Eleição após eleição, os institutos de pesquisa brasileiros vêm falhando miseravelmente em diversas previsões, muito além de qualquer margem de erro: candidatos apontados como favoritos que não chegam nem ao segundo turno, candidatos apontados como zebras chegando em primeiro lugar etc. Em novembro de 2020, no artigo “O Ibope deve uma satisfação aos eleitores”, listei uma série de erros crassos que sugeriam, na melhor das hipóteses, que a metodologia das pesquisas precisava ser aprimorada. Mas, como era previsível, o Ibope não deu satisfação nenhuma.
(Parênteses: vi, aliás, que o Ibope mudou de nome, para Ipec, o que é muito sugestivo. Só se abandona uma marca construída ao longo de décadas quando ela perde totalmente a credibilidade – que é o principal capital dos institutos de pesquisa. Esse capital vem sendo dilapidado a olhos vistos: um eleitor pode torcer e fazer campanha para o candidato que quiser; empresas comprometidas com a isenção e a neutralidade, não. Fecho parênteses.)
Mas a melhor das hipóteses não parece a mais provável. Como perguntei no artigo citado, “será apenas uma coincidência que os erros favoreçam sempre os candidatos de esquerda? Torço para que seja coincidência, mas, convenhamos, para muita gente será difícil acreditar nisso”.
E continuei: “Há uma questão ética envolvida aqui. É aceitável que institutos de pesquisa cometam erros absurdos em série, sem sofrer qualquer tipo de advertência ou sanção por parte da Justiça Eleitoral? Porque parece evidente que falhas dessa proporção podem prejudicar (ou beneficiar) candidatos de forma decisiva. Uma pesquisa que na véspera da eleição aponta um candidato com 10 pontos de desvantagem pode enterrar as chances desse candidato; depois que a votação acontece e mostra uma diferença real de 1%, é tarde para reparar o dano”.
Pois bem, o Ipec (antigo Ibope) e outros institutos de pesquisa vêm se empenhando visivelmente para martelar na cabeça dos eleitores que – apesar de tudo que aconteceu em um passado recente, e não foi pouco – Lula é o favorito disparado para a eleição do ano que vem. Algumas pesquisas chegam a cravar que ele vencerá no primeiro turno.
Como, no Brasil, até o passado é imprevisível, não dá para descartar nenhum resultado, até porque ainda estamos a quase 1 ano da eleição, e muita coisa pode e vai acontecer. Mas até mesmo eleitores do PT sentem que essas pesquisas estão forçando a barra. O perigo é espanarem a rosca, isto é, os Ipecs e que tais da vida perderem completamente a relevância junto à sociedade, já que exageram tanto na torcida e no esforço de criar um fato consumado que, simplesmente, não influenciam mais ninguém, e ninguém os leva mais a sério.
A vantagem da vitória de um candidato da terceira via seria deixarmos de viver em um país no qual metade dos brasileiros odeia a outra metade
No segundo turno da eleição de 2018, Jair Bolsonaro teve 55,13% dos votos, e Fernando Haddad teve 44,87%. Esses números refletiram a força do bolsonarismo e do lulopetismo no Brasil, e são dois fenômenos persistentes. Na minha percepção, tanto Lula quanto Bolsonaro contam com uma base incondicional de cerca de um terço do eleitorado, isso é, gente que continuará votando neles aconteça o que acontecer.
Como todo presidente surpreendido pela pandemia de Covid-19, começando por Donald Trump, Bolsonaro deu o azar danado de ter que lidar com uma tragédia inédita que ceifou centenas de milhares de vidas, o que por si só reduzi o potencial favoritismo de qualquer candidato à reeleição (como foi o caso de Trump, que acabou sendo derrotado por um candidato medíocre em uma eleição que parecia estar no papo, antes da pandemia).
Mas não é crível que eleitores que votaram em Bolsonaro em 2018 votem em Lula em 2022: com certeza existem eleitores que votaram e Bolsonaro e, decepcionados com seu governo, não votarão nele em 2022. Mas esses eleitores jamais votarão em Lula, pelo simples fato de que Lula, para 99% dos eleitores de Bolsonaro, é algo semelhante ao Anticristo (e vice-versa).
Nesse contexto, a vantagem da vitória de um candidato da terceira via seria deixarmos de viver em um país no qual metade dos brasileiros odeia a outra metade, o que é muito cansativo. Tenho saudade da época em que amizades não eram rompidas, nem parentes rompiam relações por causa de políticos (os mais jovens podem não acreditar, mas houve uma época assim).
Mas, no frigir dos ovos, o que parece provável – neste momento – é que, no primeiro turno, Ciro Gomes tire votos de Lula, e que Sérgio Moro tire votos de Bolsonaro (o PSDB, coitado, está tão perdido que nem sei de quem ele vai tirar votos); e que o segundo turno seja marcado, mais uma vez, pelo voto contra, não pelo voto a favor, com Lula recuperando os votos que perdeu para Ciro, e Bolsonaro recuperando os votos que perdeu para Moro. Ou seja: a repetição da polarização raivosa de 2018, na qual muitos eleitores votarão em Bolsonaro (e votariam até no Capeta) para evitar a volta de Lula ao poder. E vice-versa.
Como interpretar, nesse cenário, as pesquisas que apontam o favoritismo absoluto de Lula, apesar de ele mal poder sair às ruas? É possível que institutos como o Ipec (antigo Ibope) tenham entrado na onda do Metaverso. A ideia das pesquisas talvez não seja mais refletir as tendências de voto reais na sociedade brasileira, mas produzir uma realidade paralela, um mundo virtual no qual os fatos são recriados de forma a atender a determinados interesses.
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