Fiquei confuso com uma entrevista que Aldo Rebelo, ex-ministro da Defesa do Governo Dilma, concedeu esta semana ao programa “Meio-Dia em Brasília”, sobre a Amazônia e outros temas. Não que eu tenha achado suas declarações incoerentes, ao contrário: não apenas são coerentes como eu tendo a concordar com a maioria delas.
A confusão vem do fato de os argumentos e propostas de Aldo Rebelo em relação ao desenvolvimento da Amazônia serem muito parecidos com os argumentos e propostas do ex-presidente Jair Bolsonaro. Como, no Brasil de hoje, o que importa não é aquilo que se diz, mas quem diz, talvez, partindo de alguém da esquerda, essas ideias encontrem melhor acolhida e tenham maior repercussão.
Mais provável, contudo, será cancelarem Aldo se ele insistir em falar essas coisas que vem falando sobre a Amazônia. Ele critica duramente, por exemplo, a agenda ambiental que vem sendo imposta ao Brasil pelos países ricos – agenda que impede o desenvolvimento da região. Vale a pena transcrever alguns trechos da entrevista:
“Eu creio que o Brasil caiu numa armadilha diplomática imposta pelos países ricos, que é separar dois temas que não deviam ser separados quando se fala de Brasil e de Amazônia: desenvolvimento e meio-ambiente. Você não pode discutir um sem o outro.
“O Brasil conseguiu fazer isso uma única vez, em 1972, na I Conferência do Meio-Ambiente realizada em Estocolmo, quando os países ricos só queriam discutir meio-ambiente, e o nosso embaixador, Araújo Castro – que tinha sido ministro das Relações Exteriores do presidente João Goulart mas foi preservado pelos militares, virando embaixador na ONU e depois chefiando a delegação que foi à Conferência de Estocolmo de 1972 – disse: “Não, o Brasil não vai discutir só meio-ambiente. O que vocês querem é – expressão que ele usou na época – o congelamento do poder mundial. (...)
“É você destinar os recursos naturais disponíveis no planeta para quem já está desenvolvido e, em nome da proteção ao meio-ambiente, vedar acesso ao desenvolvimento aos países que têm esses recursos. O Brasil, na época, não aceitou.
“Mas depois nós fomos cedendo e, pouco a pouco, o Brasil aceitou que a questão do meio-ambiente fosse discutida sem o direito ao desenvolvimento – o que nos coloca numa armadilha aqui na Amazônia, onde você tem 23 milhões de brasileiros, mais do que a população do Paraguai e do Uruguai somadas, sem perspectiva, porque você vai formar estudantes de Engenharia, de Agronomia, de Veterinária nas universidades da Amazônia para o quê? Para depois eles trabalharem abraçados numa castanheira?
“Não, se não tiver desenvolvimento não tem futuro para essa juventude, o jovem tem que terminar o curso universitário, pedir uma passagem pro pai e pra mãe e ir embora daqui, porque aqui não temos a perspectiva do desenvolvimento, porque a agenda não permite.”
Ora, era exatamente isso que pregava o Governo passado: a necessidade de ancorar a política ambiental com um projeto de desenvolvimento para a região amazônica, em vez de condenar a sua população ao atraso e à precariedade em nome da defesa da natureza.
Aldo Rebelo, que está lançando o livro “O quinto movimento – Propostas para uma construção inacabada”, não parou aí. Comentando a recente visita do chanceler alemão Olaf Scholz ao país, ele afirmou que a Alemanha tem interesses próprios na Amazônia e faz exigências ambientais ao Brasil que ela mesma não cumpre:
"É preciso que os interesses do Brasil também sejam considerados, e não apenas os alemães. Porque eles querem usar, aumentando inclusive o uso, o pior combustível fóssil, que é o carvão, e querem fazer aqui exigências ambientais que não têm correspondência no próprio país deles.”.
Em seguida, Aldo defendeu, vejam só, a regulamentação do garimpo na Amazônia. Mais uma vez, suas ideias lembram as do ex-presidente, que defendia a exploração dos minérios da região de uma forma que trouxesse benefícios econômicos e materiais aos próprios indígenas.
“Sobre a questão do garimpo, você tem dois artigos na Constituição Federal, os artigos 176 e 231, que autorizam a regulamentação da exploração de minérios em terras indígenas e áreas de fronteira. Só que isso nunca foi regulamentado: tentaram e não conseguiram, no governo Sarney, no governo Fernando Henrique, no governo Lula, e por alguma razão misteriosa não se consegue regulamentar.
