Publicado originalmente nos Estados Unidos em 1995, somente no finalzinho de 2022 foi lançado no Brasil um dos melhores livros do economista a analista político Thomas Sowell: “Os ungidos – A fantasia das políticas sociais progressistas” (LVM Editora).
O livro permanece atualíssimo. Sowell escreve, por exemplo, sobre as massas que abrem mão da liberdade com a esperança de serem “alimentadas pelo governo e arrebanhadas e cuidadas pelos intelectuais”, bem como de terem suas necessidades básicas providas pela generosidade do Estado.
Esse fenômeno só é possível em um ambiente no qual se desqualificam o mérito e o esforço individuais, e no qual a autoestima baseada no ressentimento é distribuída nas salas de aula como uma dádiva dos professores preocupados com a justiça social.
O resultado é cada vez mais evidente, no Brasil e no mundo: adultos infantilizados, incapazes de tomar decisões e de assumir responsabilidades, dependentes que são do Estado paternalista e da orientação iluminada das elites, que sempre sabem o que é melhor para você.
A convicção de que uma pequena classe de ungidos deve ter o poder de decidir o que é certo e errado, de determinar o que pode ou não pode ser dito (ou mesmo pensado) e até de impor mudanças estruturais - e nos costumes e valores - da sociedade se baseia em um senso de superioridade moral típico das esquerdas.
Estas, quando no poder, inevitavelmente, acabam por constituir uma casta intelectual e política de autoridade quase religiosa, que usa a pretensa preocupação com a justiça social e a defesa das minorias como escudo e pretexto para impor suas pautas à maioria silenciosa da sociedade, inclusive – e cada vez mais - na esfera da moral e dos costumes.
Segundo Sowell, esta visão de mundo que já prevalecia já nos anos 90 (hoje, então, nem se fala) parte de um conjunto de suposições tácitas sobre as pessoas e o mundo, suposições que são impermeáveis e refratárias a qualquer tipo de contestação.
Na visão dos ungidos, evidência empíricas são ignoradas. Qualquer feedback negativo da realidade é cegamente bloqueado. Em uma estranha inversão da lógica causal, é como se eles realmente acreditassem que narrativas podem transformar os fatos
Os pensadores de gabinete mandam e determinam o curso a ser seguido pela sociedade, e obedece quem tem juízo – especialmente quando a mídia, os tribunais, a academia e as instituições políticas se unem em torno de definições muito particulares da democracia e do Estado de Direito, que permitem relativizar a liberdade de expressão e justificar a censura, por exemplo.
O problema é que, invariavelmente, os benefícios prometidos por essas elites nunca chegam: estão sempre em um horizonte inalcançável, porque estão desconectados das leis que regem a vida real e a realidade concreta.
O que chega, muito mais depressa, são as consequências severas e dolorosas de decisões erradas e políticas equivocadas, sobretudo (mas não apenas) na área econômica. No final do dia, o resultado líquido é manter os pobres na pobreza - até porque os ungidos dependem da manutenção da pobreza para se perpetuar no poder.
Nesse sentido, escreve Sowell, o propósito do seu livro “não é simplesmente ver que tipo de mundo existe na mente da elite auto-ungida; é ver como este mundo afeta a realidade em termos concretos, como a criminalidade, a desintegração familiar e outros fenômenos sociais”.
Uma característica peculiar da visão dos ungidos, segundo o autor, é que evidências empíricas são solenemente ignoradas. Qualquer feedback negativo da realidade é cegamente bloqueado. Em uma estranha inversão da lógica causal, é como se eles realmente acreditassem que narrativas podem transformar os fatos.
Derivam dessa crença a demonização dos oponentes e o direito auto-concedido de tratar quem pensa de forma diferente como alguém moralmente inferior, mal intencionado, desprovido de caráter, socialmente insensível e mesmo criminoso.
Os oponentes dos ungidos são os responsáveis por todos os problemas do mundo, porque não são tão sábios nem virtuosos quanto os ungidos – e, por isso mesmo, devem ser perseguidos, calados e, se possível, exterminados.
Mas o que acontece quando as coisas não saem conforme o planejado? Os ungidos reconhecem que erraram e pedem desculpas? Nada disso. Sowell identifica um padrão de comportamento que merece ser transcrito:
“1. Afirmação de um grande perigo que ameaça a sociedade, um ´perigo de que as massas sequer têm consciência;
2. Necessidade urgente de ação para impedir a catástrofe iminente;
3. O governo limita drasticamente o comportamento perigoso de muitos, em resposta à conclusão presciente de poucos;
4. Rejeição desdenhosa dos argumentos contrários, tidos como desinformados, irresponsáveis ou motivados por propósitos maléficos.”
Não é difícil aplicar o esquema acima ao Brasil de hoje: a democracia está ameaçada e em grande risco; por isso são necessárias medidas extremas que parem a ação dos golpistas; em defesa do Estado de direito, justificam-se restrições à liberdade de expressão e de reunião; qualquer um que discorde merece ser cancelado e exposto, ter suas contas banidas das redes sociais e ser objeto de um inquérito. Tudo em defesa da democracia.
Não é um padrão casual, é um método.
Sempre segundo Sowell, o esquema também se aplica, de forma geral, a quase todas as políticas sociais esquerdistas. O modus operandi é sempre o mesmo: apresentar-se como o único salvador capaz de resolver uma crise qualquer, para conquistar o poder. Quando a solução apresentada fracassa, a culpa não é deles, é de fatores complexos que somente um ignorante ousaria descartar - ou da herança maldita deixada pelo antecessor.
Por tudo isso, “Os ungidos” é uma leitura fundamental para se entender o Brasil de hoje – bem como, aliás, a recentemente lançada biografia de Thomas Sowell escrita por Jason L. Riley (Faro Editorial).