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Felacrapá 2: o festival de lacração não pode parar
| Foto: Reprodução Twitter

No artigo “Felacrapá: o Festival de Lacração que Assola o País”, publicado há exatamente 1 ano, listei uma série de notícias que ilustravam a epidemia de lacração que tomou conta da sociedade brasileira. O título fazia homenagem ao “Febeapá – Festival de Besteiras que assola o país”, criado pelo genial cronista Sérgio Porto (aka Stanislaw Ponte Preta) em 1966.

Para quem ainda não sabe, “lacrar” é ostentar virtude aderindo a bandeiras progressistas ou identitárias e surfar na insanidade do “ódio do bem”. Embora todos os lacradores posem de bons moços, o que importa não é ajudar ninguém de verdade, é ficar bem na foto e ser reconhecido pelos iguais como membro do grupo; é renovar diariamente a carteirinha de guerreiro da justiça social – mesmo sem sair do sofá – e ganhar biscoitos no Facebook e no Instagram; e, é claro, continuar sendo convidado para festas e baladas.

Pois bem, o Felacrapá continua firme e forte no Brasil. Seria necessário um livro inteiro para relatar os episódios mais notáveis de lacração que aconteceram desde a publicação do primeiro artigo. Está ficando até difícil acompanhar. Selecionei quatro, recentíssimos, que comento brevemente a seguir.

Havaianas “agênero”

Há pelo menos 50 anos, desde o final da década de 60, existem roupas e calçados unissex. Mas a Havaianas decidiu revolucionar o mercado, com o lançamento mais ousado e disruptivo da História da moda: o tênis agênero!

Morri!

Gente, como ninguém pensou nisso antes? Talvez porque somente hoje seja possível uma iniciativa tão ousada e arrojada. Todo mundo sabe que até outro dia só existiam homens e mulheres heterossexuais (estas oprimidas, aqueles opressores) - e que qualquer orientação sexual alternativa era punida com a prisão e a morte.

A revolução sexual dos anos 60 e 70 é pura fake news: antes da chegada dos “millenials” e da “Geração Z” (e antes do progressismo de rede social), as mulheres não podiam trabalhar fora de casa, e gays eram atirados do alto de prédios. Lojas que vendessem roupas unissex eram apedrejadas e obrigadas a fechar as portas.

Se hoje podemos entrar em um shopping center e comprar um tênis agênero é graças à coragem e à resistência das novas gerações!

A loja de departamentos C&A foi outra que aproveitou o inédito clima de liberdade que vivemos (mesmo em plena ditadura) para apostar no marketing de lacração: há poucos meses ela lançou uma coleção “genderless”, para atender à “gender free zone”. O objetivo, é claro, não é faturar em cima da lacração, mas “lançar luz sobre o assunto”.

Aguardamos ansiosamente o próximo passo dessas marcas em sua luta pela diversidade: trocar o nome para “Havaianes” e “C&E”!

Violência menstrual

Essa eu confesso, envergonhado, que tive que pesquisar no Google para entender do que se trata. No último dia 10, foi lançada na Bahia a “Campanha de Combate à Violência Menstrual”.

Bem, a definição é a seguinte: violência menstrual é a “falta de acesso das pessoas que menstruam (mulheres, meninas, meninos trans e não binários) a recursos, infraestrutura e conhecimento para que tenham plena capacidade de cuidar da sua menstruação”.

(Alerta para quem ainda não aprendeu: não se pode mais escrever “mulheres”, porque isso é ofensivo para quem menstrua, mas não se identifica como mulher. Somente fascistas empregam hoje a palavra “mulheres” para se referir às... mulheres.)

Até outro dia, esse assunto era tabu. As pessoas que menstruam não tinham acesso a informações sobre esse tema, nem dentro de casa: mães que esclareciam e educavam as filhas eram perseguidas e podiam ser até presas. Somente agora, em 2021, as pessoas que menstruam possam combater abertamente a violência menstrual.

