Ouça este conteúdo
Como foi noticiado pela "Gazeta do Povo" na última quinta-feira, o Simpa (Sindicato dos Municipários de Porto Alegre) espalhou pelas ruas da capital gaúcha um outdoor com a foto de uma criança chorando, acompanhada do texto: "Não deixe nossos alunos carregarem a culpa pelo resto da vida. Escolas fechadas, vidas preservadas".
As aulas da rede pública e particular da cidade retomaram parcialmente as atividades presenciais na segunda-feira, 5/10. O sindicato é contra e, para evitar a volta ao trabalho presencial, lança uma campanha com uma mensagem clara: caso as escolas reabram, as crianças deverão se sentir culpadas pelas eventuais futuras mortes por Covid-19.
A Prefeitura de Porto Alegre garante que já existem condições para a reabertura, já que protocolos de segurança serão seguidos: “Os pais e responsáveis podem decidir sobre levar ou não os filhos, mas as escolas precisam estar à disposição da comunidade novamente”, diz a Nota de Repúdio divulgada contra a campanha do Simpa, classificada como “desumana e covarde”.
A nota prossegue: “Explorar a imagem de uma criança para tentar impedir a volta às aulas em nome da defesa de uma categoria é, no mínimo, uma irresponsabilidade. Quando um sindicato culpa crianças para tentar impedir que voltem às escolas, ele abusa cruelmente de sua prerrogativa de defender apenas os interesses ideológicos e corporativos, comete um crime e provoca a indignação dos que não aceitam que se culpem inocentes”.
Também divulgada em vídeos nas redes sociais, a campanha “Escolas fechadas, vidas preservadas” deixou estarrecidos não apenas aqueles que defendem a reabertura das escolas: causou desconforto ou revolta até em quem tem dúvidas sobre o melhor momento para o retorno das aulas presenciais.
O debate sobre a conveniência da reabertura das escolas no momento atual da pandemia é até legítimo. Sindicatos podem e devem fazer pressão, por exemplo, para que seja garantida a segurança dos estudantes e dos profissionais da educação. Mas uma coisa é se preocupar com a saúde de professores, funcionários e alunos; outra é aterrorizar deliberadamente as crianças e a população com uma chantagem emocional de péssimo gosto, para evitar a volta ao trabalho.
Existem argumentos científicos contra a reabertura (existem argumentos científicos a favor da reabertura, também; o fato é que desde o começo da pandemia nunca houve consenso científico sobre nada). Mas, por óbvio, crianças jamais serão culpadas pela morte de ninguém por Covid-19. Elas estão sendo expostas, contudo, a uma campanha que afirma que a responsabilidade por mortes na família será delas; estão recebendo a mensagem de que devem se sentir culpadas.
Ora, jogar nas crianças a responsabilidade por futuras mortes é acrescentar de forma deliberada e abjeta mais um fator de pressão emocional sobre meninos e meninas que já estão pagando há meses um preço alto pela pandemia, com a paralisia da sua vida escolar e social em um momento de formação.
A campanha causou desconforto ou revolta até em quem tem dúvidas sobre a conveniência da reabertura das escolas
Mas há outro ponto a destacar na campanha “Escolas fechadas, vidas preservadas”: ela é reveladora da moral, da forma de pensamento e dos métodos de ação de certa esquerda, à qual se associa a maioria dos movimentos sindicais. A campanha não é absurda apenas por sugerir que as crianças que voltarem às aulas devem se sentir assassinas pelo resto da vida, nem por tentar angariar o apoio da população na base do terrorismo psicológico.
A campanha também é absurda por ter como objetivo “evitar desigualdades”: representantes sindicais afirmaram que farão pressão, pela via judicial inclusive, para que as escolas particulares só abram quando o sindicato determinar que as escolas públicas podem voltar a funcionar. Como a entidade se declara em "estado de greve", o que um sindicato de servidores públicos quer é ter o poder de determinar quando todas as escolas – inclusive as particulares – poderão abrir, mesmo aquelas que reúnam as condições de segurança necessárias para fazê-lo.
É o vício do igualitarismo doentio baseado no ressentimento, cuja consequência é nivelar tudo por baixo. O sindicato prefere que nenhuma criança tenha acesso à escola a admitir que somente as escolas particulares reabram – porque é inadmissível, na ilha da fantasia em que vive a esquerda, que uma criança de classe média tenha aulas presenciais enquanto existirem crianças pobres sem acesso à escola.
(O mesmo raciocínio impediu que universidades públicas adotassem o ensino à distância: como muitos carentes não dispõem de internet, julgou-se preferível até muito recentemente deixar todos sem aula. Somente na semana passada algumas universidades anunciaram a adesão às aulas remotas.)
Essa obsessão pela igualdade nada mais é que ressentimento disfarçado (e alçado ao status) de justiça social, pois a luta pela redução da desigualdade se exerce não criando as condições para os de baixo ascenderem, mas puxando para baixo os que estão em cima, independentemente de seus esforços e méritos, de seu trabalho duro e perseverança.
Não se luta para que as escolas públicas tenham condições de reabrir, mas para que as escolas particulares continuem fechadas
No caso de Porto Alegre, não se luta para que as escolas públicas tenham condições de reabrir, mas para que as escolas particulares continuem fechadas – como se isso resolvesse alguma coisa. É o que Ayn Rand chamou, em um momento inspirado, de “ideologia da inveja”: "Os invejosos são aqueles que preferem prejudicar os ricos em vez de ajudar os pobres".
Outro ponto a destacar é que, tanto na educação básica quanto nas universidades, sindicatos querem condicionar o retorno das aulas presenciais à criação de uma vacina conta a Covid-19. O problema é que ninguém sabe ao certo quando a vacina estará disponível, nem qual será o grau de sua eficácia. Embora se perceba o esforço da comunidade científica para acelerar esse processo, ainda persistem várias incógnitas que impossibilitam uma previsão realista.
E se a vacina demorar dois anos? As escolas continuarão fechadas? É evidente que isso prejudicará o aprendizado, aumentará a evasão e prejudicará o desenvolvimento físico e mental das crianças e adolescentes, além de ampliar a desigualdade e as perspectivas de vida desses estudantes, a longo prazo. Para os movimentos sindicais, parece que nada disso importa.