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Em outubro de 2020, a Igreja da Assunção, em Santiago, foi completamente destruída pelo fogo após ser vandalizada por milícias de progressistas mascarados, em meio aos protestos no Chile. Foi a segunda igreja a ser atacada no intervalo de poucos dias. Quando a cúpula pegou fogo e a estrutura desabou, os manifestantes comemoraram – inclusive a moça da foto, legítima representante da epidemia de ódio e intolerância “do bem” que assola o Brasil e o mundo. É uma imagem que deveria ter chocado o mundo. Para essas pessoas, é simplesmente insuportável ver cristãos cultuarem seu Deus, celebrarem sua fé e alimentarem sua espiritualidade. Como chegamos a este ponto?
A perseguição aos cristãos em todo o planeta é um fenômeno que vem se agravando ano após ano, mas o assunto permanece estranhamente – e escandalosamente – ausente da mídia. Muito esporadicamente, algum jornalista consegue furar o cerco e publicar um artigo ou reportagem de denúncia, mas a regra é a desinformação deliberada. Nesse contexto, chega a ser surpreendente o lançamento quase simultâneo dos livros “Crucificados – Relatos da nova guerra do Islã contra os cristãos”, de Raymond Ibrahim, e “Cristofobia – A perseguição aos cristãos no século 21”, de Luis Antequera.
As duas leituras são complementares e oferecem um registro assustador desse massacre que a mídia mantém invisível aos olhos das pessoas comuns. Historiador do mundo árabe e do Islã, o americano de ascendência egípcia Raymond Ibrahim é uma das raras vozes a se manifestar sistematicamente contra a opressão de cristãos nos países de maioria muçulmana – opressão que vai da prática social arraigada a políticas oficiais de governos. Em seu site, https://www.raymondibrahim.com/, ele registra quase que diariamente novos casos de perseguição e ódio a cristãos naqueles países, sempre com base em fontes primárias sistematicamente ignoradas por jornalistas, especialistas e analistas.
Segundo o autor, não se trata de casos isolados, mas de uma perseguição sistêmica, que, embora possa ser ocasionalmente agravada por fatores conjunturais, econômicos e políticos, encontra seu fundamento na própria doutrina islâmica. É o que diferencia a perseguição a cristãos em países não-islâmicos e em países islâmicos: nos primeiros ela é “quase sempre embasada numa ideologia secular e correlacionada a um regime político” – e, portanto, passageira; já a segunda é perene e transcende qualquer forma de governo: “A perseguição é parte da religião islâmica e da civilização que dela nasceu", escreve Ibrahim. "Ela deriva do Corão, da teologia islâmica, da lei islâmica (xaria) e da cultura islâmica”.
Entre os muitos méritos de “Crucificados”, destaca-se a análise histórica das raízes doutrinais e históricas do fenômeno, que ajuda a entender que, ao longo de 14 séculos, a perseguição e a submissão foram a regra no mundo islâmico, sendo o recente ciclo relativa tolerância – do pós-Segunda Guerra ao final dos anos 70, merecendo ser destacada como marco temporal a Revolução dos Aiatolás no Irã em 1979 – uma notável exceção. O que prevalece hoje, contudo, inclusive nas representações dos filmes de Hollywood e séries da Netflix, é uma narrativa revisionista que retrata invariavelmente os cristãos como vilões opressores, e os muçulmanos como campeões da tolerância e da paz.
E não estamos falando aqui de mero preconceito anticristão, nem mesmo da profanação de igrejas, cruzes e símbolos cristãos por grupos radicais, como aconteceu no Chile - ou no Egito e na Síria, onde as igrejas incendiadas ou vandalizadas na última década se contam aos milhares. Em diversos países de maioria muçulmana da África, do Oriente Médio e do sul da Ásia, declarar-se cristão e professar a fé cristã significa muito concretamente colocar a vida em risco. Particularmente chocante é o relato que Ibrahim faz de um massacre ocorrido na Nigéria em 2011, quando foram degolados milhares de cristãos, alguns dentro de suas próprias casas, incluindo crianças, idosos e mulheres grávidas. A tragédia não mereceu qualquer destaque na mídia do Ocidente.
Por sua vez, “Cristofobia – A perseguição aos cristãos no século 21”, do escritor e jornalista espanhol Luis Antequera, faz uma abordagem diferente do mesmo problema, não restrita apenas ao Islã. O autor, que dirige um programa de rádio chamado “Igreja Perseguida”, começa apresentando uma discussão mais conceitual e filosófica sobre os conceitos da intolerância religiosa, estabelecendo gradações que podem ser bastante úteis como ferramentas de análise. “Os cristãos são hoje a comunidade religiosa mais perseguida do mundo”, afirma Antequera.
Em seguida, o autor faz um inventário da cristofobia em diferentes países, da China à Coreia do Norte, do Irã e do Iraque ao Sudão e ao Quênia. Analisa, por fim, a perseguição aos cristãos em países europeus, como França, Reino Unido e Espanha, o que parece particularmente chocante: cristãos sendo perseguidos no berço da civilização cristã.
Antequera denuncia, por exemplo, a existência hoje na Europa de 41 leis que afetam a liberdade religiosa dos cristãos, em 15 países; ele também lista 169 sentenças judiciais recentes que ameaçam a liberdade dos cristãos naqueles países: “A mais perigosas são aquelas que restringem as liberdades de pregação, de funcionamento de escolas confessionais, dos pais escolherem a educação dos filhos, de uso de símbolos religiosos, bem como a liberdade de objeção de consciência dos cristãos que se recusam a colaborar com o aborto, com a venda de pílulas abortivas ou com a celebração de casamentos homossexuais".
Embora seja menos rigoroso e detalhista que Ibrahim, nos relatos de perseguições, e menos ambicioso na contextualização histórica, Antequera faz uma análise mais original do fenômeno, fazendo uma associação convincente entre a cristofobia e o globalismo - análise ausente no livro do autor americano. Vale a pena transcrever um trecho de “Cristofobia” que revela a urgência e a gravidade do problema:
“A proteção e a defesa ativa dos cristãos nunca foi tão necessária quanto agora. A tradição judaico-cristã que originou todo o sistema jurídico, cultural e econômico do Ocidente sofre ataques em seus pilares de sustentação: seus agressores, representados por um poderoso lobby internacional, desejam a eliminação de conceitos naturais, como família e vida humana, que são obstáculos à instalação de uma ditadura global que ambiciona o poder de definir esses conceitos em suas assembleias, por maioria simples. Enquanto diz lutar pela expansão de direitos, a elite global transforma certas liberdades em privilégios e os concentra nas mãos de poucos. A formação e a educação familiar são entregues ao Estado, enquanto as famílias milionárias dessa elite permanecem intactas. A primeira coisa a fazer para extinguir uma comunidade é impedi-la de criar e educar seus descendentes. (...) Os inimigos do Cristianismo sabem que é preciso tornar a verdade uma convenção social, um arranjo pragmático reduzido às suas funções mais utilitárias”.