| Foto: Reprodução Instagram
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Como vimos no artigo anterior, “Um pensador de esquerda que precisa ser lido”, Louis Althusser investigou o papel da escola como aparelho ideológico de Estado, que reproduz os valores que mascaram e manipulam a representação da realidade - de maneira a perpetuar no poder e atender aos interesses de determinado campo político.

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O filósofo se referia, criticamente, à escola no sistema capitalista, que também foi objeto de estudo de Pierre Bourdieu em livros como "A distinção". Mas parece evidente que basta inverter os sinais para aplicar o mesmo raciocínio à Escola com Partido, que ajuda a entender a persistência da força das esquerdas no Brasil e em outros países da América Latina.

A escola seria apenas um entre diferentes aparelhos ideológicos de Estado, mas Althusser já o considerava o mais importante deles (como foi a Igreja, no passado) na época da publicação de seu livreto sobre o tema, no final da década de 60.

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Isso porque o sistema educacional realizaria duas funções indispensáveis para a reprodução do sistema social “burguês”: a reprodução de valores culturais associados à tradição e a reprodução da estrutura de classes baseada na exploração. Essas funções se realizavam, justamente, por meio de um projeto pedagógico de massa, que envolvia a doutrinação e a alienação dos estudantes ao longo de todo o ciclo escolar.

Escreve Althusser: “Ora, o que se aprende na escola? (...) A escola ensina também as ‘regras’ dos bons costumes: (...) regras da moral, da consciência cívica, (...) regras de respeito pela divisão social-técnica do trabalho, pela ordem estabelecida, pela dominação de classe”. O que se busca com isso é a “...reprodução da submissão (...) às regras da ordem estabelecida, isto é, uma reprodução da submissão à ideologia dominante. (...) Todos devem estar, de uma maneira ou de outra, ‘penetrados’ dessa ideologia, para desempenharem conscienciosamente a sua tarefa, quer de explorados (...), quer de exploradores (...).”

Pois bem, no Brasil, já há várias gerações, o que vem sendo posto em prática nas salas de aula e mesmo em muitas igrejas não é um trabalho de reprodução dos valores associados à tradição e à liberdade – que supostamente contribuiriam para a manutenção do status quo; mas, ao contrário, um lento e laborioso processo de consolidação de uma nova hegemonia, independente do sistema formal da política e em tudo contrária à tradição e à liberdade - começando pela liberdade de expressão.

É preciso ressaltar que esse processo não começou com a chegada do PT ao poder, em 2003. Ao longo das últimas quatro décadas, nas salas de aula das escolas e universidades públicas e privadas a ideologia sistematicamente difundida foi a da esquerda. Corações e mentes de sucessivas gerações de estudantes foram formatados para a futura conquista e ocupação do Estado por um partido de cunho socializante.

Esse processo tampouco se encerrou com a saída do PT do poder, em 2016: ele se prolonga a cada dia, com efeitos que ainda se farão sentir por muitos anos, mesmo que a esquerda não volte ao comando da nação - e mesmo que todos os exemplos do passado e do presente demonstrem de forma contundente que o socialismo sempre fracassa miseravelmente e sempre termina em censura, sofrimento e miséria.

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Criou-se um ambiente em que vence quem fala mais alto, e no qual pequenos grupos ressentidos e barulhentos perseguem quem pensa de forma diferente e impõem sua vontade à maioria silenciosa, tudo na base do grito, da intimidação e do constrangimento

Esse fenômeno da apropriação, pela esquerda, da escola e da universidade como ferramentas do embate político e espaços de doutrinação não foi exclusividade do Brasil, mas aqui apresentou algumas peculiaridades.

Althusser fala do aprendizado da consciência cívica; ora, na Novilíngua da esquerda, “civismo” foi uma das palavras transformadas em palavrão. Não por acaso, a matéria “Educação Moral e Cívica”, que fazia parte dos currículos do ensino básico (com algumas variações na nomenclatura da matéria), foi abolida, com o pretexto de que ela estaria associada à ditadura militar.

Mas não se aboliu apenas uma disciplina escolar – fundamental para a formação das crianças por lhes ensinar coisas básicas: por exemplo, que a cada direito corresponde um dever, lição que não se aprende mais em sala de aula (hoje só se ensinam diretos, e nenhum dever). A própria ideia de civismo como um valor positivo foi exterminada: da mesma forma que a meritocracia, o civismo passou a ser percebido como algo negativo.

A verdade é que não há projeto de nação que possa dar certo sem civismo, isto é, sem aquele conjunto de atitudes e comportamentos, baseados em valores compartilhados, que os cidadãos assimilam e praticam na defesa do interesse comum, como um cimento indispensável para a vida em sociedade.

Nada disso existe mais, ou existe muito pouco: agora é cada um por si. Já não existem valores compartilhados: vivemos uma guerra de todos contra todos, que se aproxima perigosamente do estado de natureza  descrito por Hobbes, no qual o medo é o sentimento dominante. O medo faz as pessoas agirem conforme a direção do vento, não conforme princípios e valores.

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Mas não é só isso: a própria ideia de moral, que fazia par com a ideia de uma educação cívica, foi relativizada e distorcida a tal ponto que o próprio combate à corrupção passou a ser desqualificado como “moralista” por parte de certa militância.

Aos olhos das gerações de jovens formados na Escola com Partido, a ética passou a ser percebida como coisa de pequeno-burguês, e o carimbo de “moralista” na testa de quem defendia a Operação Lava-Jato, por exemplo, se tornou mais vergonhoso que o carimbo de “corrupto” na testa de determinados políticos “do bem”.

“Moralista”, no sentido negativo da palavra, também passou a ser considerada qualquer defesa da família, da disciplina, do sacrifício, da autoridade, da lealdade, da honestidade, em suma, de quaisquer instituições e valores identificados como conservadores – aliás, outra palavra torturada a ponto de ganhar um novo significado: "conservador" virou sinônimo de "opressor". Por sua vez, palavras como "censura", outrora nojentas, ganharam uma carga semântica positiva (se não a palavra, certamente a prática). É este o resultado de décadas de lavagem cerebral deliberada.

Rompidos os laços simbólicos entre as pessoas promovidos pela família, pelo senso de civismo e por uma educação universal de qualidade, cria-se uma sociedade dividida em tribos e facções sempre prontas a se agredir e devorar; um ambiente sem qualquer contrato social, no qual vence não quem tem os melhores argumentos, mas quem fala mais alto e se declara mais indignado e virtuoso.

O que prevalece hoje é um ambiente no qual pequenos grupos ressentidos e barulhentos se apropriam e distorcem bandeiras legítimas de minorias, perseguem quem pensa de forma diferente e impõem sua agenda e sua vontade à maioria ordeira e silenciosa da população – tudo na base do grito, da intimidação e do constrangimento – e com apoio da grande mídia, sabe-se lá com que interesses.

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Isso está acontecendo todos os dias, diante dos nossos olhos: intelectuais e mesmo pessoas comuns que ainda teimam em remar na contracorrente do novo dogma são perseguidos, linchados moralmente, execrados publicamente e atirados na fogueira da nova Inquisição por hordas de militantes e inocentes úteis, empoderados pelas redes sociais e unidos na mesma baba de covardia e ódio (do bem).

Pensar com a própria cabeça virou um crime hediondo: nada de bom pode vir daí.