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Luciano Trigo

Luciano Trigo

Teoria dos Jogos

Donald Trump e o jogo do frango

Trump deixou claro que vai conduzir sua política externa na base do “jogo do frango”, um caso clássico de interação estratégica. (Foto: miniformat65/Pixabay)

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A mensagem já foi dada, em alto e bom som: Donald Trump não vai hesitar em retaliar todos aqueles que ele perceber como inimigos de seu governo. A primeira vítima foi Gustavo Petro, presidente da Colômbia, que se fez de valente e teve que voltar atrás em menos de 24 horas, no episódio dos aviões com imigrantes ilegais deportados.

Petro ainda tentou lacrar, em uma ridícula carta aberta endereçada ao presidente dos Estados Unidos. Mas bastou Trump anunciar tarifas de 25% sobre produtos colombianos e a revogação de vistos de autoridades do país para o tigrão virar tchutchuca. Foi a humilhação pública de um presidente que já não é dos mais populares em seu país.

Até aqui, as referências de Trump ao Brasil não foram das mais lisonjeiras. Ontem mesmo, dias após declarar que os Estados Unidos não precisam de nós, o homem-laranja afirmou que o Brasil, a China e a Índia tentam prejudicar a América, sendo, portanto, candidatos preferenciais a um tarifaço.

Nesse contexto, não parece inteligente tentar competir com Trump no terreno das bravatas. Porque ele já deixou claro para o mundo que vai conduzir sua política externa na base do “jogo do frango” (“game of chicken”).

Na Teoria dos Jogos, o jogo do frango é um caso clássico de interação estratégica. Ele é usado para ilustrar situações em que o resultado depende das escolhas dos atores envolvidos. O jogo pode ajudar a modelar litígios internacionais, negociações comerciais e até decisões do cotidiano, como disputas por liderança ou espaço.

No exemplo mais famoso do jogo do frango, dois motoristas aceleram um em direção ao outro numa pista em linha reta, em rota de colisão: o primeiro a amarelar e desviar perde. Ambos os jogadores têm incentivos para parecer corajosos e firmes. Mas quem ceder será visto como fraco e "arregão".

Daí o nome do jogo: no inglês americano, pessoas fracas ou medrosas são chamadas de “chicken”. Mas a origem pode ser outra: uma disputa comercial entre os Estados Unidos e a Europa na década de 1960, que ficou conhecida como a “Guerra dos Frangos”. Em dezembro de 1963, o presidente Lyndon Johnson anunciou que iria impor tarifas elevadas sobre quatro produtos importados da Europa, como retaliação à queda drástica na exportação do frango americano.

Uma variante do jogo ganhou notoriedade em uma cena do filme "Juventude Transviada" (1955), estrelado por James Dean: dois jovens disputam uma corrida de carros em direção a um penhasco. Ganha quem demorar mais a saltar do carro para evitar a morte.

É claro que, se nenhum dos jogadores envolvidos ceder, ambos podem perder tudo, inclusive a vida. Já se os dois cederem, ninguém sai ferido, mas ambos perdem a chance de ganhar algo significativo.

Mas geralmente alguém cede: o lado mais fraco.

Pois bem, o governo brasileiro decidiu pedir explicações ao governo americano sobre o uso de algemas em imigrantes ilegais deportados – praxe nos voos do gênero, aliás seguida em dezenas de ocasiões pelo governo Biden, sem causar nenhuma estranheza naqueles que agora se escandalizam. Até agora fomos solenemente ignorados.

Ambos os jogadores envolvidos têm incentivos para demonstrar firmeza: mostrar força contra líderes progressistas, como Lula e Petro, pode agradar à base conservadora de Trump nos Estados Unidos. Por outro lado, resistir às pressões de Trump pode melhorar a imagem de Lula junto à sua base progressista no Brasil.

O Brasil, como fez a Colômbia, pode estar entrando em um arriscado jogo do frango, já que é seguramente a parte mais fraca, aquela que tem mais a perder

Mas, ao tentar transformar o episódio em um embate diplomático, o Brasil, como fez a Colômbia, pode estar entrando em um arriscado jogo do frango, já que é seguramente a parte mais fraca, aquela que tem mais a perder. Evitar tensões desnecessárias, priorizando o diálogo e a cooperação, seria mais vantajoso para preservar a estabilidade econômica e diplomática.

Apostar no confronto com os Estados Unidos pode ter consequências sérias para o nosso país: o enfraquecimento das relações bilaterais pode levar ao isolamento diplomático e, o que é mais grave, Trump pode impor sanções e barreiras comerciais que seriam desastrosas para as nossas exportações, comprometendo setores-chave da nossa economia. Políticas protecionistas contra produtos brasileiros afetariam diretamente o real e a Bovespa, além de afugentar investimentos estrangeiros no país.

O confronto também poderia impactar a área da Segurança, congelando transferências de tecnologia, programas de treinamento e acordos estratégicos, com riscos geopolíticos difíceis de mensurar. Caso o confronto envolva questões de segurança nacional para os Estados Unidos, como um eventual alinhamento do Brasil com a China ou a Rússia, a pressão será ainda maior.

Reparem que, no caso de Gustavo Petro, Donald Trump sequer precisou efetivamente taxar os produtos colombianos: bastou a ameaça. Daí a importância de uma diplomacia que trabalha para evitar confrontos, em vez de buscá-los.

Um exemplo disso já aconteceu, aliás, na relação entre o Brasil e os Estados Unidos, no primeiro mandato de Donald Trump. Vale a pena recapitular o episódio, já que a memória dos brasileiros é curta, ou mesmo curtíssima.

Em 2019, Trump ameaçou impor elevadas tarifas sobre o aço e o alumínio importados do Brasil, durante o governo de Jair Bolsonaro. A justificativa era que o governo brasileiro estaria desvalorizando artificialmente o real para tornar suas exportações mais competitivas– prejudicando, assim, a economia americana.

Mas Trump acabou recuando da ideia, após negociações entre os dois governos. É claro que pesou nessa negociação o fato de Bolsonaro ser um aliado próximo de Trump, com quem se alinhava em diversas questões internacionais.

O governo brasileiro solicitou uma reunião e explicou que a desvalorização do real em relação ao dólar era consequência de fatores de mercado e não de uma política deliberada do governo brasileiro. Além disso, destacou que o Brasil era um grande comprador de produtos agrícolas americanos.

A decisão de não impor as tarifas foi anunciada depois que Trump teve uma conversa direta com Bolsonaro e membros de sua equipe econômica, incluindo o então ministro Paulo Guedes. Essa postura evitou danos desnecessários à economia e à reputação global do Brasil. O episódio ilustra como relações amistosas entre dois países podem influenciar decisões comerciais estratégicas.

Se Trump retomar a ideia de taxar o aço e o alumínio brasileiros, o que não é improvável, as consequências serão péssimas para o Brasil. Como os Estados Unidos são um dos nossos maiores mercados, as tarifas reduziriam as exportações, pressionando as nossas siderúrgicas.

Estas teriam que buscar mercados alternativos, menos lucrativos ou já saturados, gerando excesso de oferta e queda de preços. Haveria, por fim, perda de competitividade global para países como México e Canadá, que têm acordos comerciais preferenciais com os EUA.

Se e quando isso acontecer, resta saber se o Brasil buscará o diálogo e a negociação, como fez no primeiro mandato de Trump, ou se escolherá o caminho da lacração e do confronto.

A temporada do jogo do frango está aberta.

Conteúdo editado por: Aline Menezes

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