguir opositores políticos. Deve ser horrível viver em um país assim.

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