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Muitas vezes episódios menores, banais na aparência, disparam processos que acabam tendo consequências importantes – e marcam claramente mudanças de comportamento de alguns atores da política. Funcionam, por assim dizer, como gatilhos para uma reação inesperada da sociedade, inclusive por parte da grande mídia passapanista.
Na semana passada, duas notícias não particularmente relevantes para o destino do país receberam grande destaque e tiveram uma repercussão muito maior do que a esperada.
Primeiro foi a assessora da ministra, que achou bonito usar uma rede social para lacrar ofendendo a imensa torcida do São Paulo. A julgar pela postagem, ela acredita que a torcida são-paulina é composta apenas por brancos, “paulistes”, descendentes de “europeu safade” – além de não gostar de cantar!
Naturalmente, milhões de brasileiros se sentiram ofendidos.
Logo depois, veio a resolução orientando escolas a adotar o uso de banheiros conforme a identidade de gênero. Mesmo não tendo força de lei, a medida também ofendeu (e preocupou, e assustou) milhões de brasileiros, principalmente aqueles que têm filhas em idade escolar. Desnecessário explicar por quê.
A postagem da assessora (com nome e sobrenome franceses) foi tola por qualquer ângulo que se olhe, começando pelo fato de que, em um país miscigenado como o Brasil, todos ou quase todos somos, em alguma medida, descendentes de europeus – e também de africanos. Seríamos, então, todos “safades”?
Que bem pode fazer a um país que sempre teve na miscigenação um patrimônio investir em uma narrativa de raças puras que se odeiam? (A simples expressão “raça pura” já evoca lembranças terríveis, aliás).
Trata-se, aqui, de uma ideologia importada dos Estados Unidos, que aposta não na busca pela igualdade, mas no confronto e no ressentimento, e cujo objetivo parece ser não acabar com a opressão, mas trocar de lugar com o opressor.
Sobre a resolução dos banheiros, nem vou me estender, porque é um tema no qual hoje o debate está praticamente interditado: manifestar uma opinião diferente da “certa” pode trazer aborrecimentos. É assim que funciona na nova democracia.
Mas a pergunta é a mesma. Ainda que, na intenção, a medida seja boa (no sentido de combater a intolerância etc), parecem evidentes os riscos envolvidos, que afetam crianças e adolescentes.
A reação de muitos cidadãos comuns a medidas assim é pensar: “Vai dar certinho, confia”. Mas, pensando bem, talvez o objetivo não seja dar certo: o objetivo pode ser apenas distrair. O fato é que a esquerda que troca suas antigas bandeiras pela agenda identitária deixa de incomodar as estruturas de poder e de exploração econômica que ela sempre combateu.
O inimigo da nova esquerda não é mais o capitalista rico, ao contrário, até porque são os grandes capitalistas que financiam o seu projeto, começando por George Soros – que, como demonstrou esta reportagem exclusiva da Gazeta do Povo, em apenas um ano despejou R$ 107 milhões em ONGs progressistas que atuam no Brasil, por meio da Fundação Open Society.
O inimigo da esquerda hoje é o brasileiro comum que acorda cedo para trabalhar e eventualmente frequenta estádios de futebol, mas... comete os crimes hediondos de defender a família, ser cristão e se posicionar contra, por exemplo, o aborto e a liberação das drogas: este brasileiro, apesar de representar os valores e convicções da maioria esmagadora da população (façam um plebiscito para ver), se tornou o fascista cuja voz a esquerda precisa calar.
Na estranha aliança entre a esquerda e o grande capital, disseminar o ódio entre brasileiros não seria apenas um método para distrair o povo dos verdadeiros problemas do país?
Já magnatas como George Soros viraram guerreiros do povo brasileiro. Nessa estranha aliança entre a esquerda woke e o grande capital, disseminar o ódio entre brasileiros com base em diferenças de raça, gênero etc não seria apenas um método para distrair o povo dos verdadeiros problemas do país?
Por incrível que pareça, de tudo que li e ouvi como reação aos dois episódios citados, os comentários mais coerentes foram os de Rui Costa Pimenta, presidente do Partido da Causa Operária (PCO) e o de matérias publicadas no portal do partido, o Diário Causa Operária (DCO).
Vou além: eu diria que Pimenta tem um entendimento do que está acontecendo no Brasil muito superior à média; e que o PCO é hoje o único partido realmente coerente no Brasil, da esquerda à direita (eu ia escrever “o único partido com vergonha na cara”, mas por via das dúvidas é melhor pegar leve).
Como legítimo representante da esquerda-raiz que continua leal aos seus princípios e convicções, Pimenta faz diversas considerações para lá de oportunas sobre o identitarismo nos dois vídeos abaixo, ambos postados na semana passada. (Em relação especificamente à questão do meio-ambiente, outro esquerdista -raiz que vale a pena acompanhar é Aldo Rebelo.) Vale a pena assistir com atenção.
Já esta matéria publicada no DCO afirma o seguinte sobre a atuação no Brasil das ONGs financiadas por megacapitalistas:
“Há organizações de todos os tipos: aquelas que dizem defender os índios; outras que fazem uma falsa defesa dos negros; várias cujo carro chefe é o ambientalismo; etc. É claro, nenhuma dessas organizações faz uma defesa real desses setores oprimidos da sociedade. São apenas correias de transmissão da política imperialista do identitarismo; esta, por sua vez, consiste em uma aparente defesa dos oprimidos; defesa esta que é, na realidade, mera demagogia para mascarar os interesses escusos dos monopólios imperialistas.
