No intervalo de menos de 24 horas, duas matérias publicadas no mesmo jornal informam que o índice de confiança do comércio aumentou e diminuiu em março. Só mesmo no Brasil.
A primeira diz o seguinte:
“O Índice de Confiança do Empresário do Comércio (Icec) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) recuou 1,6% em março, perante o mês anterior, para 112,3 pontos. Na comparação com março de 2022, a queda foi de 4,9%. Além de conduzir o índice à menor pontuação desde julho de 2021, foi a quarta queda consecutiva do indica dor, influenciada por sinais de desaceleração na atividade econômica; e crise no crédito, atualmente mais caro e restrito, detalhou a entidade.”
Já a segunda, publicada 20 horas depois, afirma o contrário:
“O Índice de Confiança do Comércio (Icom) calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre) subiu 1,1 ponto em março para 86,9 pontos, registrando a segunda alta consecutiva. Na métrica de médias móveis trimestrais houve virtual estabilidade, com variação de -0,1 ponto.”
Naturalmente, a contradição pode ser explicada por diferenças nas metodologias adotadas pela Confederação Nacional do Comércio e pela Fundação Getúlio Vargas.
Mas aceitar essa explicação também significa dizer o seguinte: um indicador econômico pode não apenas variar na mesma direção conforme a métrica (mas concorcando que a confiança aumentou, ou diminuiu): ele pode ser positivo ou negativo, afirmar que a confiança aumento ou diminuiu, ao gosto do freguês, a depender de quem fizer as contas.
É algo, no mínimo, preocupante. Em quem acreditar? Qual dos dois dados é confiável? Ou nenhum dos dois é? Ora, é com base em indicadores assim que governantes podem tomar decisões econômicas: se cada instituição diz uma coisa, fica complicado.
No país do faz-de-conta, cada jornal ou portal pode escolher qual notícia dar, conforme seus interesses e afinidades ideológicas. E cada leitor acredita no que quiser. É o jornalismo à la carte
Este não foi um caso isolado. Diariamente a velha mídia traz notícias contraditórias (notícias, não opiniões) sobre diferentes assuntos. Ontem, por exemplo, alguns jornalistas afirmavam que o ministro da Justiça se saiu muito mal no embate com os deputados na CCJ da Câmara; para outros, ele se saiu muito bem, os deputados é que se saíram mal.
Hoje mesmo é possível ler notícias dizendo: que o mercado reagiu mal e que o mercado reagiu bem à divulgação do novo arcabouço fiscal pelo ministro da Fazenda; que os investidores ficaram mais calmos e mais irritados; que a recepção a Bolsonaro no aeroporto de Brasília foi um sucesso e um fracasso de público.
O objetivo não é mais registrar a realidade, é produzi-la. Mas, perdido o vínculo entre a notícia e a realidade, para que serve a mídia?
Mais grave: se coisas assim acontecem com o índice de confiança do comércio, com a reação do mercado ao arcabouço fiscal, com a recepção ao ex-presidente que volta do exílio voluntário e com o desempenho do ministro da Justiça no Congresso, por que não aconteceria também com a inflação, com o PIB, com o desemprego, com o número de miseráveis, com a taxa de aprovação do governo etc?
No país do faz-de-conta, cada jornal ou portal pode escolher que notícia dar, conforme seus interesses e afinidades ideológicas. E cada leitor acredita no que quiser. É o jornalismo à la carte. Isso na grande mídia: nas redes sociais, então, nem se fala. É o reino da pós-verdade.
Tudo isso apenas reforça a impressão de que a velha mídia abandonou qualquer pretensão de isenção e objetividade para aderir sem qualquer cerimônia à constução de narrativas que se distanciam cada vez mais da ralidade. Depois não entendem por que perdem cada vez mais credibilidade junto ao cidadão comum.
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