| Foto: Reprodução Instagram
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“Muitas coisas desejáveis são defendidas sem levar em consideração o fato mais fundamental da economia, ou seja, que os recursos são inerentemente limitados e apresentam usos alternativos”, escreveu o economista americano Thomas Sowell em seu livro “Fatos e falácias da Economia”.

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Pois bem, a premissa da aposta que está sendo feita no Brasil hoje, com a aprovação da PEC da Gastança e outras sinalizações recentes, é a negação do fato fundamental de que dinheiro não dá em árvore. Isto é algo que se ensina - ou pelo menos se ensinava - em casa e no primeiro período da graduação de qualquer curso de Economia.

Tomara que esta aposta dê certo. Mas fico pensando, cá com meus botões, que, se a solução para todos os problemas de um país fosse simplemente gastar dinheiro a rodo, não haveria mais pobreza no mundo. Bastaria que cada governo gastasse como se não houvesse amanhã.

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O problema é que as necessidades serão sempre infinitas, e os recursos serão sempre escassos (não no sentido de poucos, mas no sentido de limitados). Sempre será preciso estabelecer prioridades, escolher onde e como gastar, para não faltar lá na frente.

No fundo, o orçamento de um país não difere muito do orçamento doméstico, ou do orçamento de uma empresa privada: um chefe de família ou o dono de uma papelaria pode optar por se endividar loucamente, gastando muito além do que ganha, em compras parceladas nos cartões de crédito ou pedindo empréstimos no banco.

Nos primeiros meses, ele pode até ter a ilusão da prosperidade, mas é questão de tempo para o desastre chegar. Não é preciso ser PhD em Economia para entender isso, é apenas bom senso: qualquer pessoa com um mínimo de educação financeira entende que gastar mais do que se ganha é receita certa para o fracasso.

Pois bem, após oito anos fechando as contas no vermelho – primeiro em função da desastrosa recessão de 2015-2016, mais recentemente em função da tragédia da pandemia – o Brasil encerrará 2022 com a previsão de um superávit de R$ 34,1 bilhões.

Ou seja: sobrou dinheiro em caixa, o que é fundamental para a saúde financeira de um país, tanto quanto para a saúde financeira das empresas e dos indivíduos. Isso é bom até mesmo para quem vive de mesada dos pais ou de algum tipo de auxílio do Estado.

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Nós já vimos esse filme, e ele não acaba bem: a conta uma hora chega, seja na forma de inflação ou de recessão – ou as duas juntas

Esse patrimônio do superávit, conquistado a duras penas, foi sumariamente destruído: com a aprovação da PEC da Gastança pelo Congresso, a previsão para 2023 já é de um déficit de R$ 231,5 bilhões, valor aliás muito acima do necessário para garantir a continuidade dos programas sociais voltados para a população mais carente.

Mas causas têm consequências, e as consequências vêm depois: o aumento da dívida pública leva inevitavelmente o governo a aumentar a carga tributária, com impacto negativo na produção, no emprego e na renda. Nós já vimos esse filme, e ele não acaba bem: a conta uma hora chega, seja na forma de inflação ou de recessão – ou as duas juntas. A quem interessa o descontrole da economia?

Basta olhar para o que está acontecendo na Argentina. Depois da ilusão inicial do crédito fácil e do gasto irresponsável, os consumidores relutam em comprar, e os investidores relutam em investir, em um atmosfera crescente de insegurança e aversão ao risco – e com a inflação beirando os 100% ao ano, jogando 40% da população na pobreza. É claro que tem gente que acha que está tudo bem, porque o importante mesmo é Messi ter ganhado a Copa do Mundo.

Voltando ao Brasil, o fato é que, apesar dos erros cometidos em diversas áreas (inclusive na comunicação) pelo atual governo, de um ponto de vista estritamente econômico, a casa está sendo entregue arrumada.

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Nesse contexto, a tentativa de reedição da narrativa da “herança maldita” de governos passados, agora rebatizada de “legado perverso”, tem modestas chances de prosperar fora da bolha: até mesmo o consórcio da grande mídia, que foi um dos principais cabos eleitorais do candidato vitorioso, reconhece hoje os méritos da gestão de Paulo Guedes à frente do Ministério da Economia.

Por exemplo, no editorial “Retomada em risco”, publicado na última sexta-feita, a “Folha de S.Paulo”, que ao longo de quatro anos fez diariamente campanha contra o governo que ora se encerra, precisou admitir: “O crescimento mostrou ritmo além do esperado, com o PIB avançando acima dos 3%, e o emprego teve retomada vigorosa. A inflação deixou o patamar de dois dígitos e se encontra em trajetória de queda mais adiantada que a de países ricos. A dívida pública voltou ao patamar pré-pandemia.”

Costumo dizer que no Brasil até o passado é imprevisível, mas o mesmo não se pode dizer do futuro que se desenha – futuro que já está gerando apreensão e angústia até mesmo em muita gente que fez o L, começando por um famoso economista e ex-presidente do Banco Central, que declarou estar com medo. Os fatos fundamentais da economia são indiferentes às narrativas.