Há 15 anos, em 14 de maio de 2008, a Folha de S.Paulo noticiava: “Sem apoio de Lula, Marina anuncia saída do governo”. A História pode se repetir?
Em 2008, Marina Silva, exatamente como hoje, era a ministra do Meio Ambiente, mas não apenas isso: por seu trânsito internacional, desempenhava também um papel simbólico e era um importante cartão de visitas para o governo no circuito global da já então ascendente Agenda ESG.
Segundo a reportagem da Folha, Marina anunciou sua decisão irrevogável de se afastar do governo por se sentir desprestigiada. A coordenação do conselho gestor do PAS – Plano Amazônia Sustentável tinha sido subtraída da sua alçada e entregue a outro ministro, e como ela também já tinha perdido os debates sobre a construção da usina de Belo Monte e sobre a liberação de lavouras transgênicas de soja, não viu mais condições de permanecer no cargo.
Hoje, exatamente como 15 anos atrás, Marina é ministra do Meio Ambiente e está claramente insatisfeita com o rumo dos acontecimentos – especialmente após o Congresso desidratar os Ministérios ligados ao meio ambiente, com o aval (ou pelo menos sem muita resistência) do governo.
Pelo andar da carruagem, Marina vai perder o controle do Cadastro Ambiental Rural e da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, bem como influência na própria formulação da política nacional hídrica. O Ministério dos Povos Indígenas também foi bastante esvaziado na nova versão da MP de reestruturação dos Ministérios.
É o Centrão cobrando a fatura pela aprovação do arcabouço fiscal, sem dúvida. Mas é também o governo, sem base sólida, entregando os anéis para não perder os dedos. E isso tudo acontece justamente em meio à crise gerada pela decisão do Ibama de proibir a exploração de petróleo pela Petrobras na foz do Rio Amazonas.
Ainda há pouco, foi noticiado mais um revés para Marina: a comissão que analisa a citada MP também vai retirar do Ibama o poder de licenciar obras de interesse nacional – algo que, aliás, seria inimaginável em governos passados, tamanha seria a gritaria de certa militância que hoje a tudo assiste calada.
Para desconforto do governo, Marina não sai dos holofotes. A julgar por suas últimas e fortes declarações, ela não está disposta a aceitar quieta o que já está sendo chamado pela grande mídia de “tratoraço ambiental”.
Defendendo a decisão do Ibama, ela afirmou, meio que emparedando o governo: “É uma decisão técnica, e uma decisão técnica em um governo republicano, em um governo democrático, é cumprida e respeitada”.
Em outra entrevista, Marina declarou que estão tentando “implementar o governo Bolsonaro no governo Lula”. Disse, ainda, que as mudanças no Ministério podem prejudicar os recentes acordos assinados com a China e colocam em xeque um possível acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, já que que os europeus fazem exigências cada vez mais rígidas em relação à pauta ambiental (com que interesses, é outra história).
É mais uma daquelas situações em que a esquerda raiz e a esquerda ongueira globalista entram em rota de colisão
Ainda não dá para cravar que a história vai se repetir e Marina vai deixar o governo outra vez, até porque a Agenda ESG está hoje muito mais empoderada que 15 anos atrás; ela envolve vultosos interesses econômicos, nacionais e internacionais.
Além disso, é essa agenda que acalenta o sonho do presidente de ganhar um Prêmio Nobel – hoje muito mais viável pelo caminho da defesa do meio-ambiente do que pela desastrada tentativa de mediar o conflito na Ucrânia.
Agrava o problema o fato de não haver coesão sequer no PT em relação à exploração de petróleo na Foz do Amazonas. É mais uma daquelas situações em que a esquerda raiz e a esquerda ongueira globalista entram em rota de colisão.
Tudo indica que a permanência de Marina vai depender do desenlace da disputa entre o Ibama e a Petrobras, entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério das Minas e Energia .
O certo é que, desta vez, será difícil acomodar as partes em conflito na base da narrativa: uma decisão terá que ser tomada, e qualquer decisão deixará muita gente poderosa contrariada, no Brasil e no exterior.
Neste cenário, não há solução boa para o governo: tudo o que resta a fazer é mitigar danos, sopesando os custos e benefícios de cada alternativa.
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