| Foto: Reprodução Instagram
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“Eu gostaria de agradecer a todos os que me acompanharam ao longo dos anos e me deram grande apoio. Espero que os futuros atores possam encontrar em mim um exemplo não só no campo do trabalho, mas na vida cotidiana entre vitórias e derrotas. Obrigado.”

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À guisa de despedida, o ator francês Alain Delon, 86 anos, postou a mensagem no Instagram na segunda, 28, após anunciar que vai se matar. Contará para isso com a ajuda de médicos, no que se chama de “suicídio assistido”, procedimento proibido no Brasil e na maioria dos países, mas autorizado pela legislação da Suíça, onde o ator vive.

Diferentemente da eutanásia, na qual o paciente, geralmente em estado de saúde terminal, tem sua vida abreviada pelos médicos, com autorização da família, no suicídio assistido é o próprio paciente que injeta em si mesmo a droga letal. No caso, pentobarbital sódico, um potente barbitúrico que deprime o sistema nervoso central e provoca a morte em poucos minutos, de maneira indolor.

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Delon foi um dos maiores galãs da História do cinema. Atuou em clássicos como “Rocco e seus irmãos”, “O Leopardo”, “O eclipse” e “O sol por testemunha” e foi dirigido por gênios como Luchino Visconti, René Clément, Michelangelo Antonioni, Joseph Losey e Jean-Luc Godard. No vídeo abaixo, ele contracena com a atriz Monica Vitti em uma cena de “O eclipse”, de Antonioni (1962):

É de se imaginar que, bonito e famoso como era, Alain Delon teve as mulheres que quis. Foi, além disso, empresário de sucesso, e nunca deve ter passado uma noite em claro pensando no boleto que vai vencer, como a maioria dos mortais comuns. Chegou aos 86 relativamente bem de saúde e cercado de conforto, diferentemente de muitos colegas seus. Em suma, não dá para dizer que teve uma vida ruim.

Por tudo isso, a notícia do suicídio anunciado me pareceu perturbadora. Por que um homem que teve uma vida tão abençoada decide se matar? E por que dessa maneira? E, não menos importante, por que divulgar essa decisão na mídia e nas redes sociais?


O ator Alain Delon no Festival de Cannes de 2019
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Pelo menos a julgar pelo que saiu na mídia, Delon não padece de uma doença terminal. Teve um pequeno AVC em 2019, que não deixou sequelas. Mas, já naquela ocasião, ele declarou: “[O suicídio] é a coisa mais lógica e natural a se fazer a partir de uma certa idade, de um certo momento. Envelhecer é uma merda! Não há nada a fazer sobre isso”.

Leio que o ator tem episódios recorrentes de depressão desde que se divorciou em 2001. De resto, está lúcido. Por difícil que seja julgar o sofrimento alheio com base em notícias de jornal, não acho que ele esteja dando um bom exemplo aos colegas e aos fãs, como escreveu na mensagem de despedida. Ao contrário, parece haver algo de egoísta, injusto e ingrato na sua decisão.

Albert Camus começa seu ensaio “O mito de Sísifo” afirmando: “Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia“.

Para a imensa maioria das pessoas comuns, essa questão sequer se coloca: por piores que sejam as circunstâncias, o ser humano tem um impulso natural de se agarrar à vida, que deriva da convicção e do sentimento de que a vida é a dádiva suprema, pela qual devemos ser gratos. Por pior que seja, a vida é melhor que o nada, que não existir.

Isso vale mesmo para quem não é religioso, mas não é à toa que o preceito de não matar – inclusive não matar a si mesmo, naturalmente - está presente em todas as religiões. Porque, sendo a vida sagrada, somente Deus tem o poder e o direito de interrompê-la.

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Também me pergunto como um médico que faz o juramento de Hipócrates - que inclui o parágrafo "Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém; a ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza à perda; do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva; conservarei imaculada minha vida e minha arte" - pode achar normal "assistir" o suicídio de um paciente que ainda teria, possivelmente, alguns anos de vida pela frente, isso quando tanta gente morre em sofrimento sem ter sequer acesso a assistência médica.

Em todo caso, a decisão do ator de se matar não precisaria ser pública, nem cercada de tanta controvérsia.  Talvez, inconscientemente ou não, o anúncio do suicídio tenha sido produto de uma certa nostalgia dos holofotes, de uma vontade de chamar a atenção. Que sirva, ao menos, para provocar um debate mais consequente sobre o suicídio assistido, nos países que permitem essa prática.