Durou menos de um ano e meio a aventura esquerdista de Pedro Castillo no Peru. A destituição e a prisão do presidente, após sua desesperada tentativa de dar um autogolpe para continuar no poder, deveriam acender a luz amarela para os governos ditos progressistas que hoje dominam a América Latina e teimam na narrativa fácil do populismo.
O episódio pode representar, também, uma injeção de ânimo nas oposições de centro e direita dos países da região – e, quem sabe, o início de uma mudança de ventos no continente, após a chamada “onda rosa”.
Em todo caso, alguns aspectos da eleição e do curto governo de Castillo, o Breve, chamam a atenção.
A campanha eleitoral foi radicalmente polarizada, contrapondo o candidato da esquerda bolivariana e uma candidata de direita, Keiko Fujimori. A votação do segundo turno foi extremamente apertada, e Castillo só foi proclamado presidente mais de 40 dias após o fechamento das urnas, em função das suspeitas de fraude e dos diversos recursos apresentados pelo campo derrotado.
(Vejam só como o Peru é um país atrasado: a Justiça peruana estava impedida de proclamar o resultado oficial da eleição até que todos os recursos fossem devidamente analisados e julgados. Eles têm muito a aprender com um país vizinho, onde qualquer questionamento do processo eleitoral é severamente punido pela Justiça e desqualificado pela mídia como golpismo. Perdeu, Mané.)
A vitória de Castillo foi celebrada no mundo inteiro como a histórica chegada ao poder de um presidente identificado com o povo humilde, preocupado com os pobres e com a justiça social, o homem que acabaria com a fome e promoveria a pacificação de uma sociedade dividida.
Seu slogan de campanha era “Basta de pobres em um país rico”. Castillo, enfim, colocaria as necessidades das pessoas acima das demandas do mercado. Keiko Fujimori, por sua vez, representava uma ameaça à democracia, o ódio aos pobres, o fascismo genocida blábláblá.
Como costuma acontecer, a realidade acabou prevalecendo sobre a narrativa: depois que Castillo assumiu o poder, os impostos, a inflação e a pobreza aumentaram barbaramente, bem como a decepção dos eleitores – sobretudo entre os camponeses miseráveis das áreas rurais, andinas e amazônicas do Peru, aqueles que acreditaram no conto-do-vigário do populismo e fizeram o “C”.
A gestão irresponsável e o negacionismo econômico de Castillo – na origem, um dirigente sindical de formação maoísta – fizeram disparar o preço dos alimentos e dos combustíveis, situação agravada por denúncias de corrupção que anularam licitações para a compra dos fertilizantes necessários para a temporada agrícola.
Comprometida a colheita e com o preço da gasolina nas alturas, começaram a faltar comida e outros itens básicos nos mercados, ou chegavam a preços inacessíveis nas gôndolas.
É a economia, estúpido.
Aliás o mesmo roteiro – deterioração da economia seguida do sentimento de frustração e arrependimento – também se observa hoje no Chile de Gabriel Boric, cujo problema mais recente foi uma greve de caminhoneiros que paralisou o país.
Como costuma acontecer, a realidade prevaleceu sobre a narrativa: depois que Castillo assumiu o poder, a inflação e a pobreza aumentaram, bem como a decepção dos eleitores
Por sua vez, na Colômbia de Gustavo Petro, onde à crise econômica se soma a explosão dos indicadores de violência e assassinatos, o clima também é de desilusão.
E, na Argentina de Alberto Fernández, onde a inflação já supera os 80% ao ano, a situação é desalentadora, e a vice Cristina Kirchner acaba de ser condenada a seis anos de prisão por corrupção (mas contará, quem sabe, com um juiz amigo para anular o processo, se um dia o caso chegar à Suprema Corte do país.)
Voltando ao hoje presidiário Pedro Castillo: no Peru, o Parlamento é unicameral, e o partido do presidente eleito, “Perú Libre”, é minoritário: só elegeu 37 deputados, em um total de 130.
Diante do acelerado esfacelamento da economia e das crises políticas em série que se seguiram à posse, com a nomeação e destituição de mais de 80 ministros em menos de 18 meses, apareceram os primeiros pedidos de impeachment, por corrupção e incapacidade moral.
Sim, como se não bastasse sua incompetência como gestor, Castillo sofreu sucessivas acusações de comandar uma organização criminosa, que faturava fortunas em contratos do governo, além de tentar aparelhar, controlar ou obstruir a Justiça. Deve ser difícil viver em um país assim.
Impopular, encurralado e sem apoio das Forças Armadas, Castillo tentou a cartada do golpe, anunciando a dissolução do Congresso (em defesa da democracia) e acusando as elites brancas e fascistas do Peru de impedi-lo de governar: apelou até para o preconceito dos congressistas, por ter origens indígenas. Vai que cola...
Mas ninguém já o levava mais a sério. Em questão de horas, foi afastado e preso. O mesmo sistema que se mobilizou para alçá-lo ao poder, sabe-se lá com que interesses, lhe virou as costas. Porque é assim que funciona.
O resultado é que, nos próximos três anos e meio, o Peru será governado pela vice Dina Boluarte, uma política igualmente inexpressiva e tosca, mas que, apesar de também integrar o partido de esquerda “Perú Libre”, dificilmente terá condições de adotar as mesmas práticas de seu antecessor. Nada impede que o Golpe do Peru se repita em outros países do continente.
Aliás, quando a situação desandou para Castillo, Dina se apressou a se afastar do antigo aliado, a quem acusou de golpista no Twitter, na madrugada de ontem. Muy amiga. Fato é que, na América Latina, os vices têm que estar sempre prontos para assumir o poder.
A conclusão necessária: é bem mais fácil chegar ao poder, sobretudo quando se conta com a torcida da mídia e do Judiciário, do que governar um país, sobretudo quando se aposta na polarização e na divisão da sociedade. A lição está aí, para quem tiver a humildade de aprender.
STF inicia julgamento que pode ser golpe final contra liberdade de expressão nas redes
Plano pós-golpe previa Bolsonaro, Heleno e Braga Netto no comando, aponta PF
O Marco Civil da Internet e o ativismo judicial do STF contra a liberdade de expressão
Putin repete estratégia de Stalin para enviar tropas norte-coreanas “disfarçadas” para a guerra da Ucrânia