E atenção! Só fica incomodado com esse tema quem não assistiu ao vídeo revolucionário de uma youtuber/digital influencer que menstruou em plena live, na semana passada.

Ela seguiu fazendo a live, mesmo com o sangramento aparente, porque é fundamental “normalizar” o ciclo menstrual – já que até ontem, todo mundo sabe, o ciclo era algo anormal. A youtuber concluiu fazendo uma declaração que deve ter deixado os fascistas em estado de choque: “Mulher sangra”.

Foi preciso chegar a 2021 para uma pessoa que menstrua poder declarar isso em público! Mas não podemos parar aqui: precisamos normalizar outras funções biológicas do corpo humano, que ainda hoje são tabu! Por exemplo... Deixa pra lá.

Elogios fascistas

Em um intervalo de poucos dias, duas atrizes ocuparam a vanguarda do pensamento lacrador, fortalecendo o importante movimento de luta para silenciar e reduzir à sua insignificância os homens heterossexuais (um subgrupo das “pessoas que não menstruam” também conhecido como “machos escrotos”).

A primeira participou de um quadro de um programa vespertino, dançando funk. O funk, como se sabe, é uma dança de empoderamento feminino que presta uma contribuição maravilhosa para a luta por igualdade de direitos entre os sexos. Todas as letras de funk, inclusive, são uma afirmação do respeito e, mais que isso, da submissão dos homens às mulheres.

Pois bem, em pleno 2021, o apresentador do programa e um dos jurados do quadro declararam, diante da performance da atriz, respectivamente: “Fiquei com calor” e “Que dança foi essa?”. É muita falta de noção. Obviamente, a atriz reagiu: “Eles fizeram comentários que não foram legais”, protestou no dia seguinte, em uma entrevista.

Outro fascista que não fez um comentário legal teve a resposta que merecia. Foi quando a segunda atriz postou uma foto com um generoso decote em uma rede social, e um seguidor comentou: “Seios lindos”. Para quê? A atriz reagiu na lata: “Você é machista e invasivo! Não pedi sua opinião! Quando uma mulher não pedir sua opinião não dê! Homens!!! Pelo amor de Deus aprendam!!!” O fascista pediu desculpas.

“Não aceito dialogar”

Mas o prêmio Felacrapá vai para um escritor. Isso mesmo. Também na semana que passou, um escritor retirou seu livro da lista de obras inscritas em um prêmio literário, devido à presença do filósofo Eduardo Wolf e do escritor Martim Vasques da Cunha na curadoria do prêmio. Porque, segundo o autor-lacrador, são “figuras da extrema direita brasileira”: “Não aceito dialogar com gente desse nível”, afirmou.

Ora, é preciso muita coragem para retirar um livro de um prêmio literário, precisamos reconhecer. Só mesmo um herói da resistência é capaz de um gesto tão ousado e perigoso. Mas ele está certíssimo: deveríamos, inclusive, censurar as obras dos autores citados. Seus livros precisam ser queimados em praça pública, para que nunca mais livros sejam queimados em praça pública (ops!). Precisamos censurar esses fascistas, enquanto gritamos “Censura nunca mais!” (ops de novo!).

Aliás, segundo o escritor-lacrador, entre os autores de “extrema-direita” que merecem entrar no Índex das obras a serem incineradas na luta por mais democracia e tolerância estão Roger Scruton, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek e Michael Oakeshott – definidos como “ideólogos extremistas” que “sequer merecem ser estudados nas universidades".

(Este caso ilustra uma forma muito fácil de lacrar: basta acusar alguém de fascismo e correr pro abraço! Mas sobre isso falarei em outro artigo.)

É este o tamanho do buraco em que estamos metidos. A lista poderia prosseguir, incluindo a mudança de rótulo do centenário Leite Moça, os sucos de frutas “para todes”, e a moda do bigode feminino. Mas é melhor parar por aqui.

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