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Respeitadíssimo pela esquerda até outro dia, o cientista político Andrew Korybko, americano radicado na Rússia, entrou de voadora no debate sobre o escândalo dos Twitter Files.
O assunto, aliás, continua em evidência no mundo inteiro – menos no Brasil, onde a estratégia da grande mídia passapanista é tentar abafar o caso desqualificando Elon Musk com os adjetivos de sempre, começando por “bolsonarista”.
Pois bem, referência inescapável em qualquer discussão na esquerda sobre os BRICs e autor de um interessante livro sobre guerras híbridas, Korybko corre ele próprio o risco de ser sumariamente cancelado por bolsonarismo - que, como se sabe, é um crime hediondo inafiançável na nova democracia.
Isso pelo simples fato de, na polêmica em curso, Korybko ter tomado o partido de Elon Musk, e não do ministro do STF acusado de censura e de interferência no processo eleitoral de 2022. (Acusação gravíssima, diga-se de passagem: por muito menos já aconteceu muito mais.)
Primeiro, no mesmo dia em que o escândalo veio à tona, Korybko fez uma postagem bastante pesada se dirigindo ao presidente brasileiro, no próprio Twitter, postagem que prefiro não comentar.
Na sequência, comentando a própria postagem e respondendo a alguns detratores, Korybko escreveu:
“Eu não me arrependo de ter exposto o lawfare utilizado contra o PT, o que lamento é não acompanhar a evolução do partido desde então. O que começou como um movimento esquerdista genuíno transformou-se num movimento liberal-globalista que é hoje uma imitação brasileira dos Democratas dos EUA.
Também estou profundamente desapontado pelo fato de muitos dos esquerdistas que condenaram acertadamente o lawfare da direita contra a esquerda estarem agora apoiando selvagemente o lawfare contra a direita. Lula 3.0, ao lado do Paquistão pós-golpe, é uma das maiores decepções geopolíticas que cobri na minha década de trabalho.
Estou genuinamente feliz ao ver que tantos daqueles que anteriormente apreciaram meu trabalho estão agora me renegando, porque prefiro ser seguido por pessoas honestas do que por fraudes. O que aprendi sobre a esquerda brasileira desde o início de Lula 3.0 ficará comigo para o resto da minha vida. São lições inesquecíveis. As suas mentiras para encobrir Lula (...) mudaram radicalmente a minha percepção.
Não há “auto-reforma” ou crítica construtiva no PT de Lula 3.0: é literalmente uma seita política que só diz respeito ao poder, mesmo que continue papagaiando a retórica esquerdista. (...) Não fui eu quem mudou, foram o Lula e o PT. Ainda tenho os mesmos princípios, foram eles que se venderam.”
Como se não bastasse, há poucas horas Korybko divulgou em sua Newsletter o artigo “É Alexandre De Moraes, e não Elon Musk, quem está se intrometendo na democracia brasileira a mando dos EUA”.
Trata-se de um diagnóstico bastante intrigante e original sobre o atual governo brasileiro, segundo Korybko muito mais próximo de um projeto de ditadura liberal-globalista que dos ideais esquerdistas de sua origens.
Já no subtítulo, o autor afirma que o governo brasileiro trabalha de mãos dadas com o Partido Democrata americano na agenda climática, no combate à ‘desinformação’ e na perseguição de opositores políticos sob o pretexto da segurança nacional, entre outras agendas.
Repito: não é alguém da direita nem do centro quem está dizendo isso. É um conceituado analista político da esquerda.
Destaco a seguir alguns trechos do artigo – enfatizando, por via das dúvidas, que estas são opiniões de Andrew Korybko, não as minhas.
“[O caso Elon Musk] dividiu nitidamente os observadores em dois campos diametralmente opostos: aqueles que acreditam que Musk é quem está se intrometendo no Brasil e aqueles que acreditam que na verdade é Moraes. (...)
“O primeiro grupo é liderado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), no poder no Brasil, que odeia Musk porque considera ‘fascista’ qualquer pessoa à direita do seu partido supostamente ‘esquerdista’ (mas hoje liberal-globalista). (...)
