À medida que a pandemia se prolonga, uma proposta volta a ganhar força nos debates internacionais sobre o combate à desigualdade: a Renda Básica Universal – RBU. Simplificando: uma mesada do governo que garantiria a todo e qualquer indivíduo a satisfação de suas necessidades básicas, erradicando a miséria e mitigando o impacto social de crises como a provocada pelo coronavírus.
Não estou falando aqui de programas emergenciais de proteção social, como incentivos econômicos temporários para trabalhadores informais ficarem em casa. durante a pandemia. Falo da proposta de um programa universal e permanente de transferência de renda.
Ganhar dinheiro público sem fazer nada, bastando para isso estar vivo. Curiosamente, a ideia não é defendida apenas pela esquerda: ela vem seduzindo também uma parcela da direita, ainda que por motivos diferentes.
Mas será que funciona?
Qualquer estudante do primeiro período de graduação aprende que a economia é a ciência da alocação de recursos escassos. Pelo menos nas economias de mercado, sem a planificação central que vigorou nos países comunistas, o problema econômico essencial em qualquer tempo não é dividir uma quantidade fixa de recursos, e sim criar condições para a produção crescente de riqueza, por meio de incentivos ao empreendedorismo e à inovação.
Não existe uma quantidade constante de recursos a ser alocada, com maior ou menor grau de consciência social: a produção de riqueza de qualquer país varia, dependendo, entre outros fatores, de como o governo intervém para orientar a alocação desses recursos. Se, para aumentar sua arrecadação, um governo decidisse criar um imposto de 100% sobre a renda, isso seria eficaz, do ponto de vista da receita, se a renda continuasse a mesma – só tem um problema: não haveria mais renda a tributar. Parece óbvio que, quanto maior a carga tributária, menor o incentivo a produzir e trabalhar.
É certo que a linguagem vem sendo sistematicamente corrompida, a ponto de as palavras ganharem sentidos variáveis, a depender dos interesses e da ideologia de quem as emprega. Mas a matemática, até onde eu sei, continua a mesma. Como dinheiro não dá em árvore, e como os recursos necessários para garantir o pagamento continuado da RBU teriam que sair de novos impostos (ou da emissão maciça de moeda, que geraria inflação, que tornaria inútil a RBU), a primeira pergunta é: em um país com a carga tributária do tamanho da brasileira, há espaço para mais impostos?
Os argumentos a favor da Renda Básica Universal são mais éticos do que econômicos. Seus advogados se comportam como se o imperativo da justiça social pudesse prevalecer sobre as leis impessoais da economia. Só enxergam o lado que interessa.
É até razoável imaginar que a injeção brutal de dinheiro decorrente da adoção da RBU teria benefícios visíveis a curto prazo (mais visíveis, em todo caso, que os custos, que só ficariam claros mais tarde: as consequências costumam vir depois das causas). Os mais vulneráveis, argumenta-se, poderiam consumir mais e investir em capacitação; pais poderiam ficar mais tempo com seus filhos; os índices de evasão escolar e desnutrição infantil diminuiriam; os casos de depressão e ansiedade entre adultos também; as pessoas teriam liberdad para empregar seu tempo em atividades criativas. E ainda: diminuiriam os índices de violência e o êxodo rural, bem como as desigualdades regionais.
A RBU também empoderaria as mulheres, já que, não mais dependentes dos maridos, não precisariam se submeter a relacionamentos tóxicos. A pressão para as mulheres se engajarem na prostituição e em “sexo transacional” seria menor, porque a renda básica as afastaria de atividades que colocassem em risco sua integridade física ou moral. Donas de casa que hoje realizam trabalho não-remunerado passariam a ser recompensadas. Igualmente importante, a RBU diminuiria a atração exercida nos jovens das periferias pelo tráfico de drogas e outras atividades ilícitas.
Ora, tudo isso seria ótimo, se fosse economicamente viável. Ninguém é contra a redução da miséria e da desigualdade (ainda que a esquerda se considere dona dessa bandeira). Mas a economia não funciona na base de boas intenções: fosse assim, todos os problemas do mundo seriam resolvidos por decreto.
Por hipótese, vamos imaginar que fosse possível apresentar a cada brasileiro as seguintes alternativas: a) fique em casa vendo futebol na TV; b) passe o dia na praia ou no boteco; ou c) acorde cedo para pegar uma condução e trabalhar. Independente da sua escolha, a satisfação de suas necessidades básicas estaria garantida pelo Estado.
Levando em conta essa inexistência de uma cultura do trabalho consolidada no Brasil, qual seria a escolha de uma parcela significativa da população? Trabalhar (e, aliás, pagar impostos extorsivos sobre a renda) ou ganhar dinheiro grátis?
É forçoso admitir que, por uma conspiração de fatores, diferentemente da América protestante não desenvolvemos no Brasil uma cultura que valorize o trabalho duro como virtude e o esforço como caminho para a prosperidade e a realização pessoal. Ao contrário, trabalho aqui costuma ser visto como castigo ou prisão – o que explica nossos baixíssimos índices de produtividade. Lembro que, nas manifestações contra a Reforma da Previdência, um jovem portava um cartaz com uma mensagem eloquente: “Sou estudante e quero me aposentar”.
Na maioria dos casos, quem for pago para não fazer nada fará exatamente isso: nada. E não estou falando da população mais vulnerável, mas da própria classe média, na qual já é gigantesco o número de jovens em idade produtiva que não estudam nem trabalham (os “nem-nem”). Mesmo sem RBU.
Li que, após um experimento de renda básica realizado na Finlândia, a conclusão foi que as pessoas que participaram do projeto estavam desempregadas, mas felizes. Não é difícil imaginar que, ainda que fosse economicamente viável, a adoção da Renda Básica Universal no Brasil resultaria em um exército de encostados, “desempregados, mas felizes”. Voltarei ao tema.