Adolf Hitler discursa em um comício da SA. Dortmund, Alemanha, 1933| Foto: Divulgação/Museu Memorial do Holocausto dos EUA/William O. McWorkman
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Nos anos seguintes ao final da Segunda Guerra, especialmente após as revelações sobre a barbárie do Holocausto, a grande questão que mobilizou intelectuais do Ocidente foi entender como e por que a sociedade alemã, culturalmente tão avançada, se deixou seduzir pelo nazismo.

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Diferentes autores se dedicaram a escrever sobre o assunto, destacando-se “As origens do totalitarismo”, de Hannah Arendt. Lançado em 1951, o livro investiga as origens comuns dos principais regimes totalitários do século 20 – o nazismo e o comunismo – e sua constituição como movimentos de massa capazes de atrair milhões de seguidores fanáticos.

Após examinar em profundidade as condições que permitiram a ascensão do antissemitismo e do imperialismo na Europa, Arendt concluiu que o totalitarismo era uma nova forma de governo, que diferia essencialmente da opressão política praticada pelas ditaduras até então conhecidas.

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Segundo a autora, o diferencial dos regimes totalitários é que seu objetivo não é apenas perseguir e calar adversários, mas subjugar e doutrinar toda a população, de maneira a mudar a percepção que os indivíduos têm de si mesmos, de seu papel na sociedade e da própria política.

Por isso mesmo, nos processos de dominação implementados por esses regimes, tão importantes quanto a força bruta são as técnicas de manipulação da opinião pública e de lavagem cerebral da população. O objetivo não é apenas esmagar, mas também convencer. E converter.

Se “As origens do totalitarismo” se tornou uma obra de referência sobre o tema e até hoje é reeditado, outro livro importantíssimo, publicado no mesmo ano, caiu em relativo ostracismo: “Fanatismo e movimentos de massa” (“The true believer”, no original), do americano Erich Hoffer.

O foco de Hoffer é a interpretação da mentalidade fanática, que faz pessoas comuns abandonarem a razão e entregarem seus destinos nas mãos de psicopatas. Daí o paralelo que o autor estabelece entre o fanatismo político e o fanatismo religioso. Nesse sentido, “Fanatismo e movimentos de massa” é mais um ensaio de psicologia social que de História ou ciência política.

Hoffer argumenta que movimentos de massa surgem quando muitas pessoas frustradas, convencidas de que suas próprias vidas individuais não têm valor, aderem a um líder que vende esperanças e mudanças radicais na sociedade. Geralmente suas promessas são embaladas em palavras-gatilho como “igualdade”, “democracia” e “justiça social”.

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Mas a verdadeira motivação dessas pessoas não é a crença real de que as coisas vão melhorar: é a fuga de si mesmas, a vontade de diluir suas identidades em uma coletividade na qual suas vidas ganhem sentido. Para o "verdadeiro crente", ideias específicas são menos importantes que a possibilidade de escapar do fardo da emancipação, da autonomia e do peso da responsabilidade por seus próprios fracassos.

Hoffer descreve o verdadeiro crente como alguém disposto a sacrificar sua individualidade, liberdade e livre-arbítrio por uma causa. Pessoas assim estão em busca de uma identidade e propósito, que encontram ao aderir a ideologias fortes e coletivistas.

Crenças específicas são menos importantes que a possibilidade de escapar do fardo da emancipação e da autonomia, do peso da responsabilidade pelos próprios fracassos

Para Hoffer, portanto, o apelo dos movimentos de massa independe da ideologia. Ele cita como exemplo o fato de que, na Alemanha das décadas de 1920 e 1930, o partido comunista e o partido nacional-socialista eram inimigos viscerais e defendiam agendas opostas, mas frequentemente roubavam membros uns dos outros. Isso porque ambos competiam pelo mesmo tipo de pessoas: marginalizadas, inadaptadas, frustradas e, principalmente, irritadas.

Isso demonstra que os movimentos de massa são em grande medida intercambiáveis, já que dizem respeito menos a agendas e valores específicos que às características psicológicas do “verdadeiro crente”, que prefere diluir sua identidade no grupo a assumir as rédeas da própria vida - desde que lhe ofereçam a promessa de redenção e propósito. A ideologia específica é menos importante do que o senso de pertencimento e identidade proporcionados pelo grupo.

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O fanatismo nasce do desespero e da frustração. Pessoas que se sentem impotentes ou sem valor são mais suscetíveis a se tornarem fanáticas, já que a diluição na massa oferece uma sensação de importância e poder. “O fanático não é o defensor de um princípio. Ele abraça uma causa não em função de sua justiça ou santidade, mas pela necessidade desesperada de algo para se apegar”, escreve Hoffer.

