É relativamente recente, pelo menos na intensidade atual, o uso do termo ESG (“Environmental, Social and Governance”, “Ambiental, Social e Governança”) por governos, corporações e a grande mídia. Mas a sigla apareceu pela primeira vez já em 2005, em um relatório da ONU que pregava a incorporação da questão ambiental à agenda de empresas e investidores.
Quem poderia ser contra?
O problema é que, à medida em que se explicitam o alcance, o potencial impacto e o caráter globalista dessa agenda – que une governos, grandes corporações e o capital internacional, ou seja, basicamente todo mundo que manda no planeta – começam a aparecer também análises críticas fundamentadas ao consenso fabricado que une a esquerda e metacapitalistas como George Soros.
Essas críticas dizem respeito ao processo em curso de perda da soberania nacional diante do empoderamento de organismos multinacionais, que condicionam o uso de seus fundos a determinadas regras de interpretação nem sempre objetivas, o que se verifica claramente na Europa.
Basta dizer que, recentemente, a Polônia e a Hungria se rebelaram contra a ascendência das decisões da União Europeia sobre as decisões dos tribunais superiores nacionais. Os dois países se manifestaram, também, contra a regra que condiciona o acesso a fundos da entidade ao respeito à democracia e ao Estado de Direito.
O problema é que quem decide quem está desrespeitando a democracia e o Estado de Direito sequer venceu uma eleição e, frequentemente, soa parcial e ideologicamente motivado em suas decisões.
Se em defesa da democracia se acha bonito suprimir a liberdade de expressão, é natural que também se ache bonito abrir mão da soberania em defesa da natureza
Soa familiar? Pois é. Se em defesa da democracia se acha bonito suprimir a liberdade de expressão, se relativiza a censura e se perseguem abertamente jornalistas que ousem manifestar opiniões contrárias ao consenso, é natural que também se ache aceitável a até bonito abrir mão da soberania nacional em defesa da natureza.
Fato: quando o grande capital se une a lideranças políticas soi-disant progressistas e detentoras do monopólio do bem e da preocupação com a justiça social, convém botar as barbas de molho.
No Brasil, por exemplo, é no mínimo curioso que um slogan como “A Amazônia é nossa!”, historicamente defendido pela esquerda, esteja sendo substituído paulatinamente pelo discurso de internacionalização da floresta, com a abdicação voluntária da soberania nacional e a defesa entusiasmada de uma gestão internacional da região – sabidamente rica em minérios (mas seguramente isto é apenas um detalhe).
Como sou, por temperamento, desconfiado dos consensos e já vivi o bastante para entender que ninguém age só por bondade, sobretudo em questões que envolvem a política e a economia do planeta, venho tentando me inteirar do que dizem e argumentam os críticos da agenda ESG, aqueles malucos que teimam em desafiar a narrativa hegemônica em torno das questões ambientais.
Foi assim que cheguei nos livros e palestras do empresário e ativista político americano Vivek Ramaswamy, de quem nunca tinha ouvido falar até outro dia – e que, aliás está sendo cotado como potencial concorrente à Casa Branca em 2024. O tema é complexo, e não sei se concordo com todas as suas teses, mas é certo que a maioria delas faz bastante sentido.
Nascido em Cincinatti, filho de imigrantes indianos, o jovem (37 anos) Ramaswamy é autor de três livros “Woke, Inc.: Inside corporate America's social justice scam”; “Nation of victims: Identity politics, the death of merit and the path back to excellence” e o recém-lançado “Capitalist punishment: How Wall Street is using your money to create a country you didn’t vote for”.
São livros que atacam o bom-mocismo fake, os ataques à meritocracia e o vitimismo identitário promovidos pelos ativistas woke, temas que aliás já abordei em diferentes artigos.
Em diversas entrevistas recentes, Ramaswamy vem alertando para os riscos envolvidos na santa aliança que se estabeleceu entre governantes progressistas e o grande capital internacional. Ele costuma fazer declarações bastante enfáticas e reveladoras sobre a agenda secreta do programa ESG, suas verdadeiras motivações, seus potenciais impactos e os verdadeiros interesses por trás de sua narrativa.