“O que acontece é que os índios, por conta própria, fazem esse garimpo, como acontece com os Cinta-Larga, na Reserva Roosevelt, em Espigão do Oeste, em Rondônia, e com uma parte dos Munduruku, que garimpam ouro nas suas áreas. Outros índios são contra, há um conflito grande entre as próprias populações indígenas, e há invasão de garimpeiros que não são indígenas e entram nessas áreas, ora contra os índios, associados com os índios em outros momentos.
“As pessoas ignoram, não sabem o que acontece. O Artigo 174 da Constituição Federal diz que o governo deve estimular a organização de cooperativas de garimpeiros. É isso mesmo que estou dizendo. Deve estimular e promover cooperativas(...) para proteger o meio ambiente, evitar a evasão fiscal e a contaminação pelo mercúrio que é usado no garimpo ilegal.
“Mas chegamos a uma situação em que nada é regulamentado, e termina prevalecendo a ilegalidade, o crime fiscal porque não se paga imposto, o uso de mercúrio que envenena as águas dos rios e a corrupção pelo vício, pelo álcool, das populações indígenas, porque o Estado deixou isso à margem, e só se discute quando a tragédia toma as dimensões que conhecemos hoje.”
Imaginei que, nessa hora, Bolsonaro seria acusado de genocídio dos povos indígenas, diante das notícias recentes sobre a tragédia da fome entre os Yanomami. Mais uma vez Aldo Rebelo me surpreendeu. Disse que a culpa não é do governo A, B ou C, porque essa situação é antiga e atravessa governos. E ainda defendeu a incorporação dos indígenas à sociedade, outra proposta do governo passado:
“A tragédia das populações indígenas tem séculos. As populações indígenas ficaram à margem do processo de integração, de desenvolvimento e de incorporação do nosso povo à sociedade nacional. Hoje você tem as populações indígenas convivendo com o maior índice de mortalidade infantil, o maior índice de analfabetismo, o menor índice de acesso aos serviços básicos como água encanada e energia elétrica, o maior índice de doenças infecciosas como tuberculose.
“Então as populações indígenas foram deixadas, não é nem por governo A, B ou C, porque isso passa de governo para governo. Em 2000, 2002, ainda no governo Fernando Henrique, visitei as aldeias Yanomami e vi a situação de penúria, de subnutrição, os índios com as costelas à mostra, assando uma banana verde em ocas cheias de fuligem,
“A moça de uma ONG que praticamente tutelava a aldeia não deixou terem acesso à oca nem as autoridades militares que estavam comigo, e proibiu que [os indígenas] tivessem acesso à água encanada e à luz elétrica porque isso modificaria a cultura deles (...)
“Essa situação,, infelizmente, não é nova. Essas mortes acontecem há mais tempo. A mortalidade infantil entre as populações indígenas não é novidade, o analfabetismo é muito alto. (...) Isso serve para se fazer tese de antropologia nas universidades inglesas e francesas, mas é uma tragédia que atinge os nossos irmãos que têm direito a aprender a leitura, a aritmética.”
Sinal de que as teses defendidas por Aldo Rebelo se aproximam do que Bolsonaro defendia é que o ex-presidente postou no Twitter, no último dia 30, um vídeo em que o político de esquerda repete algumas das ideias acima e ainda critica os índios que moram na França e participam de ONGs, vivem na mídia e recebem recursos de fundações internacionais:
Com a autoridade de quem já foi ministro da Defesa, Aldo Rebelo fala também, na mesma entrevista, sobre a desconfiança mútua que vem sendo cultivada entre o presidente e as Forças Armadas. Nada de bom pode vir daí. Mas este artigo já está demasiado longo, e deixo que o leitor assista à entrevista e tire suas próprias conclusões sobre esse tema.
P.S. Mal acabei de escrever este artigo, vi que o cancelamento de Aldo Rebelo já começou: uma matéria da Revista Fórum, “Aldo Rebelo se torna garoto-propaganda da extrema-direita na tragédia Yanomami”, afirma: “Para os perfis da esquerda, Aldo Rebelo concluiu com êxito o seu giro à direita. Já para as comunidades da extrema direita, Aldo foi alçado garoto propaganda das teses contrárias à proteção aos povos indígenas e favoráveis à exploração de territórios indígenas”.
Certo. Quem defende o desenvolvimento da Amazônia é de extrema-direita. Certo mesmo é defender a continuidade da pobreza e da falta de perspectivas na região.
E pois é: não se podem negar as credenciais esquerdistas do ex-Ministro da Defesa. Hoje filiado ao PDT, Aldo Rebelo foi deputado federal durante cinco mandatos pelo PCdoB, tendo presidido a Câmara dos Deputados de 2005 a 2007. Mas, por contestar a narrativa hegemônica sobre os indígenas e a Amazônia, ele, um comunista histórico, agora é de direita! Que tempos...
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