Eleição após eleição, os principais institutos de pesquisa vêm passando vergonha no Brasil, e em 2020 não foi diferente. Na melhor das hipóteses, a metodologia que estão usando é frágil – e já deveria ter sido corrigida.
Não vou especular sobre hipóteses piores, mas cabe a pergunta: será apenas uma coincidência que os erros favoreçam sempre os candidatos de esquerda? Torço para que seja coincidência, mas, convenhamos, para muita gente será difícil acreditar nisso. E como pesquisas eleitorais são coisas séries, que podem determinar os resultados por influenciarem (ainda) os votos de muitos indecisos, caberia aos institutos dar uma satisfação aos eleitores, explicando por que, mais uma vez, erraram tanto – e sempre na mesma direção.
Até porque o principal capital desses institutos (como aliás ocorre com os jornais) é a sua credibilidade. E esse capital vem sendo dilapidado a passos largos – pelos institutos de pesquisa e por muitos jornais, com pesquisas e matérias que leitores e eleitores julgam cada vez menos confiáveis. Um cidadão tem o direito de torcer e fazer campanha para o candidato que quiser; empresas comprometidas com a isenção e a neutralidade, não.
E há uma questão ética envolvida aqui. É aceitável que institutos de pesquisa cometam erros absurdos em série, sem sofrer qualquer tipo de advertência ou sanção por parte da Justiça Eleitoral? Porque parece evidente que falhas dessa proporção podem prejudicar (ou beneficiar) candidatos de forma decisiva. Uma pesquisa que na véspera da eleição aponta um candidato com 10 pontos de desvantagem pode encerrar as chances desse candidato; depois que a votação acontece e mostra uma diferença real de 1%, é tarde para reparar o dano.
Vou me limitar aqui a apontar o contraste entre as últimas pesquisas do Ibope nas capitais em que houve segundo turno (e nas quais havia candidatos claramente de esquerda), e a votação real – lembrando que essas pesquisas foram divulgadas às vésperas das eleições, realizadas ontem. A margem de erro, que já era alta (três ou quatro pontos para cima ou para baixo, dependendo da capital), foi estourada em praticamente todos casos.
Em ordem alfabética:
Aracaju:
Candidato da esquerda: Edvaldo (PDT)
Ibope (votos válidos): 62%
Votação real: 57,86% (diferença acima da margem de erro, de quatro pontos)
Belém:
Candidato da esquerda: Edmilson Rodrigues (PSOL)
Ibope (votos válidos): 58%
Votação real: 51,76% (diferença bem acima da margem de erro, de quatro pontos)
Fortaleza:
Candidato da esquerda: Sarto (PDT)
Ibope (votos válidos): 61%
Votação real: 51,69% (diferença escandalosamente acima da margem de erro, de quatro pontos)
Porto Alegre:
Candidato da esquerda: Manuela D’Ávila (PCdoB)
Ibope (votos válidos): 51%
Votação real: 45,37% (diferença bem acima da margem de erro, de três pontos)
Recife:
Candidato da esquerda: Marília Arraes (PT)
Ibope (votos válidos): 50%
Votação real: 43,73% (diferença escandalosamente acima da margem de erro, de três pontos)
São Paulo:
Candidato da esquerda: Guilherme Boulos (PSOL)
Ibope (votos válidos): 43%
Votação real: 40,62% (próxima do limite da margem de erro, de três pontos)
Vitória:
Candidato da esquerda: João Coser (PT)
Ibope (votos válidos): 50%
Votação real: 41,5% (diferença escandalosamente acima da margem de erro, de quatro pontos)
Cabe observar que, em algumas dessas capitais, o resultado final foi muito apertado. Talvez o resultado tivesse sido outro, se as pesquisas tivessem mostrado números mais próximos das reais intenções de voto, nessas cidades.
Em Fortaleza, por exemplo, muitos eleitores do candidato Capitão Wagner, do PROS, podem ter desistido de votar por estarem desanimados com a pesquisa do Ibope que, na véspera da eleição, dava uma vantagem de quase 10 pontos ao candidato Sarto, do PDT. Há também aqueles eleitores que gostam de votar no candidato que as pesquisas apontam como vencedor, cujos votos poderiam se dispersar se a pesquisa apontasse empate técnico.
Algo similar pode ter acontecido em Belém, onde a diferença entre a pesquisa da véspera e a eleição foi bizarra. Com quem os candidatos derrotados em Fortaleza e Belém, para só citar os casos mais graves, irão se queixar?
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