Assisti ao longa-metragem “Nosferatu”, de Robert Eggers. Trata-se da terceira adaptação cinematográfica da mesma história, depois do clássico expressionista de F.W.Murnau (1922) e da excelente versão de Werner Herzog (1979). Talvez seja a mais fraca das três, é preciso dizer.
Ainda assim, é um filme impactante, uma metáfora poderosa das angústias atemporais e dos medos universais que afligem o ser humano – angústias e medos que ganham novas configurações a cada contexto histórico. Com uma narrativa sombria e carregada de símbolos, a história de “Nosferatu” reverbera no presente tanto quanto reverberou nas décadas de 1920 e 1970.
“Nosferatu” é muito mais do que uma história de terror. É um filme sobre a natureza do mal e a necessidade de resistirmos a ele. O personagem-título é um vampiro, um ser demoníaco que usa seu poder para colocar em perigo a vida de um jovem casal e, em seguida, de uma comunidade inteira, em uma pequena cidade da Alemanha de 1838.
Em um clima onírico, a primeira cena mostra a angustiada Ellen (Lily-Rose Depp, filha do ator Johnny Depp com a cantora Vanessa Paradis) estendendo a mão para o vazio, em busca desesperada de alívio. Alguém já disse que o problema dos demônios é que, quando você os chama, eles realmente aparecem. E é um demônio que surge para consolar Ellen – e aprisioná-la para sempre.
O pesadelo vira realidade quando Thomas, marido de Ellen, visita um castelo em ruínas na Transilvânia, habitado pelo Conde Orlok. Chegando a uma estalagem do vilarejo vizinho, Thomas é aconselhado por moradores amedrontados a ficar longe do castelo, onde o mal habita – um mal do qual tentam se proteger realizando estranhos rituais ciganos.
Mas Thomas é um homem culto e moderno, que não acredita em superstições de gente ignorante. Previsivelmente, uma vez no castelo Thomas é vampirizado por Orlok, que se alimenta noite após noite de seu sangue e de sua energia vital. E, quando Nosferatu vê uma fotografia de Ellen, a atração é imediata. Mas chega de spoilers.
O problema dos demônios é que, quando você os chama, eles realmente aparecem
A história da Nosferatu autoriza diferentes interpretações. A primeira delas é psicanalítica: trata-se de uma narrativa simbólica que explora o inconsciente, os medos primordiais e os desejos reprimidos. Freud descreveu a repressão como o processo mental que empurra conteúdos indesejados para o inconsciente; mas esses conteúdos reprimidos acabam voltando, de forma disfarçada, frequentemente destrutiva.
Nesse sentido, o vampiro pode ser lido como o "retorno do reprimido": os desejos, medos e impulsos que os indivíduos e a própria sociedade tentam esconder, mas que acabam irrompendo como uma força destrutiva. Nosferatu seria a personificação dos desejos reprimidos de Ellen, relacionados a Eros e Thanatos, ao desejo e à morte.
Nosferatu também pode ser associado à peste e ao medo do contágio, símbolos de um terror coletivo compartilhado. É o que leva, em uma perspectiva freudiana, ao “mal-estar da civilização”, que se manifesta na forma de alienação, histeria social ou paranoia coletiva.
Já o gesto final de Ellen, que se sacrifica para derrotar o vampiro, pode ser interpretado como uma forma de sublimação, a transformação de impulsos primitivos em atos socialmente aceitáveis, ou mesmo espiritualmente elevados. Ao transformar seu desejo em arma contra o objeto de desejo que a atormenta, Ellen passa de escrava de sua própria sexualidade a senhora consciente de seu destino.
Mas o filme também permite outras interpretações, igualmente interessantes.
Em uma leitura sócio-política, a peste trazida por Nosferatu pode ser vista como metáfora da destruição do tecido social por ideologias nefastas, que corroem os valores e alicerces da vida em comunidade. Nessa leitura, o declínio dos valores familiares, a decadência cultural e a disseminação de agendas estranhas à tradição são hoje uma praga descontrolada, que, se não for combatida, demolirá todos os alicerces da civilização.
De um ponto de vista conservador, o vampiro pode ser interpretado como um símbolo da degeneração moral e espiritual que ameaça a sociedade. É uma força que corrompe tudo que é puro, a família, a ordem social e os valores enraizados. Sua chegada traz desordem, doença e morte, provoca a ruptura de um equilíbrio que precisa ser defendido.
O maior truque já realizado pelo diabo foi convencer o mundo de que ele não existe
O filme seria um alerta sobre os riscos de negligenciar os valores e tradições que nos trouxeram até aqui. Sua mensagem seria de afirmação da necessidade de preservar e proteger os pilares fundamentais da sociedade, frente às ameaças constantes – internas e externas – de corrosão e caos, que destroem a autonomia e a liberdade dos indivíduos.
Uma terceira interpretação é de cunho mais elevado. Há quem acredite que vivemos hoje uma batalha espiritual, uma guerra entre a luz e a escuridão, e não faltam sinais disso. Como diz uma frase atribuída a Baudelaire, o maior truque já realizado pelo diabo foi convencer o mundo de que ele não existe. Quanto menos acreditamos no mal, mais nos tornamos vulneráveis a ele.
O mal prospera na ignorância e na negação. A ignorância e a negligência o tornam ainda mais perigoso. Negar a existência dessa força já é uma forma de ceder à sua influência: quando ignorado ou desdenhado, o mal pode agir com mais liberdade, sem resistência. O que não é percebido não pode ser enfrentado. E o mal, muitas vezes, só é reconhecido quando já é tarde demais.
A destruição de Nosferatu é carregada de simbolismo. Ellen, com seu sacrifício, mostra que a luta contra forças destrutivas exige coragem, fé e compromisso. A mesma luz que elimina o vampiro representa, em muitas tradições conservadoras, a verdade, a ordem divina e a justiça.
Essa luta entre luz e escuridão é central em muitas visões conservadoras da sociedade, que enfatizam a necessidade de proteger o que é bom, verdadeiro e belo contra forças que trazem a destruição e a desordem. O sacrifício de Ellen simboliza a necessidade de uma luta moral constante para preservar o que é bom e verdadeiro.
Nosferatu está entre nós, e é preciso combatê-lo.
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