Depois de assegurar na campanha que este seria seu último mandato (“eu, se eleito, serei um presidente de um mandato só", afirmou em outubro), o presidente, com pouco mais de um mês de governo, mudou o discurso e agora cogita disputar a reeleição em 2026 – se houver uma “situação delicada” e se ele estiver bem de saúde, “com 81 de idade, energia de 40 e tesão de 30".
É direito do presidente disputar a reeleição, e sonhar não custa nada. Mas trazer o assunto à baila neste momento não parece, digamos assim, ligeiramente precipitado? Até porque janeiro não foi um mês exatamente tranquilo, e não somente pelos acontecimentos lamentáveis do dia 8.
É preciso lembrar que a eleição já passou, e a sociedade está cansada do debate político: agora ela precisa de um pouco de paz e de notícias boas, principalmente na economia.
Infelizmente para o brasileiro comum, notícias boas nessa área ainda não vieram, ao contrário: promessas de campanha, como a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e o próprio reajuste do salário mínimo para R$ 1.320, já foram descumpridas ou, no mínimo, adiadas.
(No caso da isenção do Imposto de Renda, primeiro alegaram ser impossível fazer neste ano por causa do princípio de anterioridade, mas a justificativa logo caiu por terra – tanto que agora já se cogita a isenção imediata para quem até dois salários mínimos. Ué? a história do princípio da anterioridade era fake news?)
A boa vontade da grande mídia também já não parece a mesma da campanha: denúncias contra ministros começam a se acumular, sem uma resposta enfática por parte do governo.
Não é segredo que a grande mídia tinha um candidato e se engajou na sua campanha sem qualquer pudor. Parece uma sinalização preocupante que, vencida a eleição, um mês após a posse já apareçam editoriais duros contra o presidente, como o que foi publicado pelo "Estadão" no sábado. A lua-de-mel já acabou?
Alimentar o clima de conflito com as Forças Armadas e com o presidente do Banco Central (“esse cidadão”), como vem sendo feito de forma reiterada, tampouco contribui para um ambiente de otimismo, ao contrário: só faz aumentar a percepção de instabilidade e, consequentemente, a aversão ao risco por parte de quem investe e emprega.
Aliás, um indicador econômico divulgado nesta semana deveria causar particular preocupação: o desemprego aumentou em dezembro, com a perda de 431 mil vagas com carteira assinada.
“Ah, mas em dezembro o presidente ainda era Bolsonaro!” Sim, mas quem emprega e demite não é o presidente: são os empresários, com base na percepção do que virá pela frente. E a percepção não foi boa em dezembro - aliás um mês em que a taxa de desemprego costuma diminuir, já que várias vagas temporárias são abertas, em função das festas de final de ano.
Fato é que o desemprego e a inflação vinham caindo de forma consistente até a eleição, mas voltaram a subir no mês anterior à posse do novo governo. Vamos fazer de conta que isso não quer dizer nada? Tomara que ambos voltem a cair na apuração de janeiro, mas não será com um discurso hostil ao mercado e aos empresários que isso vai acontecer. (Aliás, a prévia da inflação de janeiro já aumentou.)
A julgar por janeiro, o plano parece ser prolongar pelos 48 meses de governo o clima da campanha eleitoral
Já se fala, por fim, em um racha na base aliada, dependendo das propostas que chegarem ao Congresso, sobretudo em relação à reforma tributária e à nova regra de controle de gastos, a chamada âncora fiscal. Por tudo isso, mesmo que seja cedo para se falar em crise, a situação está longe de ser a ideal.
Geralmente, um presidente começa a falar em reeleição somente na segunda metade do mandato, e mesmo assim se as coisas estiverem indo muito bem, e se ele estiver com a popularidade lá no alto.
Apostar na polarização e na divisão da sociedade pode ser eficaz para vencer uma eleição. Mas popularidade não se conserva apenas com discurso, muito menos com a adoção da linguagem neutra e com pautas de costumes que contrariam os valores da maioria dos brasileiros.
Para o cidadão comum, o que conta é a inflação, a segurança, o emprego, o valor do aluguel, o preço da passagem do ônibus, o preço da comida, a qualidade dos serviços públicos. Se isso tudo piorar, acho que a justificativa da herança maldita não vai colar desta vez. Só acho.
Para cima ou para baixo, a evolução da popularidade do presidente nos próximos meses e anos dependerá de entregas concretas, que se reflitam em números positivos na economia, tal como ela é percebida no dia-a-dia pela população. Simples assim. Narrativas não bastam, a realidade sempre se impõe.
Por que, então, antecipar a pauta da eleição de 2026, mal iniciado o governo, e já com tantos problemas a enfrentar? A única resposta plausível é que se trata de uma estratégia deliberada: a julgar por janeiro, o plano parece ser prolongar pelos 48 meses do mandato o tom da campanha eleitoral que saiu vitoriosa das urnas, ainda que por uma margem estreitíssima.
Fazem parte dessa estratégia, por exemplo, o tempo e a energia que vêm sendo gastos em ataques a Bolsonaro e até mesmo a Michel Temer, classificado como golpista em mais de uma ocasião recente. Até quando esse truque vai funcionar?
Embora a política do acerto de contas e da demonização do ex-presidente possa até satisfazer a parcela mais raivosa da militância de esquerda, ela tende também a estimular ainda mais a rejeição da metade da população que votou em Bolsonaro (e nem todo mundo que votou em Bolsonaro é bolsonarista, diga-se de passagem).
Ora, optar pelo palanque infinito é optar por governar com o apoio de apenas metade da população – ignorando, desprezando e mesmo ofendendo a outra metade, em vez de tentar minimamente conquistá-la (ainda que fosse por esperteza, no caso de faltar o desejo real de pacificar o país).
Talvez o cálculo seja ainda mais complicado. Segundo uma pesquisa do PoderData divulgada no sábado, 28% dos brasileiros se consideram de direita, contra apenas 21% que se consideram de esquerda (20% se dizem de centro e 31% não sabem).
São números impressionantes, considerando a incessante campanha de criminalização da direita promovida pela mídia e mesmo por uma parcela do Judiciário.
Ora, se estes números corresponderem à realidade, um governo claramente de esquerda como o que vem se desenhando só contará com a simpatia incondicional de um em cada cinco brasileiros – o que torna o palanque infinito uma escolha ainda mais imprudente e arriscada.
Até porque aquela parcela da população que votou no atual presidente não por gostar dele, mas por aversão a Bolsonaro, ou que apoiou o atual presidente com a esperança de um governo moderado – incluindo vários economistas famosos, como Henrique Meirelles e Armínio Fraga – já está trocando o otimismo pela apreensão, quando não pelo medo.
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