Os jogadores da seleção da Alemanha planejavam entrar em campo para a partida de ontem contra o Japão usando braçadeiras com as palavras “One Love” e as cores do arco-íris. Seria uma forma de protesto contra a perseguição a homossexuais no Catar, país-sede da Copa do Mundo.
A FIFA, ciosa da separação entre esporte e política – em carta assinada pelo presidente Gianni Infantino no início do mês, a entidade fez um apelo para que o futebol não fosse “arrastado para o campo de batalha ideológico” – ameaçou punir o capitão da equipe com um cartão amarelo. E isso bastou para os valentes atletas alemães abrirem mão das braçadeiras.
Oi?
Sim, a ameaça de um cartão amarelo para um único jogador bastou para fazer a seleção alemã desistir de protestar contra a violação a direitos humanos no Catar. Bastou a imagem de um singelo cartão amarelo para que os valentes alemães amarelassem (desculpem o trocadilho).
Isso sugere que o compromisso desses atletas com a defesa dos direitos humanos não é assim tão grande. Na verdade o compromisso é com a lacração, não com as vítimas reais das perseguições no Catar.
Mas, mesmo abrindo mão das braçadeiras, os bravos alemães tomaram uma atitude que exigiu muita coragem: posar para a foto oficial da partida tapando a boca com as mãos.
Oh! Depois desse protesto tão ousado e transgressor, tenho certeza que o governo do Catar vai parar de perseguir homossexuais e outras minorias.
No Catar, vale lembrar, relações íntimas entre pessoas do mesmo sexo são crime sujeito a até sete anos de prisão, segundo os artigos 285 e 296 do Código Penal do país.
Já as mulheres enfrentam discriminação generalizada, submetidas a um sistema legal de tutela masculina: elas precisam da autorização de um homem (pai, marido ou irmão) para casar, estudar ou trabalhar. O divórcio é muito difícil, e, ficar com a guarda dos filhos após o divórcio é quase impossível.
Se quisessem mesmo protestar contra as violações dos direitos humanos no Catar, a única atitude digna por parte desses atletas seria muito simples: boicotar a Copa
Mas os valorosos atletas que ganham milhões de dólares para correr atrás de uma bola acham que a solução é posarem de virtuosos nas redes sociais, usando braçadeiras ou tirando fotografias com a boca tampada.
“Direitos humanos são inegociáveis!”, declarou o goleiro Neuer. São inegociáveis, mas ele está lá no Catar, jogando e valorizando seu passe, enquanto fora dos estádios mulheres e gays continuam sendo perseguidos. Hipocrisia, a gente vê por aqui.
A mesma coisa, aliás, aconteceu na COP 27, no Egito, onde líderes mundiais (incluindo alguns ditadores), celebridades e empresários bilionários posaram de bons moços lacrando pela defesa do meio-ambiente, enquanto não muito longe dali presos políticos eram torturados ou faziam greve de fome em celas imundas.
E não foi só a Alemanha – que, aliás, perdeu a partida para o Japão – que aderiu ao bom-mocismo fake nesta Copa: a Dinamarca, vejam que protesto fofo, tinha encomendado especialmente para a ocasião um uniforme com o “visual apagado”, como forma de protesto contra as violações aos direitos humanos no Catar.
A Hummel, empresa fornecedora dos uniformes, declarou em um post nas redes sociais: “Com as novas camisas da seleção dinamarquesa, queríamos enviar uma mensagem: (...) um protesto contra o Catar e seu histórico de direitos humanos. É por isso que atenuamos todos os detalhes das novas camisas da Dinamarca para a Copa do Mundo. (...) Não queremos ser visíveis durante um torneio que custou a vida de milhares de pessoas”.
De novo: Oh! O governo do Catar quase caiu por causa do visual apagado do uniforme da seleção dinamarquesa. Agora vai.
O final do post da Hummel faz referência à morte de milhares de trabalhadores asiáticos contratados para construir e reformar ou estádios, em condições de trabalho análogas à da escravidão. Mas tudo bem: basta usar um uniforme com as cores apagadas para aceitar jogar de boa nesses estádios, com a consciência limpinha.
Outras seleções também protestaram, se ajoelhando antes do jogo ou se recusando a cantar o hino nacional. Tudo isso é muito bonito, e nunca foi tão fácil ganhar biscoito nas redes sociais exaltando a própria virtude. Mas o efeito prático dessas lacradas para as minorias perseguidas no Catar é nulo.
Se quisessem mesmo protestar contra as violações dos direitos humanos, a única atitude digna por parte desses atletas seria muito simples: boicotar a Copa – como aconteceu, por exemplo, quando os Estados Unidos e outros países boicotaram as Olimpíadas de 1980, em Moscou, em protesto contra a invasão do Afeganistão por tropas soviéticas.
Que bobos! Não precisavam deixar de competir e ganhar dinheiro e fama nas Olimpíadas, bastava usar uma braçadeira fofinha.
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