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O Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, é um daqueles textos que todos conhecem mas poucos se dão ao trabalho de ler. Publicado em 1848 como uma espécie de cartilha para a revolução na Europa, é um panfleto que tem o mérito da transparência: seus autores pregam abertamente o fim da propriedade privada, que estaria na raiz da infelicidade dos homens.
Escrevem os autores na conclusão do livrinho: "Os comunistas rejeitam suavizar suas ideias e objetivos. Declaram abertamente que os seus fins só podem ser alcançados pela violenta subversão de toda a ordem social vigente. Que as classes dominantes tremam de medo perante uma revolução comunista!"
Engana-se, contudo, quem pensa que o Manifesto Comunista se limita a uma celebração simplista da revolução e à pregação da violência “do bem” como caminho para se chegar ao paraíso na Terra. Na segunda parte do livro, Marx e Engels estabelecem uma agenda estratégica com 10 medidas objetivas que devem ser adotadas pelo partido, uma vez conquistado o poder.
Essas medidas, é importante enfatizar, devem ser implementadas gradualmente, de forma a desmantelar, ao longo do tempo, todos os ideias direitos de propriedade e relações de produção capitalistas, “arrancando pouco a pouco todo o capital da burguesia para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado”.
O que o exame dessa agenda revela é que, por mais que a esquerda tenha mudado desde a época de Marx, certos objetivos permanecem os mesmos. Senão vejamos:
1. Expropriação da propriedade sobre a terra e aplicação de toda a renda obtida com a terra nas despesas do Estado.
2. Imposto de renda fortemente progressivo.
3. Abolição de todos os direitos de herança.
4. Confisco da propriedade de todos os emigrantes e rebeldes.
5. Centralização do crédito nas mãos do Estado, por meio de um banco nacional com capital do Estado usufruindo monopólio exclusivo.
6. Centralização, nas mãos do Estado, de todos os meios de comunicação e transporte.
7. Ampliação das fábricas e dos instrumentos de produção pertencentes ao Estado; arroteamento das terras incultas e melhoramento das terras cultivadas, tudo de acordo com um plano geral.
8. Trabalho obrigatório para todos. Criação de exércitos industriais, em especial para a agricultura.
9. Unificação do trabalho agrícola e industrial. Abolição gradual de toda e qualquer distinção entre cidade e campo por meio de uma distribuição equilibrada da população ao longo do território do país.
10. Educação gratuita para todas as crianças nas escolas públicas. Eliminação do trabalho infantil nas fábricas em sua forma então praticada.
Não vou falar do Brasil, porque hoje em dia está complicado. Aliás a própria ABI – Associação Brasileira de Imprensa divulgou no sábado uma nota condenando fortemente, vejam só, a escalada da ofensiva judicial contra os jornalistas, a censura e os ataques à liberdade de expressão.
“Proibir a circulação de matérias jornalísticas é uma decisão que faz o Brasil retroceder. É preciso que os brasileiros defendam o direito à informação e repudiem a censura”, diz a nota da ABI. Ué, fiquei confuso agora, ABI: o amor não ia vencer? É isso que acontece quando se usa a defesa de direitos como pretexto para cercear direitos, começando pelo direito à liberdade de expressão, sob os aplausos da grande mídia.
Parece evidente e justa a ideia de que os mais pobres paguem, proporcionalmente, menos impostos que os mais ricos. Mas será que é isso mesmo que vai acontecer?
Não vou, portanto, falar do Brasil, mas do reino imaginário de Banânia, onde algumas das medidas listadas no Manifesto Comunista já estão em curso. Enquanto se distrai a população com narrativas muito bonitas sobre a defesa da democracia, os donos do poder aprovam medidas que no espírito, se não na intensidade, estão perfeitamente alinhadas com o pensamento apresentado no Manifesto.
Por exemplo, em relação aos itens 2 e 3 da agenda citada, o parlamento de Banânia aprovou recentemente – a toque de caixa, à sorrelfa, de socapa (eu estava esperando uma oportunidade de usar essas expressões!) – uma reforma tributária que não estabelece sequer quais serão as alíquotas aplicadas, nem que produtos e serviços serão enquadrados no imposto seletivo, nem a forma como o conselho federativo vai centralizar e redistribuir recursos dos estados e municípios. Mas tudo isso, é claro, em nome da justiça social e da defesa do meio-ambiente. Quem pode ser contra?
Ora, parece evidente e justa a ideia de que os mais pobres paguem, proporcionalmente, menos impostos que os mais ricos. Mas será que é isso mesmo que vai acontecer? Toda ideia pode ser usada para o bem e para o mal. Na ausência de cenários claros, estudos já sugerem que, na prática, os pobres serão mais uma vez penalizados.
Por exemplo, se entendi direito, já está assegurada na reforma a tributação progressiva sobre heranças. A revolução não tem pressa, não vai expropriar ninguém. Mas, a longo prazo, impostos fortemente progressivos permitem que, em poucas gerações, a transmissão de patrimônio conquistado a duras penas por um trabalhador pensando no futuro dos seus filhos e netos fique tão onerosa que, na prática, esse patrimônio deixará de existir, passando às mãos do Estado. E, ao que parece, a radicalização da ideia de progressividade não se limitará às heranças.
Será isso que se chama de “socialismo tributário”? O conceito é explicado com clareza neste artigo acadêmico, cujo objetivo é “demonstrar como a elevada carga tributária para as pessoas jurídicas e pessoas físicas, aliada a uma excessiva burocracia nas obrigações acessórias impostas pelo fisco, conduzem os contribuintes para um modelo de socialismo tributário, onde o Estado, através do controle da tributação, passa a controlar a economia e atividades empresariais e pessoais, consequentemente afetando o mercado de consumo e o contribuinte pessoa física, pois, no final das contas é ele que arca com o ônus da tributação”.
Ainda bem que não vivemos em Banânia.
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