“O Governo dos EUA abraçou totalmente o globalismo liberal sob a administração Biden, daí a razão pela qual ele, tanto quanto o PT, odeia Musk, pelas mesmas razões ideológicas. Quanto a este último, o exército de trolls online do PT ‘cancela’ agressivamente qualquer um que mencione que Lula condenou a Rússia numa declaração conjunta com Biden. (...)
“O 8 de janeiro espelha de forma suspeita o incidente semelhante de 6 de janeiro dos EUA, considerado por muitos uma armação federal para difamar a direita, a fim de acelerar a imposição de uma ditadura liberal-globalista”
“Outro ponto a salientar é que o PT afirma que a Operação Lava-Jato de meados da década de 2010 foi impulsionada pelo warfare (“guerra legal”) e apoiada pelos EUA, com o objetivo de trazer o Brasil multipolar de volta, sob a égide unipolar de Washington. (...) Essa interpretação mostra como são descaradamente hipócritas aqueles que agora aplaudem o uso do warfare pelo Estado contra os seus oponentes da direita, depois de o PT ter regressado ao poder com a bênção dos EUA.
“A Administração Biden desprezou o ex-presidente Jair Bolsonaro pelas mesmas razões ideológicas que despreza Musk. (...) Os EUA preferiram Lula porque viram como ele se transformou em um liberal-globalista, (...) e, portanto, promoveria uma visão de mundo muito mais alinhada [com o partido Democrata] do que a conservadora-nacionalista de Bolsonaro, se Lula regressasse ao poder. O “American Prospect” até se gabou de ‘Como Joe Biden e Bernie Sanders ajudaram Lula a vencer’ em 1º de novembro de 2022, logo após a vitória do candidato preferido do governo Biden. (...)
“Os EUA também endossaram a versão de Lula sobre o incidente de 8 de janeiro, que espelha de forma suspeita o incidente semelhante de 6 de janeiro dos EUA, considerado por muitos uma armação federal para difamar a direita, a fim de acelerar a imposição de uma ditadura liberal-globalista. [Biden e Lula] ainda discordam sobre o comércio com a China e a desdolarização, mas trabalham de mãos dadas na agenda climática, na COVID, no combate à “desinformação”, na questão LGBT+ e na perseguição de opositores políticos sob pretextos de ‘segurança nacional’. (...)
“Naquela época [da ditadura militar], eram os militares que perseguiam membros de esquerda considerados uma ameaça à segurança nacional, mas agora é o Judiciário que persegue nacionalistas conservadores com o mesmo pretexto, para os aplausos estrondosos do PT ‘esquerdista’ de Lula. A hipocrisia é inegável. (...)
“Moraes foi longe demais na sua caça às bruxas, e isso levou Musk a rebelar-se, apesar dos custos económicos, para defender a sua própria moralidade, depois de sentir sinceramente que cumprir aquelas exigências seria ilegal. (...)
Com tudo isso em mente, é Moraes e não Musk quem está se intrometendo na democracia brasileira. Além disso, o primeiro representa um governo que está na cama com a administração Biden, enquanto o segundo é um dos seus principais oponentes ideológicos. O exército de trolls online do PT “cancela” agressivamente qualquer pessoa que compartilhe fatos sobre o estreito alinhamento de Lula com os EUA durante seu terceiro mandato, e muito menos se pergunta sobre o ‘pacto fáustico’ que ele deve ter feito com o PT enquanto estava na prisão, a fim de garantir apoio. (...)
É por isso que, além de poucos nacionalistas conservadores brasileiros, muitos que se depararem com esta análise provavelmente nunca tiveram a menor ideia de que o PT supostamente ‘esquerdista’ se transformou em um movimento liberal-globalista ao longo da última década e é agora pouco mais do que uma imitação barata dos Democratas dos EUA. Lula e Biden ainda discordam sobre o comércio com a China e a desdolarização, mas estas diferenças são mínimas em comparação com as suas novas semelhanças.”