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O vídeo abaixo é da campanha de um candidato a vereador no Rio de Janeiro. Assistam:
Cercado por uma plantação de maconha, o candidato (do PSOL) pede o voto dos eleitores com o seguinte texto:
“Em 2020, nesta eleição, não esqueça: baseado na sua consciência, baseado na sua mente, aperta 50. Quatro e vinte. 50 do (P)SOL, quatro e vinte da planta”
Como se sabe, “baseado”, “aperta” e “quatro e vinte” são expressões idiomáticas da “cultura cannabis”, isto é, dos maconheiros. Segundo foi noticiado, o candidato foi notificado pelo Ministério Público Eleitoral por apologia às drogas: embora reconhecendo o direito de ele se apresentar no vídeo como “advogado da Macha da Maconha”, o MPE considerou que a “presença física entre plantas que, se não forem, ao menos se assemelham à maconha, parece ultrapassar a livre manifestação de pensamento”.
Evidentemente, vereadores nada podem deliberar sobre a questão das drogas, mas candidatos com a mesma plataforma eleitoral se multiplicam por diversas cidades do país. Alegam que é importante debater o tema. Em uma eleição municipal, eleitores deveriam esperar desses candidatos propostas concretas que beneficiem a cidade – por exemplo, propostas sobre a melhoria do transporte público, a geração de emprego, a educação ou a segurança – e não proselitismo sobre um tema que foge à alçada do poder local. Mas ok, cada candidato faz a campanha que achar melhor, e cada eleitor vota em quem quiser.
Não vou nem entrar na discussão sobre os malefícios e riscos potenciais da liberação da droga, que me parecem evidentes; este é um daqueles temas em que as pessoas são impermeáveis a qualquer argumentação (e sempre haverá um estudo científico ao qual recorrer para amparar as mais diversas convicções). A questão que quero abordar aqui é outra: qual é a fronteira entre incentivar a prática de um crime (o consumo de uma droga ilícita) e defender a descriminalização (em um exercício legítimo da liberdade de expressão)?
A Lei 11.343/06 (conhecida como Lei das Drogas) fixou uma pena de um a três anos de prisão para quem induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga. O Código Penal, por sua vez, prevê detenção de três a seis meses para quem fizer publicamente apologia de fato criminoso ou de autor de crime. Mas parece que ninguém liga: candidatos a vereador de vários municípios se sentem à vontade para defender abertamente o uso da maconha em vídeos de campanha eleitoral.
O fenômeno não é novo, aliás: vem se repetindo eleição após eleição. Em 2012, um candidato do PSDB em Florianópolis também adotou a maconha como bandeira eleitoral, e um promotor o acusou de incentivar adolescentes a consumir a droga. Em 2016, a Procuradoria Regional Eleitoral do Rio de Janeiro pediu a abertura de investigação contra dois candidatos do PSOL, também por apologia ao uso da maconha. Nos dois casos, ficou por isso mesmo.
Jovens estão aprendendo que drogas são positivas, charmosas e inofensivas. O que essa mensagem faz é transformá-los em candidatos potenciais à dependência química – ou a uma carreira no crime
O procurador eleitoral responsável pelo segundo caso declarou: “Não se trata de liberdade de expressão, a exemplo da 'marcha da maconha', mas sim da utilização de um instrumento valioso de campanha eleitoral (propaganda) como bandeira favorável ao consumo e à legalização. Este não é e não pode ser o caminho".
Por sua vez, o STF, no julgamento de uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) em 2011, decidiu que manifestações públicas pela descriminalização da maconha não podem ser consideradas crimes, mas sim exercício da liberdade de expressão. Na ocasião, embora alguns ministros tenham ressaltado que a liberdade de expressão e de manifestação “pode ser proibida quando for dirigida a incitar ou provocar ações ilegais e iminentes”, todos votaram pela liberação de eventos como a Marcha da Maconha.
Em seu voto, o decano Celso de Mello afirmou que a marcha é um movimento social espontâneo que reivindica, por meio da livre manifestação do pensamento, “a possibilidade da discussão democrática do modelo proibicionista e dos efeitos que [esse modelo] produziu em termos de incremento da violência”. Depreende-se daí que a violência decorre da aplicação da lei, e não de sua violação – e que a solução é promover uma discussão democrática que suprima a lei.
Ou seja, tudo virou uma questão de interpretação. Há quem argumente que, como o candidato do vídeo acima não disse, com todas as letras, “Use drogas” ou “Fume maconha”, ele não está fazendo apologia, mesmo estando cercado de plantas de maconha (ou "algo que se assemelha") e apresentando a droga como algo positivo. A interpretação oposta seria perfeitamente possível, já que apologia não se faz apenas com palavras.
Os limites da liberdade de expressão estão sendo testados. Mas como, nesse terreno, vem sendo cultivada há anos (inclusive pela grande mídia e pelo STF) uma atitude complacente em relação ao consumo “recreativo” de drogas, a tendência é a tese mais permissiva prevalecer, e candidatos continuarem livres para defender abertamente a droga em suas campanhas.
Evidentemente, vídeos como esse chegam rapidamente aos celulares e tablets de milhares de adolescentes em período de formação, que não têm discernimento para avaliar os riscos associados ao consumo de drogas, nem entender a conexão entre a droga e a criminalidade e a violência, nem perceber o impacto trágico da droga na saúde pública. Antigamente, pelo menos, ainda dava para dizer: “Tirem as crianças da sala”.
O que esses jovens estão aprendendo é que drogas são positivas, charmosas e inofensivas. O que essa mensagem faz é transformá-los em candidatos potenciais à dependência química – ou a uma carreira no crime, dependendo do contexto social em que vivam. Nos dois casos, eles serão vítimas de uma equação perversa que impõe um preço altíssimo à sociedade – que, no fim das contas, é quem arca com todos os custos e consequências do vício.