E ainda: “Os frustrados seguem um líder menos por causa de sua fé de que ele os está levando a uma terra prometida do que por causa de seu sentimento imediato de que ele os está levando para longe de seus ‘eus’ indesejados. Entregar-se a um líder não é um meio para um fim, mas um fim em si mesmo. Para onde são levados é de importância secundária.”

Para fundamentar essa teoria, Hoffer cita ferramentas retóricas de persuasão comuns ao fascismo e ao comunismo, enfatizando o caráter religioso oculto nas duas narrativas políticas. Por não acreditar dispor do poder e da capacidade necessários para transformar o mundo à sua volta, o verdadeiro crente deposita uma fé irracional em líderes carismáticos e hábeis em canalizar o descontentamento das pessoas: “Fé em uma causa santa é em grande parte um substituto para a fé perdida em nós mesmos”.

Naturalmente, esse processo de arregimentação de adeptos é mais fácil quando as pessoas passam por um processo de empobrecimento, de perda de poder de compra e qualidade de vida. Isso gera um ressentimento coletivo que faz o verdadeiro crente apoiar incondicionalmente o líder que atribui a um inimigo comum a culpa por todas as desgraças do presente. Foram anos de dificuldades e crise econômica que fizeram os trabalhadores e a classe média alemã apoiar Hitler.

Fanatismo e Movimento das Massas (The True Believer, no original), livro por Eric Hoffer | Foto: Mentor Books/Divulgação
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Frases de Erich Hoffer:

“A prova básica da liberdade talvez esteja menos naquilo que somos livres para fazer, do que naquilo que somos livres para não fazer”;

“A propaganda não engana as pessoas; apenas as ajuda a enganar a si mesmas”;

“A capacidade do crente convicto de fechar os olhos e tapar os ouvidos aos fatos que não merecem ser vistos ou ouvidos é a fonte de sua inigualável fortaleza e constância. Ele não pode ser assustado pelo perigo nem desencorajado pelo obstáculo ou perturbado por contradições, porque nega sua existência”;

“Dê orgulho às pessoas e elas viverão de pão e água, abençoarão seus exploradores e até morrerão por eles”;

“A paixão pela igualdade é, em parte, uma paixão pelo anonimato: ser um fio dos muitos que formam uma túnica; um fio não distinguível dos outros. Ninguém pode nos apontar, nos medir contra os outros e expor nossa inferioridade”;

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 “O ódio é o mais acessível e amplo agente de união. Os movimentos de massa podem surgir e difundir-se sem a crença em Deus, mas nunca sem a crença no diabo”;

“É duvidoso que os oprimidos lutem pela liberdade. Eles lutam por orgulho e poder – poder para oprimir os outros. Os oprimidos querem acima de tudo imitar seus opressores; eles querem retaliar”;

“Para os frustrados, a liberdade da responsabilidade é mais atraente do que a liberdade da restrição. Eles estão ansiosos para negociar sua independência para aliviar os fardos da vontade, de decidir e ser responsáveis ​​pelo inevitável fracasso. Eles voluntariamente abdicam do direcionamento de suas vidas para aqueles que querem planejar, comandar e arcar com toda a responsabilidade”;

“Não há dúvida que trocando uma vida autocentrada por uma vida altruística ganhamos enormemente na nossa autoestima. A vaidade dos altruístas é ilimitada mesmo naqueles que praticam o altruísmo com extrema humildade”;

“Onde a liberdade é real, a igualdade é a paixão das massas. Onde a igualdade é real, a liberdade é a paixão de uma pequena minoria.”

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“Quando as pessoas são livres para fazer o que querem, geralmente imitam-se umas às outras”;

“Mentimos mais alto quando mentimos a nós mesmos”;

“Se os comunistas ganharem a Europa e uma grande parte do mundo, não será porque sabem como provocar descontentamento ou como infectar as pessoas com ódio, mas porque sabem pregar a esperança.”

“A menos que um homem tenha os talentos para fazer algo de si mesmo, a liberdade é um fardo penoso. Nós nos juntamos a um movimento de massas para escapar da responsabilidade individual, ou, nas palavras de um jovem nazista ardente, estar livre da liberdade. Não foi pura hipocrisia quando os nazistas se declararam inocentes de todas as enormidades que haviam cometido. Eles não se juntaram ao movimento nazista justamente para se libertar da responsabilidade?”;

“Uma minoria dissidente só se sente livre quando pode impor sua vontade à maioria: o que mais abomina é a dissensão da maioria”;

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“A capacidade de conviver sem um líder excepcional é a marca do vigor social.”