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Em maio de 1897, correu entre jornalistas americanos o boato de que o escritor Mark Twain tinha morrido. Procurado por um repórter, o autor dos romances “As aventuras de Tom Sawyer” e “As aventuras de Huckleberry Finn”, tratou de desmentir a notícia com uma frase que se tornou famosa pela fina ironia: “Os relatos sobre a minha morte são muito exagerados”.

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Eu me lembrei de Mark Twain porque, há poucos dias, correu um boato parecido envolvendo outra celebridade: George Soros, o multibilionário metacapitalista criador da Open Society Foundation, teria sido vítima de um ataque cardíaco fulminante.

Soros desmentiu por escrito, em uma postagem no Twitter – sem a elegância e a ironia de Twain, diga-se de passagem: “Rumores de que eu tive um ataque cardíaco são completamente falsos. Eu estou vivo e saudável”.

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Soros tem 92 anos. Espero sinceramente que ele esteja bem de saúde, mas o fato é que nessa idade a morte, por triste que seja, não surpreende ninguém. Se fosse uma partida de futebol, Soros já estaria nos acréscimos.

A morte é talvez a única certeza na vida. Envelhecer e morrer fazem parte da ordem natural das coisas, da qual não escapam nem mesmo os bilionários e os políticos mais poderosos, ainda que alguns deles pareçam se julgar eternos.

O que me chamou a atenção no episódio foi o comportamento da mídia, usualmente tão ciosa da checagem dos fatos. No Brasil e no exterior, os jornalistas que escreveram sobre o tema demonstraram a mesma preocupação com a apuração da verdade quanto os disseminadores do boato original: eles negaram a informação com base em um post no Twitter que, a rigor, não prova nada.

Envelhecer e morrer fazem parte da ordem natural das coisas, da qual não escapam nem mesmo os bilionários e os políticos

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Ora, em se tratando de alguém tão importante, cuja fortuna supera o PIB somado de muitos países e cujo poder é maior que o de muitos presidentes, seria de se esperar que os jornalistas buscassem algo mais que uma postagem no Twitter como comprovação de que Soros está vivo, ou não?

Eu gostaria de ler, nas matérias sobre o assunto, informações do tipo: qual foi a última aparição pública de Soros? Ou: por que ele não postou um vídeo, ou ao menos uma foto, mostrando que está bem?

Porque, exceto para os jornalistas que a consideraram uma prova de vida, a postagem no perfil de Soros e nada são a mesma coisa. Ela pode ter sido escrita por qualquer pessoa da equipe do bilionário com acesso às suas contas nas redes sociais.

É mais ou menos como aquela história do garotinho que, em 2018, tentando cabular (ou gazetear), escreveu um bilhete como se fosse a professora, informando aos seus pais que no dia seguinte não haveria aula.

A genial frase final é usada até hoje em situações nas quais se duvida da autenticidade de alguma coisa: “É verdade esse bilete”. Ora, um post no Twitter tem tanta credibilidade quanto o “bilete” do garotinho. É apenas um texto, ninguém pode garantir a sua pretensa autoria.

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O episódio serviu, em todo caso, para me fazer buscar outras frases famosas de Mark Twain, muitas delas reveladoras de aspectos pouco nobres da natureza humana, que reproduzo a seguir, com breves comentários:

“Algumas pessoas nunca cometem os mesmos erros duas vezes. Descobrem sempre novos erros para cometer.”

O Brasil, infelizmente, comete o mesmo erro duas, três, quatro, até cinco vezes. Quem dera o país preferisse cometer erros novos...

“Recolha um cão de rua, dê-lhe de comer e ele não morderá: eis a diferença fundamental entre o cão e o Homem.”

É verdade. Há pessoas que são incapazes de perdoar o bem que você fez a elas.

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“Algumas pessoas nunca dizem uma mentira - se souberem que a verdade pode magoar mais.”

Em algumas pessoas a compulsão para mentir só não é maior que a vontade de ferir. Mas também é verdade, por outro lado, que a verdade ofende mais do que a mentira. Na cultura do cancelamento, os dois vícios – mentir e ferir – se combinam, alimentados pelo ressentimento.

“É melhor merecer honrarias e não recebê-las do que recebê-las sem merecer.”

É verdade. Mas tem gente que faz de tudo para ganhar um prêmio – como se o prêmio tudo perdoasse e tudo justificasse. Estas pessoas não entendem que, no fundo, o verdadeiro prêmio está em merecê-lo, não em recebê-lo.

“Primeiro, informe-se dos fatos; depois, pode distorcê-los quanto quiser.”

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Esta ficou superada, porque já não é preciso distorcer mais nada. As narrativas de hoje não somente prescindem dos fatos: elas os desprezam. E, pensando bem, quem precisa de fatos quando se tem a ***** e o *** do seu lado?

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]