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Ding Liren, primeiro campeão mundial chinês de xadrez da História
Ding Liren, primeiro campeão mundial chinês de xadrez da História| Foto: Divulgação

Pela primeira vez na História, o campeão mundial de xadrez é chinês. O autor da façanha é Ding Liren, um jovem tímido e magrelo de 30 anos, que derrotou ontem o russo Ian Nepomniachtchi de forma tensa e emocionante – no tie-break de quatro partidas rápidas, após um match de 14 partidas com o controle clássico de tempo.

A vitória de Ding marca o fim do reinado do norueguês Magnus Carlsen, que se recusou a defender o título mundial e perdeu a coroa. É representativa, também, do crescente poder da China no planeta, já que a conquista tem um importante peso simbólico e não deixa de ser uma forma de soft power.

Basta lembrar que o xadrez era levado muito a sério na União Soviética, que dominou o esporte durante décadas – até que o americano Bobby Fischer destronasse o campeão Boris Spassky em 1972, no chamado match do século. Xadrez, para os russos, era um assunto de Estado.

Soft power, um termo cunhado pelo cientista político Joseph Nye, significa "a capacidade de um Estado de conseguir o que quer pela atratividade da sua cultura, suas ideias, seus ídolos, sua política doméstica e diplomacia".

Segundo Nye, "soft power é mais do que apenas persuasão ou a capacidade de encorajar pessoas pela arte do raciocínio: é também a capacidade de atrair; e a atração frequentemente leva a uma certa submissão. Concluindo, soft power é um poder de atração".

Nye prossegue: “Um país encontrará bem menos resistência para legitimar seu poder sobre outros atores se sua ideologia e cultura forem bem recebidas por eles. Assim, a abordagem do soft power é baseada em uma solução pacífica, indireta, sutil e mais ou menos discreta, dentro do escopo do apelo de ideias; na capacidade de persuadir ao invés de vencer, em termos de cultura e de ideologia.”

Os momentos finais da última partida chegam a ser comoventes – e são reveladores dos diferentes temperamentos dois mestres

Isso posto, tensão e emoção foi o que não faltou ao match encerrado ontem, realizado em Astana, capital do Cazaquistão. Ding e Nepo (como ele é compreensivelmente chamado, já que seu sobrenome é impronunciável) venceram três partidas cada um, com oito empates.

É raro ver em competições desse nível uma proporção tão grande de partidas decididas: para citar apenas um exemplo, o primeiro e histórico match entre Karpov e Kasparov, em 1984/85, teve 40 empates e apenas oito partidas decididas.

Isso porque, já há várias décadas, os grandes mestres de xadrez se tornaram especialistas da defesa, construindo posições inexpugnáveis no tabuleiro a partir de diferentes aberturas, o que tornou os empates cada vez mais frequentes - e, muitas vezes, tediosos.

Mais importante ainda que o placar foi a forma como os dois jogadores conduziram as partidas. Kasparov e Carlsen jogavam como máquinas, sem errar, mas também sem correr grandes riscos. Derrotas dos dois enxadristas eram raríssimas. Não eram humanos.

Já Ding Liren e Ian Nepomniachtchi devolveram uma face humana à disputa pelo título mundial de xadrez. E isso é bom.

Para surpresa de todos os comentaristas, um e outro jogaram de forma impetuosa e se aventuraram em variantes e lances inesperados, com a vantagem trocando de lado várias vezes ao longo da mesma partida, o que também é bastante incomum nesse nível.

Isso significa dizer que ambos cometeram muitos erros, é verdade. Mas os erros tornaram a disputa muito mais interessante. Pela primeira vez em muito tempo, os aficionados do xadrez tiveram a sensação de assistir a um match pelo campeonato mundial disputado entre dois indivíduos de carne e osso, sujeitos a falhas, e não entre dois computadores humanos.

Os momentos finais da última partida, no vídeo acima, chegam a ser comoventes – e são reveladores dos diferentes temperamentos dois mestres.

Nepo, que era o favorito, não esconde sua frustração após abandonar a partida em uma posição completamente perdida: ele sai rapidamente de cena, gesticulando, irritado. Já Ding Liren, em vez de comemorar o feito inédito ou mesmo sorrir, cobre o rosto com as mãos por longos segundos, contendo a emoção.

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