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A poucas semanas das eleições, vivemos uma situação inédita e bastante preocupante no país. Tanto os eleitores de Bolsonaro quanto os de Lula acreditam piamente que a vitória está assegurada, quem sabe até no primeiro turno. Neste cenário, serão imensas a frustração e a revolta do eleitorado de quem perder – e não será um desafio trivial para o candidato vencedor conviver com essa frustração e essa revolta (de dezenas de milhões de brasileiros!) pelos próximos quatro anos.
Isso só acontece porque estamos vivendo a culminação de um longo e deliberado processo de divisão da sociedade que, justiça seja feita, não pode ser atribuído ao atual presidente – sua eleição foi, na verdade, a consequência inesperada desse processo. A causa está lá atrás, na adoção, por sucessivos governos, de uma narrativa sectária, de uma maneira de fazer politica e de governar que apostou na disseminação do ressentimento e do ódio entre os brasileiros.
Causas têm consequências. Não deixa de ser irônico e paradoxal que aqueles que rejeitam a consequência queiram trazer de volta a causa.
Nos últimos meses, tentaram de todas as formas convencer o eleitor indeciso de que o resultado da eleição era um fato consumado
Ao longo de muitos anos, quanto mais se falava em tolerância, mais se praticava a intolerância. O resultado é que vivemos em um estado de histeria coletiva, de panela de pressão, de dedo na cara, no qual a disputa entre “nós” e “eles” saiu do controle e virou “todos contra todos”: minorias contra minorias, gêneros contra gêneros, raças contra raças, esquerdas contra esquerdas, direitas contra direitas, pobres contra pobres, elites contra elites, o povo contra o povo.
A politização insana de todos os aspectos da vida envenena, desagrega, divide e separa. A política como prática de convívio, negociação e diálogo com a diferença é coisa do passado: o ódio contamina todas as esferas do cotidiano, a ponto de ter virado rotina parentes romperem relações e amizades serem desfeitas em razão do voto.
Pois bem, em um momento no qual sobram convicções e ódios, não deixa de ser admirável o eleitor que continua indeciso: ele se mostra capaz de ter dúvidas e se manter sereno em um momento no qual todos têm raiva e certezas até demais; ele resiste às etiquetas fáceis de esquerda e direita, do nós contra eles, da balcanização do país; resiliente, ele não se rende à adrenalina da narrativa que desumaniza o adversário e o reduz a um rótulo, seja o de fascista, seja o de corrupto.
Mas será ele, talvez, quem decidirá o resultado da eleição.
Acontece, que nos últimos meses, tentaram de todas as formas convencer esse eleitor indeciso de que o jogo estava jogado, de que o resultado da eleição era um fato consumado. Mas esse eleitor, descomprometido e sem ideologia, não se convenceu. Ele prefere continuar observando os acontecimentos antes de decidir em quem votar. Ele sabe que eleição não se ganha de véspera.
O eleitor indeciso acha estranho que um presidente que muitos dizem ser tão impopular seja capaz de reunir tanta gente
O que esse eleitor está observando neste momento, objetivamente? Primeiro, a recuperação acelerada da economia. A inflação e o desemprego estão caindo. O crescimento do PIB vem sendo revisado para cima a cada semana. Mesmo na comparação com os Estados Unidos e países europeus, que enfrentam problemas graves, os indicadores econômicos impressionam. Ao mesmo tempo, os mais desassistidos estão recebendo um auxílio que é mais de três vezes maior que a Bolsa Família.
Vem o Sete de Setembro, e o que vê o eleitor indeciso? Manifestações gigantescas de apoio ao presidente candidato à reeleição. O eleitor indeciso acha estranho que um presidente que muitos dizem ser tão impopular seja capaz de reunir tanta gente, enquanto o candidato apontado como o mais popular e favorito absoluto evita as ruas.
Estou falando, é claro, do eleitor indeciso de boa-fé, do cidadão comum que ainda não definiu seu voto: para esse eleitor, parece realmente muito esquisita a disparidade entre o que dizem a mídia e os institutos de pesquisa e o que ele vê nas ruas.
Perdem credibilidade e relevância o jornal, a pesquisa e o juiz que não parecem imparciais – e muitos não estão parecendo
Por outro lado, o eleitor indeciso observa que três atores que deveriam, por natureza e dever de ofício, se esforçar para pelo menos aparentar neutralidade estão se comportando como torcedores e militantes, não como fiadores imparciais da transparência e lisura do processo eleitoral: a grande mídia, os institutos de pesquisa e o Poder Judiciário.
Quando têm a postura isenta que deles se espera, esses três atores costumam ser úteis para o eleitor indeciso pender para um lado ou para outro. Quando eles próprios se tornam cabos eleitorais de um candidato e agentes de sabotagem do outro, perdem relevância para o eleitor indeciso, que pode mesmo se sentir empurrado a votar no candidato que ele percebe como perseguido.
Ora, o eleitor indeciso entra nos portais de notícias para ler a cobertura do Sete de Setembro e só vê desespero e rancor: sobre a festa da democracia, sobre voz enfática das ruas, nenhuma manchete. Ele consulta as últimas pesquisas e acha os números estranhos diante do que aconteceu no debate, diante dos indicadores econômicos, diante das manifestações populares. Ele também vê o STF mandar fazer busca e apreensão na casa de empresários por causa de conversas em um grupo privado de WhatsApp.
O eleitor indeciso pensa, talvez, lembrando o ditado machista e opressor da Roma antiga, que não basta à mulher de César ser honesta: ela tem que parecer honesta. Perdem credibilidade e relevância o jornal, o instituto de pesquisa e o juiz que não parecem imparciais, ainda que o sejam. E muitos não estão parecendo, há de se convir. O eleitor indeciso fica com a sensação de que tem algo estranho acontecendo, e quem pode criticá-lo por isso?
Para onde irá o voto desse eleitor indeciso, diante do que ele observa?