Apesar de ser um cinéfilo inveterado e de ter exercido por muitos anos a atividade de crítico de cinema, já faz tempo que desisti de assistir ao Oscar. Perdi o interesse na cerimônia a ponto de nem saber mais dizer que filmes estão concorrendo. Tudo ali me é estranho e indiferente.
O Oscar não é mais sobre cinema. Virou uma maratona de lacração nonstop e bom-mocismo fake, recheada de piadas de mau gosto e de figurinos cafonas. E o objetivo não é mais premiar o talento, e sim promover uma suposta justiça social compensatória e a representatividade identitária – pertencer a determinado gênero, etnia ou orientação sexual (ou, pior ainda, defender determinada ideologia) é o que conta.
Como se tudo isso não bastasse, o Oscar agora também virou palco de sopapos ao vivo. E as pessoas ainda acham bonito. Que triste.
Parece que a tendência deste ano entre os virtuosos hollywoodianos foi protestar contra a invasão da Ucrânia usando uma fita azul com a frase “With refugees” (“Com os refugiados!”). Oh! Uma lágrima correu pelo rosto de Putin. E a vida dos refugiados melhorou muito depois dessa manifestação tão generosa de apoio.
Parafraseando o menino Neymar, senti saudade do que não vivi quando me deparei com a foto abaixo, tirada nos bastidores do Oscar de 1956. Ela mostra Audrey Hepburn e Grace Kelly se preparando para entrar no palco, para apresentar os vencedores de melhor ator e melhor filme daquele ano.
As duas, aliás, já tinham recebido o Oscar de melhor atriz – Audrey Hepburn em 1954, por sua atuação no filme “A princesa e o plebeu” (“Roman Holiday”, dirigido por William Wyler, com roteiro de Dalton Trumbo), e Grace Kelly no ano seguinte, por “Amar é sofrer” (“The Country Girl”, de George Seaton, com um elenco que também contava com Bing Crosby e William Holden).
Não parece exagero dizer que hoje a elegância e a beleza das duas atrizes soariam ofensivas à militância dita progressista (seriam, no mínimo, chamadas de gordofóbicas pelos militantes do sobrepeso lacrador). Classe incomoda, é coisa do passado. Legal mesmo é lacrar, usar vestidos tão ridículos quanto caros e – por que não? – subir no palco e embolachar um colega depois de uma piada cafajeste. É, o nível baixou muito.
Um filme deve ter seu elenco determinado pelas necessidades internas do enredo e dos personagens, não como imposição externa da indústria para cumprir cotas e agradar à mídia lacradora
Na festa do Oscar, o cinema hoje é coadjuvante. Vale lembrar que desde 2020 vigoram oficialmente, entre outras, as seguintes recomendações da Academia de Artes e Ciência de Hollywood para um filme concorrer à estatueta principal, independentemente do tema ou do enredo:
- entre os atores principais ou coadjuvantes importantes, pelo menos um deve integrar algum dos seguintes grupos étnicos: asiáticos, hispânicos, negros, indígenas, do Oriente Médio, do Norte da África, havaianos ou de outras ilhas do Pacífico e outras etnias sub-representadas;
- pelo menos 30% dos atores em papéis secundários precisam integrar dois dos seguintes grupos: mulheres, grupos raciais ou étnicos, grupos LGBTQI+ e pessoas com deficiências cognitivas ou físicas.
Além disso, recomenda-se que filmes cujos protagonistas sejam mulheres, pessoas LGBTQI+ e pessoas com deficiências cognitivas ou físicas devem ter precedência aos olhos dos votantes sobre filmes protagonizados por homens hetero, aka "machos escrotos" (porque homem hetero é hoje sinônimo de macho escroto).
Ora, evidentemente a diversidade no cinema é algo positivo e desejável, mas as distorções geradas por regras assim são tão evidentes que chega a dar preguiça explicar. Por óbvio, mesmo quando é apenas entretenimento – e mais ainda quanto tem pretensões a obra de arte – um filme deve ter seu elenco determinado pelas necessidades internas do enredo e dos personagens, não como imposição externa da indústria para cumprir cotas e agradar à mídia lacradora.
Depois reclamam da audiência em queda: este ano foram 13,7 milhões de espectadores, uma fração dos 57,3 milhões de espectadores que assistiram à cerimônia do Oscar de 1998 (o ano de “Titanic”). Isso somente nos Estados Unidos.
Li recentemente um diagnóstico anônimo perfeito: hoje os profissionais de Hollywood estão mais preocupados com o ‘merchandising social’ do que em realizar bons filmes; o resultado é um cinema que não dialoga mais com o público e que pode acabar atraindo antipatia às causas que supostamente homenageiam.
É o que acontece quando o que sobra em lacração falta em conteúdo. Porque você pode impor a um filme as regras mais estapafúrdias, mas não pode obrigar o cidadão comum a sair de casa e pagar ingresso para ver esse filme.
Por fim, sobre a bolacha: não faz diferença se foi espontânea ou encenada. Nem sei o que é pior. Só me pareceu que foi um tapa muito coreográfico, como se tivesse sido ensaiado. Numa época em que vale tudo para virar assunto, “engajar” internautas e viralizar nas redes sociais, não me surpreenderia se fosse apenas mais um truque de mau gosto, uma polêmica fabricada para tentar turbinar uma cerimônia decadente.