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Para um investidor amador, é difícil não ficar impressionado com algumas notícias recentes sobre o mercado de criptomoedas: por exemplo, só em 2020 o Bitcoin valorizou 303% em dólar (em reais, o salto foi ainda maior, em função da desvalorização da nossa moeda frente ao dólar: mais de 400%). No momento em que escrevo, um único Bitcoin vale R$ 195.509,73.

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Criptomoedas são algo de difícil apreensão para um leigo: basicamente, são linhas de código criptografadas, que só podem ser acessadas com a chave de cada usuário. Uma criptomoeda só existe na forma digital, não sendo emitida por nenhum governo soberano ou autoridade monetária. As transações acontecem diretamente entre os agentes do mercado, 100% online, e são validadas por meio da tecnologia blockchain, em uma imensa rede descentralizada de computadores.

Vale lembrar que, além do Bitcoin, já existem milhares de moedas digitais, como o Ethereum, o Ripple e o Tether, todas operando à margem do sistema financeiro tradicional – e todas apresentando oscilações absurdas de valor (para cima e para baixo), sem qualquer cobertura de governos ou bancos centrais.

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É uma bolha? Há especialistas que dizem que não. Mas peço licença aos especialistas para opinar com convicção que esta é uma aplicação adequada apenas para quem gosta de viver perigosamente: o mercado de criptomoedas é extremamente volátil, podendo ter ganhos (ou perdas) de mais de 50% em um único dia.

O problema é que o sonho de enriquecimento fácil e rápido tem feito muita gente entrar nesse mercado com expectativas irreais: há quem se desfaça do patrimônio acumulado durante a vida inteira (e até quem venda o apartamento onde mora) para tentar participar da festa. Geralmente isso não termina bem.

É claro que é tudo questão de timing: como em qualquer investimento de risco, quem souber a hora certa de entrar e de sair pode ganhar muito dinheiro. Mas é muito difícil saber. E, por causa da euforia, muitos investidores amadores esquecem duas premissas básicas: primeiro, ganhos passados não garantem ganhos futuros; segundo, quanto maior a promessa de ganho, maior também será o risco de perda. Criptomoedas são um mercado “paralelo”, cujas oportunidades de retornos estratosféricos apresentam riscos equivalentes.

O gráfico abaixo, muito reproduzido na Internet, mostra o padrão de valorização e desvalorização que se aplica à formação e colapso de uma “bolha”, em qualquer investimento associado a uma inovação tecnológica:

Não tenho a pretensão de afirmar em que ponto desse gráfico estariam as criptomoedas, mas minha opinião, como leigo interessado no assunto, é que elas devem estar em algum ponto entre o “entusiasmo” e o “novo paradigma”, ainda na curva ascendente da montanha-russa – mas perigosamente próximo da queda.

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Investimentos de risco têm mais a ver com psicologia do que com análises racionais do mercado: quando você começa a ganhar, é difícil tomar a decisão de sair para evitar perder

Se eu tivesse dinheiro sobrando, o que não é o caso, talvez comprasse uma pequena fração de criptomoeda, só para experimentar, mas disposto a vender depressa – e preparado psicologicamente para perder. Mas investimentos de risco têm mais a ver com psicologia do que com matemática ou com análises racionais do mercado: quando você começa a ganhar, é difícil tomar a decisão de sair para evitar perder.

Outro problema, particularmente no Brasil, é a quantidade de golpistas que se aproveitam desse novo mercado para tirar dinheiro de pessoas incautas, que se deixam seduzir por promessas irreais: a febre das criptomoedas está reeditando de forma assustadora as famosas pirâmides, esquemas fraudulentos que dependem da entrada constante de novos investidores – geralmente atraídos por amigos e parentes, que por sua vez buscam novos investidores nos seus círculos de confiança.

Uma pesquisa rápida no Google mostra que várias empresas na Região dos Lagos, no estado do Rio de Janeiro, estão prometendo rendimentos fixos de 10% (ou mesmo 30%) ao mês ao longo de 24, 36 e até 60 meses. Para se ter uma ideia de como isso é fantasioso, basta lembrar que os rendimentos médios alcançados pelo gênio das finanças Warren Buffett em seus melhores anos foram de 20% ao ano.

Várias corretoras com esse "modelo de negócios" já quebraram ou foram suspensas pela CVM, como a Unick Forex (que prometia dobrar o capital investido em seis meses) e a Indeal Investimentos (que prometia ganhos de 15% ao mês). Mesmo que sejam bem intencionadas, é muito possível que as sobreviventes quebrem no meio do caminho, em um futuro próximo, por absoluta impossibilidade de garantir rendimentos fixos no patamar prometido.

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Quando a casa cai, as vítimas que perderam tudo costumam responsabilizar quem as atraiu para o negócio, e aí começam as brigas familiares e disputas judiciais – ou coisa pior. Pode ser coincidência, mas outra pesquisa rápida no Google também revela um aumento de assassinatos (ou tentativas de) relacionados ao mercado de criptomoedas. Alguns casos recentes aqui, aqui e aqui. Mas não são os únicos.

E ontem mesmo, no Paraná, um cidadão conhecido como “Rei do Bitcoin” foi indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de “estelionato, organização criminosa, crime contra a economia popular, crime falimentar, crime contra sistema financeiro e tentativa de embaraço às investigações”.

E não é só no Brasil: em junho, John McAfee, criador do antivírus que leva o seu nome, foi encontrado morto em uma prisão de Barcelona. Ele aguardava julgamento por comandar um esquema fraudulento no mercado de criptomoedas.

É claro que a culpa pelas fraudes não é do ativo em si, mas de gente criminosa e mal intencionada. Mas parece inegável que a criptomoeda, por se tratar de um ativo virtual, se presta particularmente a esquemas fraudlentos e à ação de golpistas.

Evidentemente, nem todas as empresas que operam com criptomoedas são pirâmides financeiras. Mas especialmente aquelas que prometem retornos fixos altos devem ser vistas com cautela, já que é impossível ter a certeza de um percentual de retorno mensal em um mercado de renda variável. O cuidado antes de investir, portanto, deve ser redobrado. Voltarei ao tema.

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