“O identitarismo coopta indivíduos da população negra, da população feminina, dos índios e dos LGBTs, fazendo-os galgar posições na sociedade capitalista, seja na iniciativa privada, seja no âmbito da Administração Pública. Uma vez alçados a posições de destaque, esses indivíduos são utilizados como propaganda (...)A função desse convencimento é, por óbvio, desestimular a luta contra a opressão engendrada diariamente pelo imperialismo. (...)
“O identitarismo consiste em uma política sectária, individualista, cuja utilidade é jogar um setor oprimido contra o outro. Segundo os identitários, por exemplo, um homem não tem o direito de opinar sobre a questão da opressão que recai sobre a mulher. Da mesma forma, um branco não poderia opinar sobre a opressão em relação aos negros. Unir-se para lutar? Nem pensar (...)..
“Essa é uma das políticas que George Soros financia no Brasil, quando repassa milhões às ONGs. A outra é o ambientalismo, cuja demagogia em defesa do meio ambiente é utilizada para impedir o governo brasileiro explorar e utilizar os recursos naturais do país em favor de seu povo e do desenvolvimento da nação.
“Ao fim, políticas que são totalmente contrárias aos interesses do povo brasileiro. Nada mais natural, afinal, George Soros é bilionário, especulador financeiro internacional; um indivíduo membro da burguesia imperialista. Boa parte de sua fortuna vem da especulação financeira com o petróleo, mostrando que ele não tem nada de ambientalista. Igualmente mostrando que ele não tem nada de defensor de negros, mulheres, índios etc., a fortuna de Soros também foi feita através da especulação financeira com economias inteiras, contribuindo para gerar crises econômicas, as quais afetam toda a população trabalhadora, seja negra, mulher ou índia.”
Os sinais são claros: já está chato, não está dando certo, e não apenas no Brasil. Talvez seja hora de a esquerda repensar sua estratégia e avaliar se vale a pena insistir neste caminho.
Sobre o uso do identitarismo como ferramenta de perseguição política, outro texto que vale a pena ler é o editorial publicado no domingo pelo “Estadão”, “A intolerável intolerância progressista”, do qual também transcrevo os trechos mais relevantes.
“Está em curso uma campanha, em boa parte promovida pelos integrantes do Executivo, de discriminação e no limite criminalização das pautas de direita, como se a disputa entre progressistas e conservadores fosse uma batalha existencial da civilização contra a barbárie. (...)
“Na última geração, a intolerância maniqueísta das vanguardas da “luta de classes” foi inflamada pelas pautas identitárias da nova esquerda. (...) Nesse estado de espírito paranoico, não basta não ser racista, misógino, homofóbico; quem não é ostensivamente “anti”, quem não milita pela causa, quem não faz rituais de expiação pelo mero fato de ter uma determinada cor de pele, pertencer a um gênero ou ter uma orientação sexual é desmoralizado como uma peça da máquina de opressão. A política é submetida a emoções tribais e quem questiona a pureza ideológica dos redentores deve ser disciplinado, punido ou mesmo eliminado do debate público por tribunais midiáticos e campanhas de “cancelamento”.
“Considerem-se alguns debates recentes, como a exploração de novas fronteiras petrolíferas, a demarcação de reservas indígenas ou a legalização do aborto. Em todos esses casos, não há uma disputa inequívoca entre o bem e o mal. (...) No caso da exploração de petróleo na Margem Equatorial, por exemplo, há uma equação entre riscos ambientais e ganhos socioeconômicos; no caso das reservas indígenas, entre os direitos dos povos originários e os de proprietários (muitas vezes indígenas aculturados) de boa-fé; no caso do aborto, entre a autonomia das mulheres e a vida do nascituro. Além do mérito, há a questão da competência para arbitrar esses conflitos, por exemplo, entre o Legislativo e o Judiciário.
“Mas os progressistas iliberais se creem portadores de verdades absolutas e condutores da História legitimados a empregar quaisquer meios para a consumação de seus fins. O mero questionamento é denunciado como “violência”. A reação em defesa de direitos plausivelmente legítimos é anatematizada como reacionarismo. As teses de quem advoga por explorar as riquezas do petróleo, por garantir as propriedades de agricultores ou por preservar a vida do nascituro não são meramente objetadas (...) em função de supostas lesões a direitos do meio ambiente, dos indígenas ou das mulheres, mas recriminadas como ataques de predadores desalmados.”
Resumindo, mesmo na esquerda e no centro cada vez mais vozes estão se levantando contra abusos e abordos cometidos em nome do identitarismo – abusos e absurdos que não contribuem em nada para melhorar a vida das minorias que o movimento afirma representar e que ofendem, em muitos casos, os valores e costumes da maioria do povo brasileiro.
Os sinais são claros: já está chato, não está colando mais, não está dando certo, e não apenas no Brasil. Sintomas evidentes disso são o favoritismo de Donald Trump na próxima eleição americana e o favoritismo de Javier Milei na próxima eleição argentina. Talvez seja hora de a esquerda repensar sua estratégia e avaliar se vale a pena insistir neste caminho.