Em uma recente incursão a um sebo da cidade, chamou a minha atenção o livro “Clichés of politics”, uma coletânea de textos organizada por Mark Spangler, em 1994 - e, até onde sei, inédita no Brasil. Chegando em casa, devorei o ensaio “Eu tenho o direito!”, de Charles W. Baird, cujas teses resumo a seguir.
Embora tenha sido escrito já há três décadas, o texto de Baird permanece atualíssimo. O autor começa constatando que as pessoas exigem cada vez mais direitos, sem se perguntar o que são, afinal de contas, direitos, ou de onde eles vêm. Fato é que, cada vez mais, todos gostam de exigir seus direitos, sem pensar nos deveres que eles inevitavelmente acarretam.
Segundo certa visão progressista e intervencionista, direitos são coisas criadas e extintas pelo governo. Seguindo determinados ritos legislativos, um determinado governante de um determinado país, membro de um determinado partido, pode inventar novos direitos e suprimir outros, favorecendo determinados grupos e prejudicando outros.
Nessa leitura, direitos são, em suma, aquilo que o governo chama de direitos.
Direitos seriam, portanto, posteriores à política; sendo posteriores à política, eles podem mudar ao sabor dos ventos e das ideologias. É o que, na prática, acontece todos os dias.
Contra essa interpretação relativista, Baird lembra o que Thomas Jefferson escreveu na Declaração de Independência dos Estados Unidos: todos os indivíduos possuem direitos inalienáveis, inerentes à natureza humana: “Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.”
Na visão jeffersoniana, os direitos são anteriores à política. Governo nenhum, portanto, tem autoridade e legitimidade para somar ou subtrair direitos genuínos: o único dever do governo é proteger e garantir esses direitos. Por outro lado, é a reivindicação justa e simultânea desses direitos legítimos, por todos os indivíduos, que cria limites para o poder do governo. O único dever criado a outras pessoas pelo exercício desses direitos é o dever de abster-se de interferir na vida alheia.
A consequência lógica da premissa estabelecida por um dos pais fundadores da América é que, sendo tais direitos universais, não se pode reivindicar nenhum direito para si e ao mesmo tempo negá-lo a outros.
Um bom teste para verificar a legitimidade de um direito é perguntar se ele pode ser exercido por todos os indivíduos, ao mesmo tempo, sem qualquer conflito ou contradição. Porque se, ao exercer um direito que eu reivindico, estou impedindo outra pessoa de exercer um direito semelhante, este direito não é genuíno, nem legítimo.
Baird vai além, alertando contra a mania de confundir direitos e desejos. Sempre segundo o autor, ao transformar desejos em direitos, por melhores que sejam as intenções, governos só criam problemas.
Exemplo: se João alega ter direito a um emprego, e o governo concorda, isso subentende impor a Joaquim ou a José o dever de dar um emprego a João, independente de seus méritos. O direito de Joaquim ou José escolher quem empregar é ignorado: sua liberdade de escolha é subordinada à liberdade de escolha de João.
Mas, argumenta Baird, se um suposto direito não pode ser assegurado sem forçar outra pessoa a fornecê-lo a você não se tratava de um direito genuíno. Porque nada autoriza alguém a reivindicar o direito de subordinar à sua vontade a vontade de outra pessoa.
Ora, qual é a situação que vivemos hoje? Cada indivíduo e cada grupo só se preocupam em cobrar dos outros, o tempo inteiro, a garantia dos seus direitos. Mas se eu não tenho deveres, só direitos, para que eu seja atendido cada direito meu imporá deveres a outros. Como os outros também consideram que só têm direitos, a consequência é que ninguém respeitará mais o direito de ninguém, e a gritaria só vai aumentar.
Esta é a receita para desfazer todos os laços de respeito e valores compartilhados que, em um passado não muito distante, eram o cimento das relações sociais. Na sociedade sem deveres é cada um por si e todos contra todos. Porque o objetivo não é lutar por direitos legítimos, mas simplesmente fazer da reclamação, da vitimização e do protesto permanente uma razão de viver.
Voltando à Declaração de Independência, perceba, o leitor, que Thomas Jefferson cita como direitos inalienáveis a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Ou seja, a felicidade em si não é um direito, como a vida e a liberdade: o direito que todos têm é de buscar a felicidade. Mas nem todos estão dispostos a pagar o preço.
O que prevalece hoje é a convicção de que a felicidade é um direito e, portanto, não precisa ser perseguida ou conquistada com esforço, sacrifício e talento. Sendo a felicidade um direito, se eu não sou feliz, a culpa não é minha, é do Estado ou do meu vizinho mais próspero e feliz.
A disseminação dessa crença falaciosa na felicidade como direito tem relação direta com outra convicção ideologicamente motivada: a de que todos têm direito à igualdade – não à igualdade perante à lei, como determina a Constituição, nem à igualdade de oportunidades, mas à igualdade em todos os aspectos da existência (o que, aliás, exige que a lei trate grupos diferentes de formas diferentes, mandando às favas a igualdade perante a lei).
Atribui-se assim ao Estado a tarefa impossível de garantir essa igualdade absoluta – o que, no mundo real, é pouco menos que uma alucinação coletiva. Mas é essa alucinação que está na base do "mimimi" generalizado, do ressentimento como razão de viver, e do arrastão politicamente correto que tomaram conta das redes sociais e do debate político no Brasil, nos últimos anos.
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