Detalhe do quadro “A morte de Sêneca”, de Rubens (1615)| Foto: Reprodução
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Segundo uma reportagem publicada na semana passada, o Estoicismo está na moda. Moda é uma palavra que não combina muito com Filosofia, mas não importa. O fato é que, por coincidência, estou relendo as 124 cartas de Sêneca ao jovem Lucílio, a melhor introdução possível ao pensamento estoico. Chamou a minha atenção, particularmente, a oitava carta, que tem como tema a relação do indivíduo com a multidão, que comento a seguir.

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Antes, uma breve recapitulação. O Estoicismo é uma doutrina fundada por Zenão na Grécia antiga, por volta de 300 a.C., e aprimorada, ao longo de séculos, por sucessivas gerações de pensadores que pregaram a temperança, à indiferença às paixões e a aceitação resignada do destino como únicos caminhos para a sabedoria e a felicidade.

No Império Romano, o pensamento estoico foi adotado pelo imperador Marco Aurélio e conheceu grande popularidade até 529 d.C., quando o imperador Justiniano mandou fechar todas as escolas filosóficas que pudessem contrariar os preceitos da fé cristã. Ainda assim, por sua ênfase no respeito rígido a princípios morais, considera-se que o Estoicismo influenciou profundamente a ética do cristianismo.

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Conselheiro e tutor de imperadores, famoso como advogado e orador, Sêneca foi o principal representante do Estoicismo no Império Romano. Um de seus parágrafos mais citados diz o seguinte:

"A maioria dos homens míngua e flui em miséria entre o medo da morte e as dificuldades da vida; eles não estão dispostos a viver, e ainda não sabem como morrer. (...) Nenhuma coisa boa torna seu possuidor feliz, a menos que sua mente esteja harmonizada com a possibilidade da perda; nada, contudo, se perde com menos desconforto do que aquilo de que, quando perdido, não se sente falta. Portanto, encoraje e endureça seu espírito contra os percalços que afligem até os mais poderosos."

Sêneca foi fiel ao seu pensamento até na morte: acusado de participar de um complô contra o infame Nero, ele cometeu suicídio por ordem do imperador incendiário, em 65 d.C. Antes disso passou por várias atribulações que puseram sua coerência à prova, incluindo a saúde frágil, 10 anos de exílio em condições materiais precárias, uma acusação de adultério e uma conspiração para assassiná-lo, comandada por Calígula.

As principais obras de Sêneca são seus ensaios morais, que incluem “Da brevidade da vida”, “Sobre a clemência” e “Sobre a tranquilidade da alma”. As 124 cartas ao seu jovem amigo Lucílio foram escritas pelo filósofo em seus últimos anos de vida, entre 63 e 65 d.C. Elas incluem reflexões sobre o “bem viver”, recomendações de leituras, reminiscências pessoais e comentários sobre os vícios da sociedade romana.

Para Sêneca, a função da Filosofia era pedagógica: formar os homens para o exercício da virtude. Vejamos então o que ele diz na carta sobre o tema das multidões. É um texto mais útil que muitos manuais de autoajuda – considerando que, hoje, as multidões estão também nas redes sociais, que dispensam a proximidade física mas são igualmente perigosas:

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“Você me pergunta o que você deve considerar evitar em especial? Eu digo, multidões; (...) porque eu nunca trago de volta para casa o mesmo caráter que eu levei para fora comigo.

Algo do que eu tenho forçado a ficar em paz dentro de mim é perturbado; alguns dos inimigos que eu havia eliminado voltam novamente.”

“Volto para casa mais ganancioso, mais ambicioso, mais voluptuoso e ainda mais cruel e desumano, porque eu estive entre os seres humanos. (...) O amigo da família, se ele é luxuoso, nos enfraquece e suaviza imperceptivelmente; o vizinho, se for rico, desperta nossa cobiça; o colega, se ele for calunioso, dissipa algo de seu bolor em cima de nós, mesmo que nós sejamos impecáveis e sinceros. Qual então você acha que será o efeito sobre o caráter, quando o mundo em geral o assalta! Você deve imitar ou abominar o mundo.”

“Mas ambos os cursos devem ser evitados; você não deve copiar o mau simplesmente porque eles são muitos, nem você deve odiar os muitos, porque eles são diferentes de você. Concentre-se em si mesmo, tanto quanto puder. Associe-se com aqueles que irão lhe fazer um homem melhor. Dê boas-vindas àqueles que podem fazer você melhorar. O processo é mútuo;

pois os homens aprendem enquanto ensinam.”

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“Ligar-se à multidão é prejudicial; (...) quanto maior a multidão com que nos misturamos, maior o perigo. Mas nada é tão prejudicial ao bom caráter como o hábito de frequentar os estádios; pois é lá que o vício penetra sutilmente por uma avenida de prazer.”

“O jovem caráter, que não consegue se manter íntegro, deve ser resgatado da multidão; é muito fácil tomar o partido da maioria. Mesmo Sócrates, Catão e Lélio poderiam ter sido abalados em sua força moral por uma multidão que era diferente deles.”

“Não há razão para que o orgulho em divulgar suas habilidades deva atraí-lo para a notoriedade, de modo a faze-lo desejar recitar ou discursar frente ao público. (...) Você pode dizer: "Com que propósito eu aprendi todas essas coisas?" Mas você não precisa recear ter desperdiçado seus esforços; foi por si mesmo que você aprendeu. (...) Coloque estas palavras no coração, Lucílio, que você pode desprezar o prazer que vem dos aplausos da maioria. (...) Suas boas qualidades devem focar para dentro. Mantenha-se forte. Mantenha-se bem.”