Selecionei os trechos abaixo de uma entrevista ao site “The Daily Signal”, para reflexão do leitor.
“O que Wall Street percebeu foi que existe hoje uma nova versão da esquerda, não mais a esquerda do Occupy Wall Street, mas o que chamaremos de nova esquerda woke, focada não mais na pobreza ou na injustiça econômica, mas no racismo sistêmico, na mudança climática, na misoginia e na intolerância.
“Assim, a barganha silenciosa que Wall Street fez foi dizer: 'Nós vamos assumir essas questões. Colocaremos minorias simbólicas em nossos conselhos. E vamos refletir sobre o impacto racialmente díspar das mudanças climáticas, ou o que quer que seja. Mas não faremos isso de graça. Queremos que deixem o nosso próprio status quo intacto”.
“Esta foi uma troca que funcionou bem para ambos os lados. E assim nasceu esse amálgama ESG, que usa o dinheiro dos cidadãos comuns para investir na América corporativa, desde que essas empresas adotem uma agenda política unilateral. E a ascendente esquerda progressista passou a ver Wall Street como um aliado na promoção de seus próprios objetivos”.
“ESG refere-se ao uso de dólares, incluindo os seus dólares, para promover metas ambientais ou sociais, bem como metas de governança, que não são implementadas por meio de políticas públicas, eleições ou democracia, mas sim por meio do poder econômico, com grandes investidores comprando ações de empresas e forçando essas empresas a se comportarem de uma determinada maneira.
Esta não é uma questão de republicanos versus democratas. É uma reedição de 1776: aristocracia versus autogoverno democrático. É isso que está em jogo
“Eu acho que isso é assustador, embora pareça algo amigável à primeira vista. Mas é problemático por dois motivos. O primeiro é algo que já preocupava Milton Friedman: isso tornará as empresas menos eficazes na produção de produtos e serviços. Se as empresas estiverem focadas não em seu core business, mas em agendas sociais, elas serão menos competitivas e menos eficazes como motores de criação de valor – o que, por sua vez, reduzirá o tamanho do bolo econômico para a sociedade, o que levará todos a uma situação pior.
“Mas também existe uma ameaça à democracia, uma ameaça à própria governança democrática. Porque o que esse novo sistema diz é que a maneira como resolvemos nossas divergências sobre questões como a suposta injustiça racial ou a mudança climática, sob a visão ESG do mundo, não será mais por meio da liberdade de expressão e do debate aberto entre cidadãos, debate em que a voz e o voto de todos contam igualmente. Em vez disso, resolveremos essas questões por meio do poder econômico, e as pessoas terão voz conforme o volume de dólares que controlam no mercado.
“Para mim, isso é particularmente assustador de uma perspectiva americana. Porque, neste país, tomamos uma decisão em 1776. Dissemos que, para o bem ou para o mal, aqui não seria como no Velho Mundo, onde algumas pessoas se reuniam em um enclave palaciano para decidir quais sseriam as respostas certas para o resto da sociedade. Aqui nós resolvemos essas questões como cidadãos, por meio de um processo democrático ordenado constitucionalmente.
“E o que o movimento ESG realmente representa é aquela velha visão de mundo levantando a cabeça novamente, com uma roupagem moderna, dizendo que não se pode confiar nos cidadãos para lidar com questões como desigualdade social ou mudança climática: essas questões têm ser resolvidas por alguém em um escritório na Park Avenue.
“Esta não é uma questão de republicanos versus democratas. É uma reedição de 1776. Trata-se de aristocracia versus autogoverno democrático. É isso que está em jogo. E acho que é por isso que a esquerda e a direita deveriam estremecer igualmente, quando estabelecem que a maneira de resolver divergências não é por meio do processo democrático, mas por meio do poder econômico.”
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